13.6.05

A Fazedora de Tranças

Eu encontrei a Fhatima na Ilha do Sal, no famoso passeio que separa os hotéis do extenso areal, em Santa Maria. Ela ficava sentada num banco durante horas, ao sol, e discretamente ia perguntando às turistas se não queriam que ela lhes fizesse uma trança. O seu traje era distinto e tinha um sotaque particular. Imaginei que fosse senegalesa ou nigeriana. Um dia acabei por conversar com ela, vinha do Senegal.



Cabo Verde é visto como um país de emigrantes mas a verdade é que, em datas diferentes, entre os anos 80 e 90, e em particular nos últimos cinco anos, têm entrado em Cabo Verde muitos senegaleses, nigerianos, gambianos, serra-leoneses e bissau-guineenses. A partir de meados dos anos 90, resultante de acordos de cooperação entre este país e a China, também os chineses começaram a se instalar aqui, dedicando-se à restauração e ao comércio (são cerca de uma centena em todo o arquipélago).

São os imigrantes oeste-africanos que têm gerado mais celeuma. A verdade é que, como quase todos os imigrantes em qualquer país deste mundo, não são desejados. A sua postura e comportamento têm sido muito criticados. Acusam-nos de arrogância, de desacatos, de perseguição aos turistas.

É verdade que nas praias se é constantemente assediado por vendedores senegaleses de artesanato. Mas o que os cabo-verdianos não gostam mesmo é da sua aparente incapacidade de integração. A imagem que nos transmitiram é a de que estes imigrantes não se relacionam com a população local e de que os temem porque, havendo um problema, se unem. Um episódio ocorrido há pouco tempo tinha assustado e marcado a população. Na sequência da detenção de um senegalês, a esquadra da polícia foi cercada por dezenas de conterrâneos, um automóvel da polícia foi destruído, a situação ficou completamente fora de controle. Só a intervenção da Polícia Militar pôs termo ao cerco. Houve tiroteio nas ruas e depois iniciou-se uma perseguição cega a todos os senegaleses a residir na Ilha. Disseram-nos que alguns cabo-verdianos chegaram a acolher secretamente alguns destes imigrantes que, mesmo inocentes, não escapariam à expulsão do país.

O número de imigrantes ilegais é elevado. Entram no país clandestinamente viajando em embarcações que acostam numa das ilhas do arquipélago. Com frequência surgem notícias de mais uma embarcação encontrada pela Polícia e do repatriamento dos seus passageiros.

A questão que se coloca é se existe ou não um preconceito racial dos cabo-verdianos em relação aos negros continentais. Independentemente da origem, a todos chamam, de forma pejorativa, mandjacos. Curiosamente, os mandjacos eram uma tribo da Guiné-Bissau, e o que senti foi maior aceitação dos guineenses face aos imigrantes de outras origens.

Alguns dos imigrantes com quem falei queixaram-se da Polícia e dos Serviços de Emigração e Fronteiras (SEF), que alegadamente estariam predispostos a culpar e condenar rapidamente, mesmo que a consequência fosse o repatriamento.

São notícias, estórias, caminhos, problemas, universais. Chegará alguma vez o dia em que aquela ideia de Eça de Queiróz, a i/emigração como força civilizadora, vai prevalecer?

Não imaginamos a Fhatima envolvida em desordens e violência. Veio para Cabo Verde porque no Senegal não há trabalho. Dizia com um ar sério e triste: faço tranças e no Senegal há muita concorrência. Tinha chegado há três meses, conversamos em francês porque ainda não compreendia o português, falava apenas uma ou outra palavra de crioulo.

Bon courage, Fhatima!

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