20.9.05

Viagens contra a Indiferença









Viagens contra a Indiferença é o nome do livro que Fernando Nobre, fundador e Presidente da AMI, lançou em Dezembro de 2004 (acaba de sair a 5a edição). O livro reune 6 histórias e 16 diários de viagem: ao Irão em 1981, Zaire em 1994, Iraque em 1995 e 2003, Argélia, Palestina, Ruanda, em 1996, Nepal em 1995, Senegal, México e Colômbia em 1997, Guiné-Bissau e Honduras em 1998, Timor em 1999 e Chade em 2004. Ontem assisti a uma pequena palestra de apresentação deste livro e foi um prazer ouvir Fernando Nobre falar da AMI e das várias missões em que participou. Fernando Nobre é um viajante, já esteve em mais de 130 países, e parece que teria de ser assim, que estava escrito no seu adn de homem com origens multicolores. Neste livro lança gritos de inconformismo porque é impossível ficar imune à visão da morte, das mortes, em massa. Em 1983 a guerra civil no Sudão entre o exército muçulmano de Cartum e guerrilheiros animistas e cristãos provocou cerca de 2 milhões de mortos. Na Roménia pós Ceausescu, visitou orfanatos onde as crianças eram depositadas para morrer. No Ruanda, em 1994, esteve num campo (de extermínio) em que morriam 2000 pessoas por dia, cujos corpos iam sendo amontoados, já que o seu enterro era inviável naquelas terras enlameadas. Escreve estes livros para os filhos (25, 24, 12 e 8 anos), para que estes compreendam a razão das suas eternas ausências. Fê-lo com esforço, não tem o hábito de tomar notas, de fazer registos das viagens. Escreve então, de memória. Por ocasião dos 20 anos da AMI e dos seus 25 anos de acção humanitária.
Vou voltar a Fernando Nobre e à AMI. Mas por agora, fiquem com este extracto:

Iraque - 1995

(...)22 de Dezembro
5:30 - Partida de Bagdad. O táxi chegou 30 minutos atrasados. O carro e o condutor parecem-me correctos.(...) A auto-estrada que vai de Bagdad à fronteira de Rwesheid atravessa toda a zona desértica. Muitos camiões: esta estrada é a verdadeira aorta do Iraque. Se a cortassem o país morreria. Pelo caminho existem uns 10 a 15 checkpoints de controle da polícia. Os militares parecem estar a passar dificuldades. Por vezes fazem abrir a mala do carro, por vezes não, mas quase sempre fornecemos-lhes cigarros... Parece o Zaire. (...) aceitei dar boleia a um iraquiano (...) Parecia uma figura bíblica. Não nos esqueçamos de que os árabes, como os judeus, são semitas e daí as línguas árabe e hebraica pertencerem ao mesmo grupo linguístico semítico. Daí poder afirmar-se com justiça e propriedade que o Sr. General Sharon, em 1982, nos massacres de Sabra e Chatila, teve atitudes e comportamentos anti-semitas repugnantes.
(...)
O Sr. Khouri, depois de me pedir desculpa em nome do povo árabe, chamou um dos seus criados, deu-lhe ordem para afastar o sofá e qual não foi o meu espanto quando, após o criado ter enrolado um belo tapete que estava aos meus pés, um autêntico persa de seda, mo entregou pedindo mais uma vez desculpa s pelo sucedido e dizendo-me que o tapete que me oferecia valia de certeza 50 vezes mais do que os tapetes que me tinham sido roubados.
(...)
1. O rei Hussein da Jordânia é outro ditador e está, como sempre esteve, contra o Iraque. (...)
2. Não vale a pena enviar medicamentos para cá pois as exigências são mais que muitas na medida em que três ministérios estão envolvidos na questão das autorizações...(...)
3. Disse-me também que a Cáritas jordana não funciona porque o padre director é um ladrão. Enfim, existe de tudo um pouco na humanidade.(...)
Termino por aqui pois está na hora de me deitar.

pp 113-117

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