Uma nova corrente e, via Absorto, sou apanhada. Doze palavras preferidas.
Lembrei-me da VIDA secreta das palavras e tive SAUDADES de uma AMIGA. Naquele dia, disse logo: ALGODÃO. e é VERDADE. Algodão é uma palavra bela. e deve haver uma razão__ ou várias, para que esta palavra, e não outra qualquer, tenha saltado logo do topo da minha mente (em inglês, top of mind, é uma expressão que me agrada; em português não é muito musical). é verdade que se chama por ela facilmente: [á]____lgodão. olho outra vez para a palavra. vou olhar imensas vezes para descobrir sentidos____ os que me são familiares e outros estranhos que aparecem sempre que olhamos muito para uma coisa. al__godão alkutum é árabe e gosto do Bi Kidude, rei do taarab. a generosidade de algo__dão contraria o vício capitalista de estimar um preço para tudo. quem dá vai ser____ a senhora da roulotte no parque de diversões, às escondidas do marido que pede 5 euros por algodão azul, rosa ou branco. doce. tenho cinco anos e lambuzo-me de algodão. e trinta anos depois, também. estico o algodão, arranco um pedaço enorme e meto-o na boca. as cores são as da infância. a roupa dos meus bebés. e os tecidos! laváveis a mais de 30°, hipoalergénicos, saudáveis. mas esses não são doces, são macios. estes e os que desmaquilham e lavam feridas.
o que há de universal no algodão: em todos os sentidos da palavra, estica-se na mão. depois de deixar de ser semente. desde a colheita. sendo certo que é melhor evitar falar das plantações. o passado do algodão é negro de escravidão, o presente é transgénico! por outro lado, se o algodão é História, o algodão é rico. oh, nada desvirtua a beleza da palavra! cor, sabor, textura, filamento de sentidos que não se desvanecem com este saber em rama.
Mas, palavra por palavra, hoje, prefiro MILAGRAR, que é uma invenção do poeta Manoel de Barros neste poema:
Prefiro as máquinas que servem para não funcionar:
quando cheias de areia de formiga e musgo - elas
podem um dia milagrar flores.
(Os objetos sem função têm muito apego pelo abandono.)
Também as latrinas desprezadas que servem para ter
grilos dentro - elas podem um dia milagrar violetas.
(Eu sou beato em violetas.)
Todas as coisas apropriadas ao abandono me religam
a Deus.
Senhor, eu tenho orgulho do imprestável!
(O abandono me protege.)
Teorizar: o meu gosto pelas palavras também varia consoante o seu estado: sólido, as que lemos; em processo de solidificação, as que escrevemos; gasoso, as que lançamos ao ar e mais ou menos lentamente se desintegram; líquido, as que fluem em conversas com amigos, amantes, filhos.
MILAGRAR, por exemplo, é palavra sólida. SUSTO também. Os imperativos líquidos divertem-me, são teatrais: Vá, VAI! MACIO gosto em estado gasoso. dizer, ouvir MACCCIO. às vezes não gosto: quando o ccc se aproxima do zzz. Gosto de VOZES. As vozes condicionam o meu gosto pela palavra. Uma palavra pode ser bela e tornar-se feia, ou vice-versa, consoante o seu estado e o seu emissor. Enfim, COMPLICO (palavra sólida e gasosa)! que as há neutras, quase transparentes, como CORES (sem adjectivo nem especificação). ou carregadas de sentido e sofrimento, como TRISTE. e gosto delas.
É claro, as palavras que preferimos são as que (nos) provocam EMOÇÕES. Agora mesmo, em estado sólido, deparei-me com esta sequência: "mamã doime o ouvido esquerdo". E desfaleci de AMOR e de culpa porque não estava no lugar certo no momento certo (odeio CERTO).
[não foi por desgostar de DOZE que acabei por eleger 14 palavras]
A CORRENTE (não gosto em nenhum estado, mas submeto-me: é o poder da palavra!__ os visados podem tentar resistir) passa para: A destreza das dúvidas - A Ilusão da Visão - A Senhora Sócrates - A Vida O Amor e as Vacas - Bandida - Cabo dos Ventos - Deliciosamente em Surdina - Divino Senão Fosse Humano - E-Konoklasta - Expresso do Oriente - Elypse - Luminescências - O Rasto dos Cometas - Plan(o)alto - Zumbido
[o número que eu mais gosto é 15. até chorei quando fiz 16 anos. juro! (termino com uma palavra que evoluiu, está cada vez mais cómica)]
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