26.11.06

Cesariny

MÁRIO DE CESARINY DE VASCONCELOS
1923-2006

Foto: Manuel Luis Cochofel
Série Pessoas, 2004


O navio de espelhos
não navega, cavalga

Seu mar é a floresta
que lhe serve de nível

Ao crepúsculo espelha
sol e lua nos flancos

(Por isso o tempo gosta
de deitar-se com ele)

Os armadores não amam
a sua rota clara

(Vista do movimento
dir-se-ia que pára)

Quando chega à cidade
nenhum cais o abriga

(O seu porão traz nada
nada leva à partida)

Vozes e ar pesado
é tudo o que transporta

(E no mastro espelhado
uma espécie de porta)

Seus dez mil capitães
têm o mesmo rosto

(A mesma cinta escura
o mesmo grau e posto)

Quando um se revolta
há dez mil insurrectos

(Como os olhos da mosca
reflectem os objectos)

E quando um deles ala
o corpo sobre os mastros
e escruta o mar do fundo

Toda a nave cavalga
(como no espaço os astros)

Do princípio do mundo
até ao fim do mundo


O Navio de Espelhos, 1965
in A Cidade Queimada
Ed. Assírio & Alvim, 2000

Voz de Cesatiny: no álbum Os Poetas - Nós e as Palavras com música de Rodrigo Leão, Gabriel Gomes, Margarida Araújo e Francisco Ribeiro.


3 comentários:

A. Pinto Correia disse...

Partiu um dos grandes génios da cultura portuguesa. estamos mais pobres.
Boa tarde, Maria

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

Boa noite, Unicus! Vi o poema do Cesariny que deixaste, é belíssimo, obrigada.

Bandida disse...

Muito mais pobres...


Até sempre, Mário!








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