A AMI - Assistência Médica Internacional foi criada em 1984 por Fernando Nobre, inspirada no modelo dos Médecins Sans Frontières de França. Fernando Nobre participou como cirurgião em várias missões desta ONG e foi administrador da Médecins Sans Frontières na Bélgica.
Em 1981, o Irão estava em guerra com o Iraque. Fernando Nobre integrou uma delegação da MSF que, no Irão, foi recebida pelo Ayatollah Khomeini. Este é um fragmento do seu diário da viagem.
Irão - 1981
(...)28 de Fevereiro
23:00 - Esta tarde às 15:00 a nossa delegação foi recebida em audiência oficial pelo Ayatollah Khomeini, líder supremo da revolução islâmica iraniana. Tal honra foi sem dúvida devida ao facto de sermos a primeira delegação ocidental a chegar ao Irão após a recente libertação dos reféns norte-americanos da Embaixada norte-americana em Teerão. De relembrar que esses reféns ficaram presos na Embaixada e em outros locais, mais de um ano e que foram apenas libertados no próprio dia do fim do mandato do Presidente Carter e da tomada de posse do Presidente Reagan. Tal facto deu-se a 20 de Janeiro de 1981, a saber pouco mais de um mês antes da nossa chegada a Teerão. Tudo isto explica o acolhimento extremamente caloroso e oficial a que tivemos direito no aeroporto, assim como as atitudes amigáveis e respeitosas com que temos sido brindados desde que chegámos a Teerão. Durante a audiência o Ayatollah Khomeini mostrou-se extremamente seráfico, silencioso, trocando poucas palavras connosco, estando mais à escuta do que falando ele próprio. Inteira-se do porquê da nossa estadia no Irão (...) Perante as dificuldades enfrentadas no Sul pelo povo iraniano em guerra com o Iraque, estávamos lá apenas como equipa médica para prestar o apoio possível. O seu olhar, sob espessas sobrancelhas, é intenso e tem o brilho e o fulgor daqueles que se crêem investidos de uma missão sobrenatural. É de certeza um místico, mas também um condutor de homens implacável. Sente-se nos seus seguidores, presentes na sala, uma deferência absoluta. A sala está toda coberta de tapetes e ele, como nós todos, está sentado sobre almofadas. Estamos perante um Califa com poder absoluto. É o Imã.
(...) tenho muitas dúvidas de que o Irão pós-Xá seja menos sofredor do que foi durante a ditadura do Xá, mesmo com a sua polícia política, a então temível Savak. Nesse mesmo dia à tarde visito o Bazar de Teerão que é fabuloso de gente, de mercadorias (das frutas aos tapetes), de cores, cheiros e sons. A ambiência em Teerão é de revolução com todas as mulheres trajadas a rigor, com o seu chador negro, com fotografias do Ayatollah Khomeini por todo o lado, não só nos edifícios oficiais mas também nos hotéis e em edifícios particulares.(...)
Fernando Nobre
Viagens contra a Indiferença, pp 33-34
Temas e Debates Ed.
Em 1981, o Irão estava em guerra com o Iraque. Fernando Nobre integrou uma delegação da MSF que, no Irão, foi recebida pelo Ayatollah Khomeini. Este é um fragmento do seu diário da viagem.
Irão - 1981
(...)28 de Fevereiro
23:00 - Esta tarde às 15:00 a nossa delegação foi recebida em audiência oficial pelo Ayatollah Khomeini, líder supremo da revolução islâmica iraniana. Tal honra foi sem dúvida devida ao facto de sermos a primeira delegação ocidental a chegar ao Irão após a recente libertação dos reféns norte-americanos da Embaixada norte-americana em Teerão. De relembrar que esses reféns ficaram presos na Embaixada e em outros locais, mais de um ano e que foram apenas libertados no próprio dia do fim do mandato do Presidente Carter e da tomada de posse do Presidente Reagan. Tal facto deu-se a 20 de Janeiro de 1981, a saber pouco mais de um mês antes da nossa chegada a Teerão. Tudo isto explica o acolhimento extremamente caloroso e oficial a que tivemos direito no aeroporto, assim como as atitudes amigáveis e respeitosas com que temos sido brindados desde que chegámos a Teerão. Durante a audiência o Ayatollah Khomeini mostrou-se extremamente seráfico, silencioso, trocando poucas palavras connosco, estando mais à escuta do que falando ele próprio. Inteira-se do porquê da nossa estadia no Irão (...) Perante as dificuldades enfrentadas no Sul pelo povo iraniano em guerra com o Iraque, estávamos lá apenas como equipa médica para prestar o apoio possível. O seu olhar, sob espessas sobrancelhas, é intenso e tem o brilho e o fulgor daqueles que se crêem investidos de uma missão sobrenatural. É de certeza um místico, mas também um condutor de homens implacável. Sente-se nos seus seguidores, presentes na sala, uma deferência absoluta. A sala está toda coberta de tapetes e ele, como nós todos, está sentado sobre almofadas. Estamos perante um Califa com poder absoluto. É o Imã.
(...) tenho muitas dúvidas de que o Irão pós-Xá seja menos sofredor do que foi durante a ditadura do Xá, mesmo com a sua polícia política, a então temível Savak. Nesse mesmo dia à tarde visito o Bazar de Teerão que é fabuloso de gente, de mercadorias (das frutas aos tapetes), de cores, cheiros e sons. A ambiência em Teerão é de revolução com todas as mulheres trajadas a rigor, com o seu chador negro, com fotografias do Ayatollah Khomeini por todo o lado, não só nos edifícios oficiais mas também nos hotéis e em edifícios particulares.(...)
Fernando Nobre
Viagens contra a Indiferença, pp 33-34
Temas e Debates Ed.
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