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21.4.05

Destinatário II


Sokolsky

Camille Laurens, Dans ces bras-là, sobre a relação com os leitores. Continuação.

Houve um tempo em que, sem dúvida, eu esperava uma resposta. Que vocês me explicassem, que vocês me dissessem. Eu interrogava os homens dos livros, poetas, personagens, imaginava que um dia a vida correria sob a ponte dos nossos braços. E depois li esta história que consagra o mundo à escrita: a de um rapazinho que quer que a sua mãe o beije antes de se deitar e que apenas recebe, como resposta à sua carta de amor, estas palavras de solidão: "Não há resposta".
O sentido foi-me comunicado dessa forma, libertando-me também de tanta ausência, de tanta espera. Eu não escrevo para que vós me respondais, não: eu escrevo porque não há resposta. Eu jamais estarei nos vossos braços - nem vocês nos meus - nunca abraçados.

Às vezes, no entanto, sonho com uma forma de nos unirmos. A dormir, sobretudo - Morfeu embala-me e imagino como prolongar este sono amoroso em que o deus é um homem. E então eu vejo-vos - estais na fronteira do esquecimento mas vejo-vos, estendeis os braços para mim, e eu avanço, avanço na direcção de vós que me estais destinado - meu destinatário. Quem disse que sois uma mulher ? Que loucura ! A morte terá os vossos olhos, e é sobre o vosso tronco que inclinarei a minha cabeça, tenho a certeza, e sobre os vossos ombros colocarei as minhas mãos. Sois vós, sois mesmo vós na margem oposta, e a distância entre nós a reduzir-se, logo logo a anular-se, dancemos, eu aproximo-me e tu estreitas-me - ah aperta-me, leva-me - como estamos bem, sim, como estamos bem nestes braços!

19.4.05

O destinatário


Sokolsky

Camille Laurens falava assim da sua relação com os leitores em Dans ces bras-là. Vou tentar uma tradução razoável. (juro que este post já estava previsto, dia 23 é o dia do livro..., disfarço bem?)

O destinatário recebe o que lhe damos. Ele cala-se, ele não responde. O destinatário não é um correspondente, ele está destinado a calar-se, a permanecer na sombra deste silêncio em que, no entanto, sabemos que ele nos ouve. O acordo por parte do destinatário em relação a este seu destino discreto é essencial, é importante que ele nunca o ponha em causa.

Escrevo para vocês, escrevo-vos. (...) É a vocês [homens] que eu falo, falo-vos de vocês, de vocês e de mim. Não sei quem sois, mas vejo-vos, adivinho-vos, pinto-vos, falo-vos, invento-vos: escrevo-vos.

Quem sois vós? Ignoro-o. Não vos conheço.

Acima de tudo, não me respondais. É inutil. Nós não podemos corresponder-nos, não há correspondência possível entre nós. Vós estais longe, vós sois o outro, vós sois o homem. Aceitei esta distância que flutua entre nós como o trajecto de uma carta que viaja. Não escrevo para que me respondais, e no entanto escrevo-vos. Não fiqueis admirados: eu renunciei a agarrar-vos, mas não ao gesto de vos agarrar. A escrita é esse gesto; escrevo na vossa direcção. É como a mão que agitamos quando o combóio está a partir: inútil, sem que seja vã.

[P.O.L éditeur, 2000, pp 308-309]

21.1.05

Seul avec lui


Guy Bourdin

Il y a des hommes interdits, des hommes devant lesquels on reste interdite. Je me demande parfois si cette pieuse distance traduit la nature exacte de l'amour - être ici et là, de part et d'autre - ou son impossibilité complète - comment s'aimer de loin, sans rien toucher en l'autre?
Le désir point de traverser, d'aller sur l'autre rive, le désir point, dût-on en mourir, de passer.


in Laurens, Camille, Dans ces bras-là, P.O.L. éditeur, 2000, pp 198

Dans ces bras-là II


Robert Zverina, Been There

"Tu vas me manquer", dit-elle - comme on manque un train.
Ela está sentada na Frégate, ela lê Le Monde.
E de repente, ainda que já há muito tempo tivéssemos passado os Bairros Sociais* de Mantes-la-Jolie - faltam menos de dez minutos de trajecto, os passageiros já se amontoam junto às portas -, ela agarra subitamente nas suas coisas e começa a avançar pela carruagem em sentido contrário, abre a porta enfolada, atravessa uma nova carruagem, depois outra, depois ainda outra - "oh mana, a saída é para o outro lado", lança-lhe um sujeito estendido no meio da passagem, ela passa por cima dele, ela continua, ela quer percorrer todo o combóio antes da chegada, antes da confusão da descida, ela quer ter a certeza de que está enganada.
As carruagens da cauda do combóio estão quase vazias, um simples olhar tranquiliza-a, não há ninguém.
Ela abre a última porta, ela passa. Através do vidro do fundo, vêem-se os carris, a estrada, as árvores que fogem. E mesmo ao lado, sozinho, vendo a paisagem, ele está ali, é ele.
Ela avança no corredor (esbofeteá-lo, arrancar-lhe metade dos cabelos, atirar-se de bem alto), a sombra da sua silhueta fá-lo levantar os olhos, ele sorri como se estivesse orgulhoso dela, bem jogado darling - o marido é muito fair-play, muito desportivo. Quando fica ao seu nível, ela atira-lhe a pasta com toda a força à cabeça, perdido meu amor, apanha com isto no nose, honey, never give all the heart , my tailor is rich and my wife is crazy. Depois ela desaparece, son of a bitch.


in Laurens, Camille, Dans ces bras-là, P.O.L. éditeur, 2000, pp 143-144
(* Bairros Sociais: no original les HLM - Habitation a Loyer Modéré)

19.1.05

Dans ces bras-là


Thomas Schmidt

Um fragmento da escrita, feminina sensual sensível romanesca, de Camille Laurens.

O marido sente uma pequena dificuldade em tornar-se o marido - ele diz-lhe olhos nos olhos na Closerie des Lilas, uma noite muito tarde: ele não é livre. Ele vive muito perto dali com uma mulher mais velha que ele, a quem se mantém unido. Mas ele vai romper, ele quer casar-se com ela; ela, ele adora-a.
Eles conhecem-se há três dias. Ela responde-lhe que também ela não é livre: ele chama-se Amal, partiu para viver em Nova Iorque e ela devia ir lá ter com ele, mas agora já não vai, acabou.
Eles apresentam-se: ela faz dança, ela tenta escrever, ela gosta de Guillaume Apollinaire; ele foi nadador de competição, ele compõe poemas que não interessam a ninguém, ele gosta de Yeats, T.S. Eliot, Shakespeare, de teatro, ele detesta a actualidade e roda num XK 120 branco, um dia ele vai levá-la, ela vai compreender. Nessa noite, na Closerie des Lilas, eles vão maravilhar-se com as suas semelhanças. A noite, em casa dela, uma imensa tempestade rebenta no momento em que se beijam - noites eléctricas, peles magnéticas. Os deuses ficam com ciúmes.
Eles casam-se. Ele ensina inglês em Rouen, ela é bibliotecária em Vernon, eles moram em Paris. Eles encontram-se no combóio quase todos os dias - é a mesma linha -, esgotados, apaixonados, eles fazem amor, eles não param.
Uma sexta-feira, ele avisa-a que não vem dormir a casa, que tem de acompanhar uns colegas ingleses a Havre. "Tu vais fazer-me falta", disse ela - como quando perdemos um combóio.*


A suivre...


* (Traduzido do francês: Laurens, Camille, Dans ces bras-là, P.O.L. éditeur, 2000, pp 142-143. Na última frase o duplo sentido da palavra manquer não é traduzível, pelo que deixo o original: "Tu vas me manquer", dit-elle - comme on manque um train.)