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23.4.12

A última entrevista de Guimarães Rosa

Uma preciosidade histórica da língua portuguesa: a entrevista realizada pelo escritor e jornalista português Arnaldo Saraiva, em 24 de novembro de 1966. Guimarães Rosa morreria menos de um ano depois de tê-la concedido.


«Minha família do lado Gui­marães é de Trás-os-Montes. Em Minas o que se vê mais é a casa minhota, mas na região em que eu nasci havia uma “ilha” transmontana. (...) Conheci Aquilino (Aquilino Ribeiro), mas acidentalmente. Eu entrei numa livraria, não sei qual, do Chiado (presumo que a Bertrand) e, quando pedi al­guns livros dele, o empregado per­guntou-me se eu queria co­nhecê-lo, pois estava ali mesmo. Respondi que sim, e desse modo obtive dois ou três autógrafos de Aquilino, com quem conversei alguns instantes. Voltei a estar com ele, mais tarde, num jantar que lhe foi oferecido enquanto de sua vinda ao Brasil. Mas ele, naturalmente, não se recordava de mim (porque eu não me apresentara como escritor), e eu também não lhe falei do assunto. (...) Em relação a mim, houve por aqui (no Brasil) muitos equívocos, que ainda hoje não desapareceram de todo e que, curiosamente, ao que parece, não houve em Por­tugal. Pensaram alguns que eu inventava palavras a meu bel-prazer ou que pretendia fazer simples erudição. Ora o que sucede é que eu me limitei a explorar as virtualidades da língua, tal como era falada e entendida em Minas, região que teve durante muitos anos ligação direta com Portugal, o que explica as suas tendências arcaizantes para lá do vocabulário muito concreto e reduzido. Talvez por isso que ainda hoje eu tenha verdadeira paixão pelos autores portugueses antigos. Uma das coisas que eu queria fazer era editar uma antologia de alguns deles (as antologias que existem não são feitas, como regra, segundo o gosto moderno), como Fernão Mendes Pinto, em quem ainda há tempos fui descobrir, com grande surpresa, uma palavra que uso no “Grande Sertão”: amouco. E vou dizer-lhe uma coisa que nunca disse a ninguém: o que mais me influenciou, talvez, o que me deu coragem para escrever foi a” História Trágico-Marítima” (coleção de relatos e notícias de naufrágios, acontecidos aos navegadores portugueses, reunidos por Ber­nardo Gomes de Brito e publicados em 1735). Já vê, por aqui, que as minhas “raízes” es­tão em Portugal e que, ao contrário do que possa parecer, não é grande a distância “linguística” que me se­para dos portugueses.»

21.2.09

Adão, Eva e o mais

Adão e Eva (1504)
Albrecht Durer

«Uma senhora de Engenho, na Bahia, pelos anos de mil setecentos e tantos, tendo algumas pessoas íntimas à mesa, anunciou a um dos convivas, grande lambareiro, um certo doce particular. Ele quis logo saber o que era; a dona da casa chamou-lhe curioso. Não foi preciso mais; daí a pouco estavam todos discutindo a curiosidade, se era masculina ou feminina, e se a responsabilidade da perda do paraíso devia caber a Eva ou a Adão. As senhoras diziam que a Adão, os homens que a Eva...»

Machado de Assis, «Adão e Eva», Antologia de Contos,
Selec. John Gledson, Vol. 2, Companhia das Letras, 1988, p.274

«Adão, Pai dos Homens, foi criado no dia 28 de Outubro às duas horas da tarde.»

Eça de Queirós, «Adão e Eva no Paraiso», Contos,
Edição Livros do Brasil, Lisboa, 2002, p.121

«- Esta Eva!
Foi por isso que anos mais tarde Deus se fez homem e habitou entre nós. Mas o Mundo era mais sabido - tinha comido a árvore do Bem e do Mal - e Deus que a guardara sem lhe tocar e a quem não restara nem uma folhinha seca tinha ficado bondoso para sempre - era de esperar que fosse enganado.
»

Jorge de Sena, «Paraíso Perdido», Génesis,
Edições 70, Lisboa, 1983., p.24

«Tinha Deus aposentado Adão e Eva no Jardim das Delícias, onde viviam como os mais desabusados regalões...»

Aquilino Ribeiro, «Triunfal», Jardim das Tormentas,
Bertrand Editora, Lisboa, 1984, p.97

A Evolução de Darwin

Este caderno que Darwin chamou "B" é o primeiro de uma série dedicada inteiramente à ideia de «transmutação» ou evolução. Iniciado em Julho de 1837, o caderno B é a pedra inaugural do pensamento darwiniano e nele se levantam todas as questões fundamentais da teoria evolutiva: como se formam as espécies, como se relacionam as espécies entre si, como é que ocorrem as adaptações. Neste caderno em que Darwin escreveu «I think...» e esboçou uma árvore evolutiva muito simples com as espécies representadas pelas letras A, B, C e D, escreveu também: «Entre A e C uma relação distante. [Entre] C e B uma gradação subtil. [Entre] B e D uma maior distinção. Assim se formariam os géneros». «Género» é o nome dado ao penúltimo nível na organização da classificação das espécies (cada espécie pertence a um género, estes são agrupados em famílias, que estão agrupadas em ordens e por aí fora) e designa um conjunto de espécies próximas. A árvore de Darwin assume que as espécies de um género surgem por descendência, partilhando um ancestral comum. A maioria dos observadores anteriores a Darwin atribuía o conjunto de espécies semelhantes de um género a um plano de criação divino.

O tema é fascinante. Vale a pena visitar a exposição patente na Gulbenkian até ao dia 24 de Maio comemorativa dos 200 anos do nascimento de Charles Darwin.

Em 1861, Darwin publica A Origem das Espécies. A obra só seria traduzida para português no século XX mas muitos escritores portugueses/lusófonos tiveram acesso a estas novas ideias e quiseram representar literariamente, e de forma crítica, a teoria darwinista da evolução do Homem. Deixo uma pequena lista de contos que reflectem o clima mental de «cientismo antropológico de cariz darwiniano»*:

- «A Dor» (1881), in Contos, de Fialho de Almeida
- «Adão e Eva» (1896), in Contos, de Machado de Assis
- «Adão e Eva no Paraíso» (1897), in Contos, de Eça de Queirós
- «Triunfal» (1913), in Jardim das Tormentas, de Aquilino Ribeiro
- «Paraíso Perdido» (1937), in Génesis, de Jorge de Sena

Na poesia, saliento:
- Poesia I, de José Régio
- Adão, Eva e o Mais, de António Osório


* Sobre a recepção da obra de Darwin em Portugal, nomeadamente em autores do século XIX, veja-se o livro de Ana Leonor Pereira, Darwin em Portugal (1865-1914), Almedina, 2001; e também: «Recantos do Paraíso» de António Manuel Ferreira, em O Conto em Língua Portuguesa, Nº 6, Forma Breve - Revista de Literatura, UA, 2008

Fotos MRF, Fev '09