Director: Gianni Amelio (2011)
Writers: Gianni Amelio (screenplay), Albert Camus (novel)
Stars: Jacques Gamblin, Maya Sansa and Denis Podalydès
Em 1963, Susan Sontag escreveu: «Kafka suscita piedade e terror, Joyce admiração, Proust e Gide respeito, mas nenhum escritor moderno que me lembre, salvo Camus, suscita amor. A morte dele em 1960 foi sentida como uma perda pessoal por todo o mundo literário» . Ler O Primeiro Homem é pois, também, um exercício de resistência ao afecto que Camus e os seus sujeitos nos inspiram.
Na vida de Jacques, ou do petit Camus - uma vez que os próprios escritos do escritor nos levam a crer que projecta nesta personagem as vivências da sua infância -, não havia lugar para os livros. A criança do bairro pobre de Belcourt, em Argel, descobre os segredos do mundo através do contacto com as pessoas e as coisas reais, e não através das palavras. Hiroshi Mino, que publica o seu ensaio sobre o silêncio na obra de Albert Camus em 1987, ou seja, antes da publicação de Le Premier Homme (que acontece em 1994, 34 anos após a sua morte), afirma que «Si Camus avait laissé un récit de son enfance, il aurait pu l' intituler "Le Silence"». Este silêncio é, antes de mais, o silêncio da mãe, e depois o silêncio da natureza. O primeiro está na origem da sua história pessoal; o segundo, revela-o a sua obra, está na origem da história humana. Ambos os silêncios, que têm um carácter quase primitivo, não emergem da interrupção da palavra; na verdade, existem, escutam-se, antes que a palavra nasça. Jacques começa por descobrir um mundo simples, bruto, imediato, profundo, mas muito distinto do mundo abstracto das palavras. O silêncio que envolve a infância do protagonista, Jacques, e de Albert Camus, não foge à regra de todos os silêncios, comporta ambiguidade. O silêncio em O Primeiro Homem provoca euforia mas também, e sobretudo, amargura, pelo muro que levanta entre Jacques e a pessoa que mais ama (a mãe), pelas barreiras que impõe ao conhecimento do seu passado, das suas origens (o pai, a história da imigração e colonização argelina). O silêncio da mãe, em particular, é também o silêncio de quem não ousa a revolta contra o absurdo do mundo real. Quanto ao escritor, cabe-lhe fixar o silêncio em escrita, para que ele não se perca com a morte daquele que o mantém cativo no fundo do coração.
É para dar uma voz ao silêncio que Jacques, ou Camus, aos quarenta anos, face ao túmulo do pai, decide escrever esta obra. Em O primeiro Homem, a sua última obra inacabada, ou desde o primeiro livro que escreveu (L'Envers et L'endroit), a escrita nasce no momento em que o silêncio ameaça eternizar-se.