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6.9.11

Eu quero uma licença de dormir

Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes.


Adélia Prado


[Imagem: Romaine Brooks (1874-1970). "La Venus triste" (The Weeping Venus). Modelo: Ida Rubinstein. Se vos apetecer, mais Ida]

9.3.05

1. Miminhos de poesia

Género

Desde um tempo antigo até hoje,
quando um homem segura minha mão,
saltam duas lembranças guarnecendo
a secreta alegria do meu sangue:
a bacia da mulher é mais larga que a do homem,
em função da maternidade.
O Oswaldo Bonitão está pulando o muro de dona Gleides.
A primeira eu tirei de um livro de anatomia,
a segunda, de um cochicho de Maria Vilma.
Oh! por tão pouco incendiava-me?
Eu sou feita de palha,
mulher que os gregos desprezariam?
Eu sou de barro e oca.
Eu sou barroca.


Poema começado do fim

Um corpo quer outro corpo.
Uma alma quer outra alma e seu corpo.
Este excesso de realidade me confunde.
Jonathan falando:
parece que estou num filme.
Se eu lhe dissesse você é estúpido
ele diria sou mesmo.
Se ele dissesse vamos comigo ao inferno passear
eu iria.
As casas baixas, as pessoas pobres,
e o sol da tarde,
imaginai o que era o sol da tarde
sobre a nossa fragilidade.
Vinha com Jonathan
pela rua mais torta da cidade.
O Caminho do Céu.


Adélia Prado
Com Licença Poética

8.3.05

Solar

Minha mãe cozinhava exactamente:
arroz, feijão-roxinho, molho de batatinhas.
Mas cantava.


Adélia Prado
in O Coração Disparado (1978)
Com Licença Poética, Cotovia, 2003