
Dave April
Gostaria desde logo de precisar que não é minha intenção denunciar de maneira mecânica e fácil as sondagens de opinião. Se não há dúvida de que as sondagens não são o que se pretende fazer crer, também não são o que se diz quando se pretende dismitificá-las. (...)
A sondagem política é hoje um instrumento de acção política; a sua mais importante função é talvez impor a ilusão de que existe uma opinião pública como somatório puramente aditivo de opiniões individuais; é impor a ideia de que, por exemplo numa sala de aula, existe opiniao pública, algo que seria como a média das opiniões ou a opinião média. A "opinião pública" manifestada nas primeiras páginas dos jornais sob a forma de percentagens (60% dos franceses são favoráveis a...), esta opinião pública é um artefacto puro e simples cuja função é dissimular que o estado da opinião num dado momento do tempo é um sistema de forças e de tensões e que nada é menos adequado para representar o estado da opinião que uma percentagem.
Sabe-se que as relações de força nunca se reduzem às relações de força: todos os exercícios da força são acompanhados por um discurso que visa legitimar a força daquele que a exerce. (...) Para falar simplesmente: o político é o homem que diz "Deus está connosco". O equivalente moderno de "Deus está connosco" é "a opinião pública está connosco".
É este o efeito fundamental da sondagem de opinião: constituir a ideia que existe uma opinião pública unânime para legitimar uma política e reforçar as relações de força que a fundam ou a tornam possível.
[in Pierre Bourdieu, L'Opinion publique n'existe pas, Paris, Les Temps Modernes, Janeiro 1973, pp 1292-1308]