25.1.10

À escuta #99

Fomos ver Avatar. Projeccionista ausente e sala toda de óculos a ver o filme em versão normal e com legendas tremidas. Todos felizes menos elas. "Não consigo ler!"
Lá fui pedir para corrigirem e então ah, finalmente, 3D!

Apesar dessa minha contribuição para o interesse geral, é provável que o restante público preferisse outra companhia. Perguntas: este é ele? isto é um sonho? o avatar pode morrer? estes são bons ou maus? como é que fizeram isto? não há montanhas suspensas, pois não? eles são índios? os índios dos outros planetas também podem ter setas? achas que ela gostava dele se soubesse que ele era paralítico? mas ele não ia poder saltar! (e eu, todo o tempo, "falem baixo")

Conclusão filosófica da A.: "Já reparaste que os humanos bons são muito poucos? E ele no final prefere deixar de ser humano... Não é lá muito boa ideia... Não sei como é que este filme vai ganhar um Oscar!" (de resto, depois de qualquer cena violenta, ela repetia a frase: "adeus Oscar!")(eu não sabia que ela já tinha ouvido falar desses prémios e que já era crítica quanto às escolhas da Academia!)

Conclusão pragmática da S.: "É giro! A xxxxx já tinha dito que era muito ecológico! E dura três horas mas nem parece! Mas é claro, eu já sabia, o bonzinho vence todos e casa e vai ser muito feliz. É sempre assim!" (quando a irmã se assustava, dizia-lhe: "isto é tudo a fingir!")

Eu diverti-me.

24.1.10

Quarto com vista para a cidade de Aveiro

Não sei se foi a capela de S. Gonçalinho que inspirou (também) uma forma particular de arquitectura no casario dos bairros de Beira-Mar e Vera Cruz. Ou se aquelas águas-furtadas apenas visavam alcançar um horizonte mais longínquo, cheio de luz e de Ria. Ou se a tradição é tão antiga que já se desconhecem as razões. Talvez a ignorância seja minha. Naquele dia, começava um novo ano. Boa razão para tirar os olhos do chão e olhar para cima. Descobri esta regularidade no topo do mundo de várias casas. Como um sinal de pertença. (mais fotos no Quarto)

Fotos MRF

21.1.10

Mau demais!

Pinto da Costa, Antero Henrique (director-geral da SAD do FC Porto), Valentim Loureiro, João Loureiro, Pinto de Sousa (Presidente do Conselho de Arbitragem), Júlio Mouco (Vogal da Comissão de Arbitragem da Liga), Deco (jogador), António Araújo (empresário de jogadores), Tavares Teles (jornalista), Jacinto Paixão (árbitro), Paulo Silva (árbitro), Augusto Duarte (árbitro) & Companhia (i)limitada.

É mau demais mas não é novidade para ninguém. A máfia portuguesa ligada ao futebol é fatela, fala mal, é estúpida mas tem a mania que é boa, ... e continua impune apesar de todas as provas. As
Escutas telefónicas envolvendo estas ilustres personalidades estão no Youtube. Reportam ao ano de 2004. Estão todos bem, a vida é boa, mandam saudações!

Adenda: As escutas «pertencem a processos conexos ao Apito Dourado, no âmbito dos quais o dirigente portista [Jorge Nuno Pinto da Costa] foi ilibado em tribunal». Como é possível ter sido «ilibado»? Querem convencer-me de que neste processo não há matéria para sentenças punitivas? E só se problematiza o que (também) é óbvio - que foi cometido um cibercrime? Espero que o cibercriminoso seja igualmente (re)compensado.

O nascimento

Mais um bocadinho de A Vida e Opiniões de Tristam Shandy, de Laurence Sterne (Antígona, pp. 278-279):

«- Vamos lá então a ver, boa mulher, tereis afinal a bondade de me dizer se não pode ser tanto a coxa, como a cabeça da criança? - É de certeza a cabeça, replicou a parteira. Porque, continuou o Dr. Slop (virando-se para o meu pai), por muita certeza que estas velhas senhoras tenham, - trata-se de um questão difícil de saber ao certo, - e todavia da maior consequência que se saiba; - pois, Senhor, se se troca a anca pela cabeça - há a possibilidade (se for rapaz) de o fórceps *******************************************************************************************************************************************************************************************************************
- Que possibilidade seria foi o que o Dr. Slop segredou baixinho ao meu pai, e depois ao meu tio. - Tal perigo não existe, continuou ele, se se tratar da cabeça. - Não, é verdade, disse o meu pai, - mas se a vossa possibilidade já tiver ocorrido na anca, - mais vale é arrancar a cabeça também.»

À escuta #98

S. ao telefone com o pai:
- Sim, papá querido.
- Claro, papá querido.
Eu comento:
- Acho que também vou viajar para passar a ter esse tratamento tão amoroso...
S.:
- Papá querido, a tua mulher está a ter um ataque de ciúmes. Mas ela não sabe que és o meu mais-que-tudo?


[Vou ali ler uns manuais de psicanálise e já venho!]

20.1.10

À escuta #97

A. vê-me nua a andar pela casa (ia tomar banho a seguir!). Comentário:
- Há umas revistas com mulheres nuas, qualquer dia apareces numa...

19.1.10

À escuta #96

- Então, gostaste da viagem de estudo? O que é que gostaste mais?
A - O autocarro passava filmes, foi fantástico!
- Por favor, então vais ao Castelo de Guimarães, à Citânia de Briteiros, e dizes-me que gostaste dos filmes do autocarro?
A - Ok, pronto, gostei muito da Citânia de Briteiros. Mas se não houvesse filmes, a viagem tinha sido uma seca!

17.1.10

A Vida e Opiniões de Tristam Shandy


Espero que tenham lido Memórias Póstumas de Brás Cubas (1880) de Machado de Assis. O tom é irónico e sarcástico e, para nosso deleite, Brás Cubas é até capaz de se revelar hostil com o leitor. Foi através das Memórias Póstumas que cheguei a outra obra, A Vida e Opiniões de Tristram Shandy (1759-1767) de Laurence Sterne. A influência é clara. Enredo (aparentemente) sem estrutura, muito humor, diálogos vis e sarcásticos com o leitor, um narrador proposto a oferecer, ao seu ritmo e com as interrupções que considerar necessárias, a sua extraordinária biografia e obra. Está a ser um verdadeiro prazer conhecer Tristam, este nobre cavaleiro do século XVIII. Se tiverem dúvidas, espreitem só os primeiros capítulos:

«Quem me dera que o meu pai, ou a minha mãe, ou ambos, para dizer a verdade, uma vez que ambos estavam de serviço na ocasião, tivessem prestado mais atenção ao que estavam a fazer quando me conceberam; tivessem eles tomado em devida conta o quanto eu dependia daquilo que estavam a fazer; - já que não estava em causa apenas a produção de um Ser racional, mas possivelmente a boa formação e temperatura do seu corpo, talvez até o seu génio e a qualidade do seu espírito; - e, apesar do que pudessem pensar em contrário, mesmo a fortuna da sua casa podia ser determinada pelos humores e disposições que fossem então dominantes: - Tivessem eles tomado tudo isto em devida conta, e procedido em conformidade, - estou verdadeiramente convencido que eu teria feito outra figura no mundo, muito diferente daquela em que o leitor provavelmente me vai ver. - Podeis acreditar, boas almas, que isto não é assim uma coisa tão insignificante como muitos de vós podereis pensar; - já todos vós, atrevo-me a dizê-lo, tereis ouvido falar dos espíritos vitais, de como eles se transfusionam de pai para filho, etc. etc. - e de muitas coisas desse teor: - Pois bem, podeis crer na minha palavra, nove em cada dez partes do senso ou da sandice de um homem, dos seus sucessos e fracassos neste mundo, dependem dos movimentos e actividade daqueles espíritos, e dos diferentes trajectos e calhas que tomam, de tal modo que uma vez postos em marcha, bem ou mal, não é assunto de meia tigela - ei-los que se lançam com estardalhaço num corropio imparável; e ao pisarem e repisarem sempre os mesmos passos, acabam por fazer deles uma estrada, tão plana e direita como um caminho da horta, da qual, uma vez que a ela se hajam acostumado, nem o próprio Diabo por vezes os consegue afastar.

Dizei-me cá, meu amor, disse a minha mãe, não vos esquecestes por acaso de dar corda ao relógio? ---------- Valha-me D___! gritou o meu pai, lançando uma interjeição, mas tendo o cuidado de moderar a voz ao mesmo tempo, --- Onde é que alguma mulher, desde a criação do mundo, interrompeu um homem com pergunta tão disparatada? Perdão, o que estava o vosso pai a dizer? - Nada.

(...) foi no mínimo uma pergunta muito disparatada - porque disseminou e dispersou os espíritos vitais, cuja função era escoltar e ir de mão dada com o HOMUNCULUS*, conduzindo-o são e salvo ao lugar destinado à sua recepção.»


* Homunculus: "Pequeno Homem", isto é, o espermatozóide, que no século XVIII era concebido como um ser humano completo em formato microscópico. O esperma teria a função de transportar o homunculus na concepção. [Nota do tradutor, Manuel Portela]


in Laurence Sterne (1998). A Vida e Opiniões de Tristam Chandy. Lisboa: Antígona. Parte Primeira - Volumes I-IV. pp. 57-59


Imagem: Retrato de Laurence Sterne da autoria de Sir Joshua Reynolds, 1760.

16.1.10

Haiti


No Haiti, o céu ainda não desabou. Para onde olhar se quisermos esquecer? Dizem que se ouvem cantos nas ruas. Não podemos sequer imaginar. mesmo que as imagens que nos chegam sejam numerosas. Dei nada. Senti-me uma moeda. Mas aconselham-nos a fazê-lo se queremos ajudar.



Foto MRF
Um dia qualquer

13.1.10

Avant de disparaître, Amour...

Le Lignon


«Auprès de l'ancienne ville de Lyon, du côté du soleil couchant, il y a un pays nommé Forez, qui en sa petitesse contient ce qui est de plus rare au reste des Gaules. Depuis des temps fort reculés, les bergers se retrouvent sur les rives verdoyantes et fertiles du plus beau et impétueux des cours d'eau, Le Lignon. Celadon est follement épris d'Astrée et sa passion n'a d'égale que la haine que se vouent leurs péres Alcippe et Alcé. En societé, les amants feignent la distance mais vivent des rendez-vous secrets. Tant d'amour afflige le jaloux Sémire qui sème le doute dans l'esprit d'Astrée.

Un matin de printemps, sur la rive gauche du Lignon, Astrée, se croyant trompée, répudie violemment Céladon. Incappable de prouver sa sincerité, le berger désespéré se jette les bras croisés dans les eaux tumultueuses de la rivière qui l'emporte, ne laissant surnager que son chapeau. Céladon gît, inconscient, sur l'autre rive du Lignon. Les nymphes Léonide, Galathé et Silvie décident de l'emmener au Palais d'Isoure pour le secourir...»

Honoré d'Urfé, L'Astrée, Livre 1 (1607-1628)
Ed. Communauté de Communes du Pays d'Astrée, 2000, p. 7
__________

Foi este Verão que conheci os amores dos pastores Astrée e Céladon. O filme de Eric Rohmer, de que me tornei fã depois de, há já muito tempo, passar noites no Quarteto a ver vários dos seus Contos (ah, primeiro a surpresa que foi Pauline à la Plage!), andava talvez pelo meu espírito. Mas Le Forez não era Rohmer, para mim. Ele era Sul de França, Marselha de preferência. Não, Le Forez era a França bucólica pintalgada de palácios inesperados, como por exemplo
Le Chateau de la Bastie d'Urfé, uma construção medieval que o avô de Honoré, Claude d'Urfé, transformou num faustoso monumento renascentista a partir de 1549. Foi aí, no seu Pays, mais precisamente em Saint-Etienne-le-Molard, que descobri L'Astrée. Rohmer terá andado por lá. Tomou uma bebida nos jardins. Visitou alguma exposição temporária. Certamente passou muito tempo no interior do palácio, local onde Honoré escreveu a sua mais famosa obra. Ou talvez não. Eric Rohmer partiu para o Palais d'Isoure e, contrariamente a Céladon, vai guardar o mistério da sua ausência.



Mas que importância teve a obra que inspirou Eric Rohmer no seu último filme?

L'Astrée conheceu um enorme sucesso literário na época do seu aparecimento (início século XVII). Os amores contrariados dos pastores de Lignon apaixonaram as cortes da Europa. Os seus cinco volumes contêm cerca de 5000 páginas. Honoré d'Urfé (1567-1625) terá deixado a obra inacabada e provavelmente terá sido Balthazar Baro (1600-1650), seu secretário, a redigir o final do V volume. A primeira edição completa do romance foi publicada em 1632 graças ao livreiro Augustin Courbé. Na altura, publicavam-se poucas obras de autor e os livros continham um simples frontispício. L'Astrée é o primeiro romance pastoral composto com retrato do autor e da heroína e um total de 60 gravuras. Em 1647, uma segunda edição inclui ilustrações desenhadas por Daniel Rabel. O sucesso da obra e das gravuras é tão grande que a sua influência se estende a outras artes. No final do século XVII, L'Astrée torna-se um dos motivos favoritos das
faianças de Nevers ou dos tecelões da Flandres. O interesse que Rohmer viu em L' Astrée? Não há nada como as suas próprias palavras:

«J’avais un préjugé contre ce roman pastoral comme on en a eu depuis le xix siècle alors que L’Astrée avait connu un succès immense depuis le règne de Louis XIV jusqu’à la Révolution française. Mme de Sévigné en parle avec chaleur, Rousseau, également, qui l’a lu avec délices dans sa jeunesse. L’Astrée est exactement contemporaine de Don Quichotte, qui est bâti sur une illusion, et les deux oeuvres ont des motifs communs. La vraie découverte que j’ai faite, c’est le style plus encore que la langue ou les thèmes. C’est la qualité des dialogues, leur caractère moderne, ou plutôt intemporel. Ces dialogues sont très compréhensibles aujourd’hui, davantage que ceux, pourtant postérieurs, de Corneille dont la langue est plus archaïque que celle d’Honoré d’Urfé» [Ler entrevista completa no
Magazine Littéraire]

«Une épaisse fumée sort de la fontaine. Um petit Amour brillant de clarté s'élève sur un socle de porphyre tenant une table de marbre noir tandis que lions et licornes se figent en figures de marbre. Avant de disparaître, Amour invite l'assemblée à revenir pour entendre l'oracle.

Astrée, Diane, Céladon et Silvandre perdent connaissance
.»(Ibid: Livre 9, p. 119)

Adeus, Eric Rohmer!


Fotos MRF
Agosto 2009