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1.4.06

O Escritor Famoso V Edição - dia 5 (1)

As novidades do dia são excelentes! Teremos dois patrocinadores oficiais nesta V Edição. A livraria O Navio de Espelhos, que tem acompanhado O Escritor Famoso desde o primeiro momento, mantém-se como patrocinador e ponto de encontro de todos os seus amigos. O Cineclube de Aveiro estreia-se como nosso parceiro, ... e em grande! Vejam a qualidade dos prémios a atribuir aos vencedores da V Edição do Concurso O Escritor Famoso:


1° Prémio Escritor Famoso - Cineclube de Aveiro - O Navio de Espelhos

O autor do argumento mais pontuado pelo júri do Concurso terá a oportunidade de ver esta sua criação adaptada a uma curta-metragem. O filme será realizado por Ivar Corceiro (ou outro realizador que o Cineclube designe).

Ou seja, o vosso acto de cinema será transformado numa obra de cinema!

O Navio de Espelhos fará ainda a Oferta de um Livro.



2° Prémio Escritor Famoso
- Cineclube de Aveiro
Ao autor do texto com a segunda melhor classificação será oferecido um conjunto de DVD's.


Prémio Escritor Bairrista
- Cineclube de Aveiro
Oferta de cartão de sócio e anuidade do Cineclube.
Este prémio foi criado a pensar nos aveirenses. Ele será atribuído ao concorrente da Região de Aveiro que obtenha melhor classificação.

Nos próximos dias divulgaremos informações adicionais sobre a curta-metragem, a relação pormenorizada dos restantes prémios (livro, dvd's), assim como a constituição do júri e método de votação.

18.11.05

Escritor Famoso. Boas notícias.

Em vez de 3 livros, o Ivar Corceiro vai oferecer 5. Estou a falar daquela Avenida. Logo, vamos passar a ter cinco grandes vencedores nesta IV Edição. Os resultados seguem dentro de momentos...

2.7.05

O dia é perfeito. E eu detesto-o

Em aceleração estampou-se numa avenida.
Preciso do suor do peito das tuas mulheres.

Sangro infinitamente até me abraçar ao chão como um balão sem ar. E depois vens tu e tornas-me a encher e a lançar-me no céu.

Tu és transparente e és quente. Tu és ausente.

Vieste descalça.


Para onde? Pergunto disponível. Para onde for preciso.


e sussuraste-me ao ouvido.

Anjos Cinza da não vida
Apoderam-se das cores e, frágeis, dormem entrelaçados nelas.

Em círculos salta um golfinho rosa excitado,

Lamentamos, mas de momento não é possível efectuar a operação.

O ódio é uma bala amarga que atinge sempre o atirador.
E em mel lambo-te os dedos dos pés...

Espreitas-me,

É a avenida.
de um sorriso numa face anónima,

Ora lestos, ora lentos.

suster-me à altitude de uma ave de rapina, e procurar-te nos céus...

Acumulam-se os gordos.
Acumulam-se os que têm de fugir à lei.
És uma mentira. Mas eu compro-te.

Triste é o sol que te acende em fúria,
E destapa os teus voos contra o vento.

Suei eu. Suou a flor. E das gotas gordurosas do suor cresceram tempestades em festa, expelidas pelos desenhos das crateras da Terra, que novas se abriram e em deleite trovejaram. Era noite e eu não queria dormir. Nem sozinho, nem com ela.

e onde eu adormeci fingindo sono.

Todos os dias sais pela última vez. Todos os dias voltas beijando-me de carvão. Fazemos amor rodando a alta velocidade, expelindo no ar a matéria morta que se acumula no dia. E eu digo-te: "não há melhor sítio para estar do que este, em que se anda de carroucel sem parar...".

"haVErá ViDA depOIs DA MOrTE?". Tem de haver porque, pelo menos antes da morte, não há.

Tu a pensar nele e eu a pensar nela, como gatos abandonados por já não caçarem ratos. De coleira ainda.

O dia é perfeito. E eu detesto-o.

Não consegues excitar-te duas vezes seguidas no mesmo país.

Curioso foi não encontrar em ti hesitação.

O teu peso vai fazer faltar a luz.

Acima, abaixo. Acima, abaixo. Acima, abaixo. Acima das tuas pernas nada existe. Nem os teus olhos esquivos perfurantes de azul, nem as tuas mãos húmidas de segurar um pit bull.

Escreveu num guardanapo antes de se matar.

Bem vinda ao fundo de um prego espetado no sapato. Cavaleira não chores,

Tu morres e respiras. Eu não.

É de facto Inverno. Sempre. Menos agora.

E o dia escorre-se de mim.

Cinzento percorro-te nos dois sentidos, de sorriso amortecido pela noite que vem. E tu passas, empinada como uma velha peça de artilharia: tão bela, e sem poder disparar.

Um truque razoável era sumo de limão, amargo pela manhã. Percorrias em fuga a chã dos limoeiros.

Em vésperas da última ceia já ninguém tem fome.
E num resto de jornal impresso em vão, voando pela não existência, anuncia-se a catástrofe:
"A Branca de Neve morreu".


Na arena os palhaços comiam os restos da bondade das palmas,

Quis lamber-te e não deixaste.

Se partires, quero andar de bicicleta verde sobre prados azuis de mar.

E depenar-te, que és como um anjo debaixo de um monstro.

Eu não vou chorar, que já é dia. Já há crianças na escola a aprender a ler,

Não há bicicletas que percorram o mar.

Mas agora, ao sangrar sobre o que te queria dizer, lembrei-me do teu lábio trémulo de amor, e arrependi-me.

Queria falar de como ainda passeias nua pela casa, e deixas o cinzeiro em cima da cómoda que era do meu avô, e marcas a cama com o teu aroma de longo campo primaveril. Queria dizer-te que a puta da vizinha do lado ainda liga o aspirador à noite para te irritar, e que ao contrário do que te disse nunca a comi.

E demanhã há pessoas felizes na televisão. Eu tenho pena de ao morrer deixá-las ali,

As pilhas esgotaram-se.

E depois extinguiu-se. A luz, o dia, a íris.

É quase tudo tão pouco.

Bem vinda ao clã do pó onde mais ninguém existe.

Que tu não és vulgar.



LOGO Á NOITE, às 21:30, NA LIVRARIA O NAVIO DE ESPELHOS, IVAR CORCEIRO APRESENTA numa avenida de merda.
Vão soltar-se mandarins!

24.6.05

Psssst

Deixem-me lá pôr a correspondência em dia:

Dos prazeres da vida

- Recebi uma mensagem com estas palavras: de um residente de Aveiro..., espero que gostes. Fui ver e gostei de ouvir este guitarrista. E vocês?
- Já agora, pessoal de Aveiro, no dia 2 de Julho às 16:00 podem assistir à Audição Final da Oficina da Música. O tema deste ano é Viagem ao Mundo do Cinema. E o Joaquim Pavão vai fazer dois workshops de Guitarra Clássica: dias 7 e 8 para crianças dos 6 aos 12 anos, e dias 11 e 12 de Julho para adultos. Tudo na Oficina da Música.

- Ainda no dia 2 de Julho, agora às 21:30, vai acontecer o lançamento do livro Numa Avenida de Merda de Ivar Corceiro. Façam o favor de passar na livraria Navio de Espelhos. Cheguem cedo, vai ser divertido!
Para quem lá esteve em Fevereiro no Encontro de Bloggers, fica o desejo manifesto de vos voltar a ver!

- Lançamentos de livros! É já amanhã, dia 25, às 18:00, na Biblioteca da CM da Amadora, que as poetisas Isabel Fontes (portuguesa) e Malubarni (brasileira) vão lançar Pensamentos de um Diário. Para ficarem com uma ideia sobre as duas leiam o que uma diz da outra, e também espreitem aqui e aqui. E apareçam!

- Logo à noite encontramo-nos no Cais da Fonte Nova para ouvir a Adriana Calcanhoto. (vivam os Concertos e Artes de Rua do Aveiro em Festa! Foram ver o Xarxa Teatre?)

Das obrigações

PS: Conhecem a associação que visa sensibilizar a população para o genocídio de espermatozóides?

E ainda?: Já escolheram o nome para a Agência de Viagens do bin?

20.6.05

Avenidas de Merda


MRF

Schmetterling Triste em Voos Espaçados é um filme sobre um poema do livro Numa Avenida de Merda. Se quiseres ter um exemplar em casa da edição doméstica em DVD deste filme, segue os seguintes passos:
1) Escreve um texto (prosa ou poesia) sobre avenidas de merda, em português.

2) Lança-o no teu blog e dedica-o ao Ivar Corceiro ou vai até ao Bagaço Amarelo e lê as instruções certinhas até ao fim. A verdade é que todos temos uma Avenida de Merda preferida, e a minha, imaginária, é esta:


Outra Avenida de Merda

Não foi tanto o facto de ele estar completamente bêbado, mesmo sóbrio teria aquele ar miserável e rasgado. Mas arrotou quando estava já bem próximo de mim e disse foda-se de desprezo. E depois começou a cuspir repetidamente sois todos uns cabrões sois todos uns cabrões. É claro que me afastei e acho que ainda me lembro daquela impressão de sentir o nariz torcer. Incómodo. Que grande incómodo. Isto dantes não era assim.

E logo à frente, novamente essa vontade de parar de inalar e de cegar. Aquilo é uma ferida com gangrena ou outra merda qualquer. A velha está sentada e geme um dai-me qualquer coisinha. Num relance os olhares cruzam-se. Sente dor, exala dor. Perturba-me essa dor dos olhos. Azuis. Ela foi bonita. Está um calor insuportável. Bebia qualquer coisa.

Atravesso a praça até à banca das gasosas. E então vem outra. Aquela ali é a minha filha, tem o ciclo mas não quer trabalhar. E insiste, persegue-me. Lá em casa não há nada, acabou o gás. Páro e fixo a mulher. Tome lá, mas deixe-me em paz. A filha está sentada num banco, vira e revira um pacote amarrotado de SG Gigante e farta-se de rir sozinha.
- Ela é doente? - Doente sou eu, ela é uma desgraçada, quando rouba é pra cigarros. A doida começa a baloiçar-se e ri mais alto. Fujo dali com a garrafa de água na mão. Novamente na Avenida, tento acender um cigarro. É o saco, é a garrafa que, merda, já está vazia, e este calor. Vou fumar para quê? Mas acendo o cigarro.

Depois da praça a Avenida era bonita, lembro-me de acácias amarelas, do Mercado Municipal, de cores garridas contrastando com gente vagarosa. É quando reencontro o Mercado que percebo que a cidade da minha Avenida morreu. As paredes cinzentas estão lá mas deste lado da rua quase oiço um eco. Do interior do edifício vazio o breu espreita, se estendesse as mãos conseguiria tocar-lhe. Um silêncio enorme numa Avenida agora movimentada, buzinada, atropelada.

Pego na máquina, que se lixe, sou turista. Vou fixar a decadência. E então reparo neles. Velhos secadores de cabelo à varanda. A minha Avenida de Merda tem um oásis surreal. E, esquecendo a sujidade no solo, consigo vê-las, bonitas, sorridentes, a fazer a mise enquanto bronzeiam as pernas compridas, cruzadas, fechadas.

Desperto com um roçagar de chinelas. A mão de um miúdo que chora toca-me ao de leve. A mãe continua o andar rapidinho, subindo a avenida, enquanto o baloiça para cima e para baixo.

[Foto: Mercado Municipal do Mindelo, Cabo Verde]

14.6.05

Parece que me esqueci...

... de passar o questionário de cinema a alguém. Oh Ivar Corceiro, vais ter que desculpar mais esta, mas o público tem de conhecer as tuas referências. Afinal, já lá vão quantas curta-metragens?

Na última newsletter, a notícia era a seguinte: Há um novo filme acabado, baseado no poema homónimo do livro Numa Avenida de Merda: Schmetterling Triste em Voos Espaçados, com música dos Nordheim e tradução para inglês de Nuno Correia. Este filme já foi seleccionado para o Videolab 2005, no próximo mês de Julho em Coimbra, juntamente com Skhízein o elevador.

Ivar, passo-te a palavra.

6.5.05

Viajar

Acontece que vieste e sussurraste-me ao ouvido.
Ivar Corceiro
Numa Avenida de Merda


Da Lata cantam Alice no país da malandragem
Do álbum Serious

Bilhete em Zanzibar

Gravitação

Latente gravitação
E depois de corpo imóvel,
Pianando a areia com os dedos dos pés,
Seduzes a praia com a desbasta luz tardia.
Que sobre a costa se alonga.

in Ivar Corceiro
Numa Avenida de Merda


Eu sabia que o Bagaço andava por aqui. Será que ele vai logo ao Mambo Club?

14.3.05

Skhizen ou o Sétimo Céu


Skhizein, o elevador de Ivar Corceiro

O Ivar Corceiro realizou este filme,
Shkízein, o elevador e desafiou-nos a escrever um texto interpretativo. O desafio ainda está de pé. Faça o download do filme no Bagaço Amarelo, inspire-se e envie o seu texto com a sua morada para bagacoamarelo@gmail.com. Se o texto for publicado, receberá ainda um exemplar gratuito em DVD. Não se esqueça de saborear cada uma destas fases.
Saliento que o filme já foi apurado para o
2º Festival Audiovisual Black & White, a realizar na cidade do Porto de 13 a 16 de Abril de 2005, e será exibido na noite de 15 de Abril. Depois da Didas, da Tounalua e do Batatas, foi a minha vez de imaginar uma história a partir das imagens do filme.

Skhizem, o elevador ou o Sétimo Céu
Foi no depósito que o deixei. Murmurou qualquer coisa antes de cair. Uma palavra, um queixume, um pedido simples. Talvez tenha dito fim. ou folha. ou vai. Caiu. Podia ter aberto as duas portas para que fosse aspirado, seria menos suspeito. Mas deixei-o lá e assim tive a impressão de abandonar uma cripta.
Desde que a Terra parou, interrompendo sem aviso o movimento de rotação, toda a matéria energética compacta definha e morre. Todo o ser vivo em contacto com o solo apodrece. Restam as folhas caducas que escapam aos poços de gravidade.
Meti-me no elevador com a determinação de quem sabe o que representa. Sou o último Sapiens xn, pensei. O sinal metálico assustou-me mas controlei o espanto. Para além dos espasmos do derradeiro companheiro, há semanas que só ouço o uivo do vento. "Controla a respiração". A máscara. "Senta-te e põe a máscara. Que o ar não te pressinta". Os elementos Ar e Água revoltaram-se e agora controlam a Terra.
Como será o sétimo céu?
Primeiro nível. As caducas seguem o seu rumo e as portas fecham-se antes da tromba de água. O rio estava tenso, a ameaça era óbvia. Perdi o rio da minha infância mas não me permito chorar.
Nem agora que cheguei a este cemitério de árvores desconhecidas. Correntes de ar percorrem sem dó todas as alas. Era a minha floresta, o meu reduto de verde.
Terceiro nível. "Eles compreenderam". Os elementos desafiam-me mostrando-me a casa onde vivi. Olha o tecto que te abrigou, vê o teu jardim-deserto! Cerro os olhos. "Não respires".
Nova paragem. Os postes de alta tensão estão saturados de energia. O cimento não quebra, só o bio. Mas uma explosão é iminente. Indiferentes as portas fecham-se e estranhamente sou salvo pela frieza do automatismo.
Os corpos minerais desintegram-se, mas aquele tanchão de pedra resiste seguro pelo arape farpado. O ar pica-se nas arestas e a ruína subsiste.
Sexto nível, tão próximo do sétimo céu. Os cúmulos desapareceram, uma luz chama-me. Estou quase lá. Ponho um pé de fora e compreendo. Não existe sétimo céu. mas no sexto há paz.

De repente, avisto-a à direita. Arranco a máscara. Grito: "Perversos!". Reenviaram-me para a cripta.

4.2.05

Venus as a boy, paralelo


Daniel Sarphatie


[Depois de ler o texto do Ivar Corceiro, reagi. Os personagens são os que ele criou. Esta é uma visão paralela do seu Venus as a boy]

Acho que ainda respirava quando comecei a ver-me. a imagem não era nítida. esvaziava os pulmões de oxigénio. estava feio. foi quando comecei a chorar que morri.
Ela saiu cedo. quase me comoveram os movimentos submissos à ordem. chegar à mesma hora ao mesmo escritório, vestir discretamente, cumprir todos os dias. suar pouco. até na cama ela se mantém seca.
Ontem fizemos amor. não me parece que ela tenha percebido qualquer diferença mas nunca tive tanto prazer. sabia que era a última vez. ainda sinto o falo endurecer. morrer completamente não é muito diferente de perder uma perna. levamos algum tempo até deixar de sentir as partes do corpo. ainda tenho comichões e tesão.
Tenho rugas, já não disfarço as olheiras. Quando me vi na banheira, percebi que me tinha sido atribuido o primeiro castigo divino. Olhar para mim morto ao espelho. a água foi ficando menos turva.
Mas depois não foi tão mau assim. Por exemplo, pude continuar a ver televisão.
Não me ocorreu ir à janela. Mas hei-de experimentar lançar-me. Como se mata um morto?
Ela deve estar a chegar.
Mal a vi, soube de imediato que íamos acabar juntos. ela era bonita e esguia. envolvia-me e quando tentava retê-la, fugia-me dos braços. chamava-lhe polvo. sabia que precisava de um polvo. para poder fugir na minha hora sem grandes receios ou culpa.
É melhor não voltar à casa de banho. apesar de ser fácil qualquer movimento. pareço massa de plasticina, amolgo-me, alongo-me, deslizo suavemente sobre a matéria. puxo a pele que já só é uma espécie de película elástica.
Olho para os meus braços. eram bem modelados. há alguns minutos atrás seria angustiante vê-los deformarem-se. se ainda sentisse arrepios. mas não. agora, nem ela, nem ninguém, me pode ver. vou abandonar-me à diluição___________________________________.
É ela. sei que toca a campainha, mas mortos, percebemos logo que não nos podemos dar a ver. como as tartarugas bébés que nunca conhecem a progenitora correm para o mar quando estala o ovo. Atravesso a matéria. Ela resmunga. amo a neurose. mas não resisto aos novos poderes que pressinto. quando ela pousa os sacos, sopro. matéria espalhada.
Oh não, fiquei sem tv! não entres aí!_______________és doce! ____________________pois, a tua vida continua.

Venus as a boy


Daniel Sarphatie

[Um dia destes, entramos numa livraria e pegamos Numa Avenida de Merda do Ivar Corceiro. Ao lado, talvez esteja uma colectânea de contos. Desfolhamos e encontramos Venus as a boy]

Ela fixou um dos produtos que a senhora da caixa passara pelo leitor de códigos de barras. Era comestível e tinha um prazo de validade, e nesse instante assimilou o que o seu companheiro lhe dissera na noite anterior, logo depois de uma hora de sexo: que não queria envelhecer, nem ver-se ao espelho derrotado pelas rugas. Tal como Dorian, insistira antes de adormecer. Pôs as compras nos sacos.
A campainha tocou insistentemente.
Como duas ilhas de origem vulcânica, os seus joelhos emergiam da água elevando-se em direcções simetricamente opostas. As suaves saliências peitorais e a ponta do falo, adormecido no brando ritmo das ondas, completavam um arquipélago ao abandono. Os seus braços escondiam-se atrás das costas, e dada a quietude do corpo, apenas as gotas que pingavam espaçadamente da torneira pareciam provocar movimento na água.
A campainha tocou insistentemente. Por causa dos pesados sacos de compras que trazia, ela já tinha marcas na pele, à volta dos metacarpos, por isso pousou-os no chão para procurar a chave. Os sacos estenderam-se como a clara de um ovo, aumentado a distância entre as suas asas. “Foda-se” – roeu quando se apercebeu da dificuldade acrescida que teria em apanhá-los de novo. Depois abriu a porta, com a chave que demorou a encontrar nos bolsos, e entrou.
A porta ficou entreaberta.
A televisão estava ligada e sozinha. Ela desligou-a empurrando-a levemente para trás, tal a força do impulso com que o fez. Depois dirigiu o olhar para a lâmina de luz que sorrateira se escapava pela frincha da porta da casa de banho. “Quando te decidires a sair da casa de banho vai lá fora buscar as compras” – disse, e continuou, arrependendo-se do seu tom agressivo: - “Por favor...”
Tal como a luz, também o silêncio saiu sorrateiramente pela porta, e embrulhou-a num lençol de frio, talvez branco, pensou esperando a morte. Nele foi envolvida até se aproximar da banheira e afastar o cortinado. Percorreu o cadáver com os olhos, fixando momentaneamente as ilhas com a íris hesitante. Depois beijou-o e foi buscar as compras.

[Espreite outros talentos do Ivar Corceiro, aqui]