2.11.07

Youcali

Ou um post dedicado à Claudia Sousa Dias:



É quase no fim do mundo
Que meu barco errante
Vagueando pelas ondas
Me conduziu um dia
A ilha é pequena
Mas a fada que lá vive
Gentilmente nos convida
A um passeio por ali

Youkali
A terra dos desejos
Youkali
A alegria, o prazer
Youkali
É o lugar onde esquecemos os problemas
É em nossa noite como uma fresta de luz
A estrela que seguimos
É Youkali

Youkali
É a honra dos juramentos perdidos
Youkali
A terra do amor correspondido
É a esperança
Que há em todo coração humano
A libertação do que esperamos para o amanhã

Youkali
A terra de nossos desejos
Youkali
É alegria, é prazer
Mas é um sonho, uma insensatez
Não há
Youkali"

-Kurt Weill

Youkali é um "Tango Habanera" composto por Kurt Weill durante o seu exílio em França. Na verdade, Weill escrevera a música em 1934 (para a peça Marie Galante) e só em 1946 Roger Fernay criou esta letra. Música e poema invocam uma ilha paradisíaca e o desejo de fuga de uma Europa ameaçadora, em vias de entrar na II Guerra Mundial. Um ano depois de ter composto esta canção, Weill deixou a França em direcção aos EUA, escapando assim à perseguição nazi.

Videolab Lagos 2007

Bertold Brecht

Brecht tem, sobre a poesia, o mesmo pensamento que tem sobre a arte dramática. Ela é uma ferramenta em defesa da liberdade do homem. Nos seus poemas, o mesmo sentido épico e didático das peças teatrais. Recusa uma poesia alheia aos acontecimentos sociais. Exige que ela intervenha sem perder o seu sentido artístico. E apeteceu-me reler, relembrar. A primeira vez que ouvi a sua poesia foi pela voz de um amigo, o C.. Ele subiu a um banco e, numa casa ainda em construção, - mas já com a lareira acesa, inundou-nos de Brecht. Havia gente de todas as cores políticas e um violinista holandês que não percebia nada do que se dizia mas que o ia acompanhando. Lembrar Brecht é também essa cálida memória dos dezoito anos depois de entrar na universidade, e do primeiro grupo de amigos de Lisboa.

1898-1956
(foto de 1956)

A Excepção e a Regra

Estranhem o que não for estranho.
Tomem por inexplicável o habitual.
Sintam-se perplexos face ao quotidiano.
Procurem um remédio para o abuso
Mas não se esqueçam de que o abuso é sempre a regra.

A Fumaça

A pequena casa entre árvores no lago.
Do telhado sobe fumaça
Sem ela
Quão tristes seriam
Casa, árvores e lago.


A Máscara Do Mal

Na minha parede há uma escultura de madeira japonesa
Máscara de um demónio mau, coberta de esmalte dourado.
Compreensivo observo
As veias dilatadas da fronte, indicando
Como é cansativo ser mal


No Muro Estava Escrito Com Giz:

Eles querem a guerra.
Quem escreveu
Já caiu.


Para Ler De Manhã E À Noite

Aquele que amo
Disse-me
Que precisa de mim.
Por isso
Cuido de mim
Olho meu caminho
E receio ser morta
Por uma só gota de chuva.

1947, EUA


Perguntas De Um Operário Que Lê.

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruida,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Indias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas


Também o Céu

Também o céu às vezes desmorona
E as estrelas caem sobre a terra
Esmagando-a com todos nós.
Isto pode ser amanhã.


Lloyd Cold

Ele cantou Jennifer She Said, mas senti falta dos Commotions. Ou seja, Lloyd Cole é exímio mas depois da quinta canção já sentimos um certo enfado (acho que usei uma palavra muito forte; vamos antes dizer, sonolência)(esqueçam, eu gostei)(há nele uma tal bonomia!)(preferia beber uns copos com ele, podia ser a Super Bock que tanto aprecia, e que ele fosse entrecortando a conversa com uma, duas canções)(o rapaz do vídeo de baixo pode continuar no vídeo)(o Lloyd Cole de hoje, com as duas guitarras, que ele próprio afina - o luxo do afinador profissional acabou há algum tempo - parece bem consigo mesmo)(cada vez menos popular, diz)(isso é o menos)(mas exige-se menos reserva num espectáculo intimista)(e variações de ritmo!)(a sério, fiquei com mais vontade. mais vontade de conversar do que de o ouvir cantar)(merda, mas ele é mesmo bom músico)(vão vê-lo e decidam, que eu não consigo desatar isto)

31.10.07

Ópera "Três Vinténs" de Kurt Weil

Orquestra Sinfonieta da Esmae. Direcção Musical - António Saiote.
Encenação - Marcos Barbosa.
Coro – Estúdio Ópera do Departamento de Comunicação e Artes da Universidade de Aveiro.
Co-produção – Fundação João Jacinto Magalhães e Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão.

No Teatro Aveirense, hoje, às 21:30h.



Adenda: Depois desta ópera de Kurt Weill, e tendo já visto Orfeu nos Infernos, não tenho dúvidas de que vou manter-me fiel aos espectáculos da Classe de Canto da Universidade de Aveiro. A encenação de Marcos Barbosa é fiel à intenção original da criação de um novo teatro musical: os conceitos de ópera e de teatro aliam-se com humor e eficácia. A tradução e a integração da mesma (texto) na dinâmica da peça foram decisões inteligentes. Cómica, poética, grotesca, agridoce, cruel, irónica, ontem reconhecemos o espírito Brechtiano. O público aderiu. Culpa nossa, Bertolt Brecht está longe de estar obsoleto.

A Espera - uma criação performativa livremente inspirada em "À Espera de Godot". Direcção Artística - Helena Botto

Estreia hoje, dia 31 de Outubro, às 22h. As apresentações continuam nos dias 1, 2, 3, 7, 8, 9 e 10 de Novembro no Estúdio
PerFormas.



Adenda: Comentário de quem já viu a A Espera - "...é uma experiência quase transcendente. A valer mais do que uma visita."

À escuta #54

Elas começaram a escrever um Diário há poucas semanas. Têm sete anos e deve ser por isso que não se importam que eu leia as suas confissões. As minhas gémeas têm estilos diarísticos muito distintos. Estas passagens foram escritas ontem à noite:

S:
«30/10/2007

No dia 31 do 10 é dia das bruchas e eu pensava que não era dia de aulas mas é dia de aulas. Eu ficei triste e tive pena. Espero que no proximo dia que seija das bruchas não ája aulas. Beijos
[desenho de um coração]»

A.:
«[sem data, escrita contínua]
Hoje passei um grande dia. É fantástico tudo o que existe. Eu adoro brincadeiras giricimas. E nunca pedi nadinha. Eu adoro brincar tanto como as bruxas daquela historia em que as bruxas se divertem mais que as fadas. Gosto de escrever muito! Eu adoro desenhar bonecas e bonecos. Adoro flores. Eu gosto do dia do namorado e do dia do carnavale. No carnavale podemos por disfarces muito diferentes e no dia das bruxas só há bruxas. No inglês a professora disse que fantasma é ghost e eu vou de fantasma. Eu adoro piqueniques divertidos. Eu fasso festas de pijama muito giros. Eu tenho corações na minha janela. Eu uso chapêu quando está muito calor. Eu apanho flores quando estou numa ilha deserta. Eu adoro um chupa-chupa. Eu tenho cinco sentidos! 1+1=2 e essa é fácil. Eu estou numa ilha deserta quer dizer faz de conta.»

30.10.07

Cine Eco #n +1



A deusa grega Deméter deu a agricultura à humanidade. Os Campos de Deméter foi filmado em sete países da Europa mas o professor e realizador norueguês Knut Krzywinski não quis revelar-nos que países eram esses. No filme, as paisagens também não são identificadas por nacionalidade. Tentámos adivinhar mas Os Campos de Démeter remete-nos para além do presente, do pontual, e até do que é visível.

No CineEco' 07, o Júri Internacional atribui-lhe o Prémio Educação Ambiental e o Júri CineEco em Movimento, de que fiz parte, atribuiu-lhe o "Prémio Especial".
Este é um dos filmes que gostaria muito que fosse apresentado em Aveiro. Percebam porquê.

«Quando olhamos para o campo e nos maravilhamos com a sua beleza natural, vale a pena lembrar uma coisa - esta paisagem está longe de ser natural. O que nós estamos a ver, para o melhor e para o pior, é uma paisagem que foi profundamente alterada por gerações de intervenção humana, em particular por antigas práticas agrícolas.

Na Europa, a relação com a terra e a paisagem sempre foi governada pela existência humana. Os habitantes de grutas do Paleolítico, há 40.000 anos, viviam num ambiente que não podiam controlar: no entanto, com a introdução da agricultura esta relação mudou e, através dos milénios que se seguiram, uma combinação de forças naturais e culturais modelaria as paisagens da Europa.
A agricultura necessita de espaços abertos. Áreas foram limpas para o cultivo e os animais domésticos mantinham os espaços abertos através do pastoreio. O Homem tornou-se um factor de estabilização no mundo natural sempre em mudança. Deste modo, uma diversidade de habitats e de paisagens culturais tradicionais foram criadas e mantidas, habitats como os prados, campos de cultivo, vinhas, urzais e pastos.

À medida que lentamente aprendíamos a lidar com a terra, os nossos valores, ideias e identidades começaram a entrelaçar-se com a nova realidade. A ideia de natureza como algo para ser dominado e conquistado desenvolveu-se enquanto economia e a tecnologia tornou atingível o seu controle absoluto. Esta é a origem de muitas calamidades contemporâneas como a perda de biodiversidade, a poluição, a deterioração geral do ambiente e, acima de tudo, a nossa alienação da natureza.

Desde meados do Século XX a agricultura mudou dramaticamente. Nas terras apropriadas, a agricultura intensiva e as monoculturas substituíram a agricultura tradicional, de pequena escala, enquanto nas áreas marginais e isoladas a terra é normalmente abandonada, uma vez que não pode competir com a agricultura intensiva. O abandono é muitas vezes seguido pela invasão do matagal e eventualmente florestação. O aumento do desequilíbrio do uso da terra – reflectido na dupla ameaça da intensificação e do abandono – resultou na erosão das paisagens culturais tradicionais e a sua característica diversidade de habitats e de espécies.

“Campos de Deméter” é uma viagem através das visíveis e invisíveis Paisagens Culturais Europeias – uma viagem através da diversidade, tendências e desafios das nossas paisagens culturais de todos os dias. » [Continuem a ler
aqui, e descubram um pouco da História Agrícola de cada país]

Os Campos de Deméter são um projecto
ECL - European Cultural Landscapes e tem por objectivo comunicar a universal importância das Paisagens Culturais Europeias e possibilitar uma maior compreensão e reconhecimento do seu significado. Isto ajudará a aumentar a consciência acerca da necessidade urgente de proteger o património que é nossa paisagem cultural, através da agricultura e utilização da terra sustentáveis. O projecto ECL promove a produção de documentação e de disseminação transnacional do património das nossas Paisagens Culturais Europeias através da cooperação entre uma rede de cientistas, operadores culturais e promotores.
Coordenador do Projecto: Universidade de Bergen,Noruega.

Rostos

Alguns dos rostos deste CineEco' 07
Colagem feita pelo
Director do Festival, Lauro António

O Professor Anthímio de Azevedo, os realizadores Lauro António, João Baptista de Andrade, Alain Marie, Knut Krzywinski, a directora executiva do Festival Ambiental de Washington Annie Kaempfer, o director do Festival Internacional de Inverno de Sarajevo Ibrahim Spahia, o escritor Fernando Dacosta, as actrizes Rita Ribeiro, Lia Gama, Natasha Marjanovic, Rita Calçada Bastos, Cátia Garcia, Sílvia das Fadas, os músicos Rao Kyao e Celina Pereira, o director de "Mares Navegados" Amândio da Conceição Silva, o Professor António Maues-Collaço, a jornalista Silvia Alves, João Madeira, Eduarda Colares, Carlos Teófilo, Frederico Corado, Márika Benatti, Orquídea Lopes, Luís Silva, Teresa Matias, entre tantos outros. Obrigada pelo convite, L.A., foi um prazer integrar esta equipa e tertuliar entre filmes e filmes e filmes ;)