29.10.06

Isto não é ambiente! #2

Doutor Estranho Amor
Leonor Areal

No CineEco deste ano estiveram a concurso dez filmes portugueses___ que exploraram as temáticas mais variadas ligadas ao ambiente. Não serão muitos, mas penso que foram aceites quase todas as candidaturas de produções portuguesas.

Leonor Areal filmou ao longo de 10 semanas uma "brigada" de estudantes de medicina a fazer prevenção da Sida junto de uma turma de adolescentes problemáticos. O documentário intitulado "Doutor Estranho Amor ou como aprendi a amar o preservativo e deixei de me preocupar" passou em Seia. E não só. Leio no seu blog, Doc Log: "Grandes esperanças tinham os realizadores dos 120 filmes portugueses enviados para selecção (do Doclisboa). Foram escolhidos 20. Eu tive sorte, embora “sorte” não seja a palavra adequada.(...) É que, sendo o funil tão estreito, ter um filme escolhido, para além do reconhecimento do trabalho feito, é uma vaga promessa de se poderem fazer outros filmes, cujos financiamentos dependem geralmente de concursos que valorizam os currículos que se valorizam em função do número de festivais frequentados (sem falar nos prémios).
(...) Se a vida já é injusta (como dirão os que esperavam dela alguma providência divina), então os concursos são a figura travestida dessa injustiça. Porque, apesar da sua aparente lógica do prémio, os concursos baseiam-se na exclusão e, logo, por inerência são injustos. Um festival de filmes deveria ter um critério de inclusão – daquilo que se considera bom ou interessante. Para poder fazer jus a cada filme. Será que há demasiados filmes?"

Nunca são demais. Mesmo se, num festival ou numa Mostra, seja obrigatório limitar o número de filmes exibidos. No Famafest, ou neste CineEco, tínhamos todos a sensação de estar a fazer uma (deliciosa) maratona. Infelizmente não fiquei até ao fim. Mas eu gosto de ver até o que não gosto. A sensação é a de que fico sempre a ganhar. Como em todas as actividades e artes, a resistência à marca Portugal poderá sentir-se, mas percebi à minha volta um interesse e curiosidade acrescidos sempre que se tratava de um filme português.

Deste documentário de Leonor Areal, devo dizer que não gostei. As imagens são apresentadas como foram colhidas, brutas, ruidosas, mas, para além do teatro da realidade, que tem potencial de interesse, que retrata uma realidade que é assim mesmo, incómoda, o "argumento" não evolui, espreguiça-se ao longo do tempo. Como instrumento de trabalho para professores ou alunos, pareceu-me ineficaz. A utilização do rôle playing ou de exercícios de projecção para tomada de consciência de problemas, visando uma alteração de comportamentos, não constitui novidade; as técnicas de dinâmica de grupo são mal aplicadas pelos "terapeutas" amadores e o final "um pouco feliz" julga favorável um trabalho pedagógico deficiente. Mesmo apreciando a câmara omnipresente, quase ignorada pelos actores, tornou-se difícil aceitar o "projecto estético". Li neste seu trabalho um alerta (válido) para o nosso sistema de educação e para a enorme diferença que existe entre o discurso político e institucional (primeiras cenas) e a aplicação no terreno dos programas de acção.


Neste festival pude ainda ver Quatro Elementos (luso-alemão) e Ainda Há Pastores? de Jorge Pelicano. Mas outros documentários de realizadores portugueses brilharam em Seia. Foi o caso de "Águas Agitadas" de Bernardo Ferrão e "Da Pele à Pedra" de Pedra Sena Nunes___ que eu espero poder ver, brevemente! ___ de resto, por que está a exibição da maior parte destes filmes confinada aos períodos curtos de mostras e festivais? ___ a ideia de que apenas um nicho da população tem interesse neste tipo de filmografia deve ser alavanca e não travão ___ a frequência de público nestes festivais fica sempre aquém das expectativas ___ logo, estas propostas têm que ir ao encontro das pessoas ___ as TVs pública e privada, os media, têm uma missão a cumprir ___ as Câmaras Municipais também ___ este problema do perfil e formação dos públicos arrasa-me sempre. keep going

"Águas Agitadas" é uma Reportagem SIC que começa por se centrar no estudo que uma equipa ambientalista holandesa tem desenvolvido sobre o comportamento dos cetáceos dos Açores (existem 23 espécies referenciadas) e o impacto do turismo na vida dos animais. O enfoque é depois colocado no conflito que se gerou entre estes ambientalistas e as empresas de whale-watching da Ilha do Pico. Bernardo Ferrão explica aqui o problema.

Da Pele à Pedra
Pedro Sena Nunes


"Da Pele à Pedra" é uma produção Vo.arte. Palco/Memória: a Lavaria das Minas da Panasqueira. O objectivo das Residências Artísticas: combinar teatro, dança, música, fotografia, vídeo e instalação, procedendo a um trabalho de reflexão performática que, em colaboração com a população local, pensasse a história, a envolvente, o misticismo e agrura associados às minas fechadas no princípio dos anos 90, mas ainda uma das mais importantes jazidas de volfrâmio, bem como uma das minas mais profundas do mundo (ler mais aqui). O filme: Desde muito cedo, Sena Nunes percebeu que queria criar uma coisa nova, que estivesse algures entre o registo puramente documental (as memórias da mina, a captação da realidade) e o da videodança (os momentos coreográficos foram planeados e interpretados para a câmara). A linha que une estes dois mundos é muito ténue. Tão ténue como o pó que se espalha no ar. Ou como as memórias daqueles idosos. (...) Sena Nunes chama-lhe "poesia visual". Aqui e ali, encontramos vestígios de uma narrativa. Algumas frases que parecem dar sentido aos gestos. Mas, independentemente do que lhe chamarem os críticos, este é um filme de sensações, mais do que de histórias. (ler mais aqui)

As temáticas "em português" deste festival de cinema & ambiente foram ainda enriquecidas por:

António Barreira Saraiva, um geógrafo que trabalha na área da fotografia e vídeo desde 1991. Interessa-se por temáticas que cruzam a História, a Etnografia e a Geografia. O seu filme Ventos de Largo foi premiado no CineEco de 1999; este ano, o realizador apresentou "Rua 15 - S. João" em que se exalta a festa como momento privilegiado de observação na rua mais antiga da Costa da Caparica.

Filipe Y, que apresentou "O Corredor Descalço": Uma longa viagem pela vida na Natureza e pela natureza da vida.

Mário Carvalho Gajo, realizador da curta-metragem "Lixo": Num enorme monte de lixo, um objecto cai sobre um boneco metálico fazendo com que este ganhe vida...

Carlos Eduardo Viana, que se centrou no fole, cujo processo de fabrico documenta. O doc intitula-se "Fole, Um Objecto do Quotidiano Rural".

João Dias, João Fernandes e Nelson Silva, alunos do curso de Tecnologia Educativa da LECN FCTUN (2005/2006), escolheram os encantos e diversidade de habitats da "Reserva Natural do Vale do Sado" como objecto de filmagem e de reflexão. Mensagem: "há que sujar as mãos, sair para o campo e fascinar-nos com o mistério da vida".

E mesmo assim, ainda há quem diga que isto não é sobre ambiente!

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