O irmão mais novo de Shinji regressara à ilha. As mães tinham ido todas ao fim do molhe esperar os filhos. Caía uma chuva fina e não se via o mar largo. O ferry-boat estava já a cerca de cem metros do cais quando irrompeu subitamente no meio da bruma. As mulheres puseram-se a gritar em coro pelo nome dos filhos. Conseguiam já distinguir claramente os bonés e os lenços agitados pelas crianças na ponte do navio.
O barco acostara. Mas, mesmo depois de já estarem em terra junto às mães, os jovens estudantes limitaram-se a sorrir-lhes ao de leve e começaram logo de seguida a brincar uns com os outros. Não lhes agradava terem que mostrar o seu afecto pela mãe em presença uns dos outros.
Nem depois de chegar a casa se acalmou a excitação de Hiroshi. O rapaz não parava quieto um momento. Na sua conversa não se referiu nem aos locais famosos, nem às velhas ruínas que visitara. (...) No dia seguinte, estava a cair de sono. É certo que trouxera da viagem profundas impressões, mas não era capaz de traduzi-las por frases. Quando quis contar alguma coisa, não conseguiu recordar nada (...). Mas então - e esses eléctricos e esses automóveis que rebrilhavam ao sol, novinhos em folha, e que, mal se conseguiam fixar, já tinham desaparecido, e esses edifícios altos e esses reclames de néon, onde estava tudo isso?
Em casa da mãe, vinha encontrar no seu lugar o aparador, o relógio de parede, o altar búdico, a mesa das refeições, o espelho no seu pé e, claro, também a mãe. Lá estavam o forno de cozinha e as esteiras sujas. Tudo sabia entendê-lo, mesmo que não falasse e, no entanto, tudo isso, até a mãe, tudo o incitava a contar a viagem. Hiroshi acabou por se acalmar, quando Shinji voltou da pesca. Após o jantar, abriu o caderno de viagem e narrou perfeitamente à mãe e ao irmão o que havia visto. Terminada a narrativa, ficaram satisfeitos e deixaram de o espicaçar com perguntas.
Tudo voltou ao normal. A sua existência era tal, que tudo se compreendia, mesmo sem palavras. O aparador, o relógio, a mãe, o irmão, o velho forno de cozinha cheio de fuligem, o rugir do mar... Envolto nessa atmosfera, Hiroshi deixou-se adormecer e caiu num sono profundo.
in MISHIMA, "O Tumulto das Ondas", Relógio d'Água, Lisboa, 1985, pp. 93-94
Imagem: Yukikazu Ito
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