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11.11.06

III. Élie Semoun... e tantos outros humoristas

Antes do sketch, uma explicação sobre o percurso de Élie Semoun e a forma como se encara o humor em França. É seguramente um dos países onde os humoristas têm maior liberdade de expressão. Governantes, dossiers políticos sensíveis ou problemas relacionados com a imigração (questão quente neste país) não escapam ao olhar crítico dos autores dos textos. Sente-se que o humor quer e pode incomodar a norma, o estabelecido, e são muitos os que o usam deliberadamente contra. Se o fizerem divinamente, as portas abrem-se, mesmo em territórios hostis. Sinto falta desse ambiente em Portugal. São raros os momentos de boa sátira. e sobretudo, não existem várias vozes que, distintas e talentosas, agitem águas diferentes.

Como humorista, Élie Semoun tornou-se conhecido fazendo duo com Dieudonné. Em França, existe uma longa tradição de duos cómicos, de duplas de "idiotas" que entram em diálogos alucinantes, na linha de Bouvard e Pécuchet (1881) de Flaubert. Nos anos 60, o género foi popularizado por Jean Poiret e Michel Serrault. Quem nunca viu uma encenação ou adaptação ao cinema da Gaiola das Malucas?
Neste duo, um deles representava sempre o papel do pateta ou ingénuo, chegando a situações de incompreensão mútua e a quiproquos que provocavam o riso pegado. Nos anos 70, Guy Bedos e Sophie Daumier compuseram o duo de maior sucesso, e Drague/engate ainda nos faz rir. Pierre Palmade e Michèle Laroque, mais recentemente, especializaram-se nas pequenas hipocrisias da vida conjugal. Nos anos 80, foi a vez de Chevalier e Laspallès se notabilizarem. Hoje, Eric e Ramzy fazem a festa.

Mas até 1997, Semoun e Dieudonné foram um duo que fez furor. Imaginem a acutilância deste humor a dois. Dieudonné é um fervoroso defensor dos direitos dos negros, já concorreu várias vezes às legislativas em França, os seus apoiantes chegaram a invadir um estúdio da France-3, manifestando-se contra o racismo anti-Negros que as televisões de serviço público fomentariam. O seu curriculum político passa ainda por uma detenção por apologia a actos de terrorismo: em Fevereiro de 2002 afirmou que preferia o carisma de Bin Laden ao de George Bush (o "tribunal correctionnel de Paris" deixou que saísse em liberdade). Talvez se lembrem dele como "Caius Céplus" no filme Astérix et Obelix - Mission Cleopatre, de Alain Chabat. A relação com Élie Semoun azedou quando começou a emitir opiniões anti-semitas ou interpretadas como tal.

Élie Semoun é ateu mas tem origem judia. Do ponto de vista político, as suas posições são moderadas. Apoiou Bertrand Delanoë para a Mairie de Paris nas eleições municipais de 2001 e Lionel Jospin para as presidenciais de 2002.

Os opostos deixaram de se atrair mas, quando conheci Élie Semoun, os media ainda exploravam o tema da ruptura artística (e o fim da amizade) com Dieudonné.
Diga-se que Semoun, a solo, é excelente. Tem a seu favor a facilidade da escrita. Muito novo publicou dois livros de poemas, Le Poémoir e Le Plaisantriste. Alguns textos dos seus sketcks mais recentes podem ser lidos aqui. Por vezes comparam-no a Raymond Devos, sendo Semoun o novo poeta do absurdo. Ele agrada-me. Não existe tema que não aborde, mesmo os mais difíceis, e fá-lo com inteligência e muita graça.
No vídeo que deixo aqui, ele interpreta o papel de um agente funerário. É o extracto de uma peça em que toda a cena se passa num velório. Como ele diz, "a morte pode acontecer a toda gente". Então, por que não brincar com o teatro da vida?


8.11.06

petit Palais Royal


A viver em Paris com duas bébés de poucos meses, não tinha grandes oportunidades para sortir e conhecer o petit bar "in" super sympa da margem direita ou da margem esquerda, ser fiel espectadora da Comédie Française e de outros tantos théâtres da capital, ou assistir a concertos de músicos conhecidos ou por conhecer. Por isso lembro-me perfeitamente da ocasião em que fui ao Folies Bergères ver o one-woman-show da Valérie Lemercier. Já a conhecia do filme Les Visiteurs e a ideia de uma mulher fazer sozinha um espectáculo de humor seduziu-me.

Em França, existem humoristas para todos os gostos, raças e religiões. Existem as lendas, como Coluche, Raymond Devos ou Pierre Desproges. Actualmente, os meus favoritos são todos judeus, o que não quer dizer muito no caso de Élie Semoun, mas marca os textos de
Michel Boujenah, judeu de origem tunisina, e de Gad Elmaleh, um judeu de origem marroquina. Todos são excelentes actores e argumentistas, e cada um tem o seu estilo. Semoun é muito político. Boujenah é mais existencialista, choramos e rimos. Gad Elmaleh, é um crítico mordaz dos usos e costumes. Valérie é um camaleão, passa de madame burguesa e trés bécébégé a rapariga saloia, e depois a business woman, ou cantora de cabaret, mas os textos são sempre levezinhos, jogam com o óbvio.

Vem isto a propósito de
Palais Royal (traduzido, com mau gosto, para "Dondoca à força"). Não resisti e fui ver o filme com e da minha one-woman-show, que está a ser um sucesso de bilheteira em França. É claro que me ri, levava uma enorme predisposição para isso. Lambert Wilson, Mathilde Seigner, Catherine Deneuve cumprem na perfeição o papel e Valérie é talhada para Princesa Armelle. Mas o argumento, que teria pano para mangas cheias de viés, é fraquinho. Assistimos a um decalque parodiado da vida da Princesa Diana, o que teria muita graça, se não houvesse sempre aquela sensação de déjà vu e facilidade. Na verdade, lembro-me de pensar que a megaprodução é enganadora. São muitos meios (cenários, actores, qualidade da imagem e do som) para um tão petit Palais.

Seja como for, Valérie foi candidata ao Cesar para melhor actriz com este filme, e os media franceses não se cansam de promover esta e todas as produções cinematográficas francesas, não desvalorizando o género comédia, o que nem sempre vemos por aqui... Realço também que, por outro lado, nenhum estrelato afasta os actores de comédia dos palcos. Não existem talk shows televisivos ou fitas que os convençam a abandonar os teatros e as tournés. Acreditem que os humoristas que conheci na terra do Astérix ficariam atónitos se ouvissem o modo pitoresco como o nosso grande Herman José fala
daqueles tempos em que corria o país.
Enfim, lá vi o filme, mas continuo com saudades do verdadeiro humor francês.