Mulher à tarde
Ter uma mulher no meio da tarde.
Lá fora, rente à porta, o mundo se debate.
Gritam vendedores, chiam alto-falantes,
disparam carros e buzinas,
o sol martela o telhado, palmas no portão.
A mulher ali, na tarde, nua, no lençol limpo.
Cortina entreaberta para olhos curiosos,
a luz penetrando leve,
vento visível nas árvores,
dinheiro rolando nas conversas,
vizinha lavando louça,
rádio espirrando notícias.
A mulher nua e sua boca silenciosa
no sobe-e-desce lento.
Uivo de cão, ronco de motor implacável,
pálpebras frementes da cortina,
telefone soando distante,
conversa entrecortada na calçada,
homem-bomba no Irã.
O ventre arcado da mulher nua,
o denso monte, tecido de pêlos
roçado de leve pela língua.
O avião urgente, o relógio esticando os minutos,
a notícia fragmentada no ar,
riso de colegiais – alacridade,
passos ligeiros na rua,
discurso interminável dos pardais.
O desenho do gemido no rosto da mulher nua
à procura do céu do quarto.
A janela batendo na outra casa,
o vento zunindo e virando pra chuva,
o motor raivoso do carro.
De repente, num instante, o silêncio entra todo
no pacto do gozo mútuo.
O mundo acaba, lá fora.
E retém a vida dentro da mulher nua.
Rui Werneck de Capistrano
20.10.05
Poema para o meu blog
E se um desconhecido lhe oferece um poema isso é...
... e num impulso, você oferece-lhe uma fotografia.
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