15.1.06

Fragmentos de um discurso


Não se queixem, por favor. Vocês estão confortavelmente sentados e podem passar para outro blog num segundo. Era mais cansativo se estivessem de pé, ao sol e à chuva, na Praça da Revolução, ou na Universidade de Havana. (mas o que eu daria para assistir a um destes discursos históricos ao vivo!)
Este discurso de Fidel é muito interessante, ele reune teoria e prática, filosofia e (na minha opinião) poesia, história e marxismo-leninismo, propaganda política e persuasão (dada e extensão "cortei" as conversas directas com estudantes, nomeadamente na parte final da sua intervenção, em que ele decide contabilizar a quantidade de watts gastos por cada um dando uma lição sobre poupança de energia). É também um exercício de justificação de medidas de Estado. Mas sobretudo, é um tratado de nostalgia e de esperança no futuro, que não pode deixar de impressionar. Habla el comandante en chefe, o governante, o ditador, mais antigo do mundo.

(...) Vocês foram muito amáveis ao lembrar hoje um dia muito especial: o 60º aniversário de meu tímido ingresso nesta universidade.

Por aí há uma fotografia, andei a observá-la: um casaquinho; o rosto assim, não sei se zangado, de mau, ou de bom, ou indignado, porque essa fotografia não foi feita no primeiro dia, acho que já tinham transcorrido uns quantos meses, e eu começava a reagir contra tantas coisas como as que víamos. Não era um pensamento formado nem nada disso; era um pensamento ávido de idéias, mas também por conhecer; um espírito talvez rebelde, cheio de ilusões, de ilusões não posso dizer revolucionárias, teríamos que dizer cheio de ilusões e de energia, possivelmente também de ânsias de luta.

(...) Por aí falam dos rebeldes sem causa; porém quando lembro aquela etapa, acho que era rebelde por muitas causas, e agradeço à vida ter continuado, o tempo todo, sendo rebelde, ainda hoje, talvez com mais razão, porque tenho mais idéias, porque tenho mais experiência, porque aprendi muito de minha própria luta, porque compreendo ainda melhor esta terra na qual nascemos e neste mundo em que vivemos, hoje globalizado, e em minutos decisivos de seu destino. Não me atrevo a dizer em minutos decisivos de sua história, porque sua história é ainda mais breve, é realmente ínfima comparada com a vida de uma espécie que em anos muito recentes, talvez há 3 000, 4 000 ou 5 000 anos, deu seus primeiros passos, após sua longa e breve evolução; digo longa e breve, porque evolucionou até se tornar ser pensante talvez nalgumas centenas de milhar de anos, e no final da existência da vida neste planeta, que afirmam os conhecedores, se não me engano, surgiu, acho que, há 1 000 ou 1 500 milhões de anos, primeiro surgiu a vida e depois surgiram milhões de espécies, e nós apenas somos isso, uma das muitas espécies que surgiram neste planeta, e por isso digo que, depois de uma breve e ao mesmo tempo longa vida, chegamos a este minuto, neste milênio que, segundo dizem, é o terceiro milênio desde o início da era cristã.

(...) Bom, que a espécie não sobreviveria é algo do que se falava há dois mil anos, porque lembro que quando era estudante ouvi falar do Apocalipse, profetizado na Bíblia, é como se há dois mil anos alguns perceberam de que esta débil espécie poderia desaparecer nalgum dia.

Lógico, também os marxistas. Lembro-me muito bem de um livro de Engels, a Dialéctica, que dizia que nalgum dia o Sol se extinguiria, que o combustível que alimenta o fogo dessa estrela que nos ilumina se esgotaria e deixaria de existir a luz do Sol. E então me faço uma pergunta que, quem sabe, vocês, seus professores, ou milhares e centenas de milhar de vocês alguma vez se fizeram, e é a pergunta sobre se é possível que esta espécie possa emigrar a outro sistema solar.

(...) Pelo pouco que sabemos de física, matemática, da luz, da velocidade da luz, e dos que viajam aos planetas mais próximos, onde não encontram nada, e dos que viajaram a Vênus — acho que Vênus foi na etapa dos gregos a deusa do amor —, os que ali tenham o privilégio de chegar, vão encontrar uns furacões que são não sei quantas centenas de vezes piores que o Katrina, o Rita, o Michelle, ou o Mitch, e todos os outros similares que cada vez, com mais força nos açoitam, porque se afirma que a temperatura em Vênus é de 400 graus, e são massas de ar ou de atmosfera pesada em constante sopro.

Os que foram a Marte, que diziam que era um lugar onde poderia existir a vida — Chávez fala de que possivelmente existiu, ele brinca com isso —, e foi embora, desapareceu tudo, procuram alguma partícula de oxigênio ou algum vestígio de vida. Bem, tudo pôde acontecer, porém o mais provável é que não tivesse existido vida desenvolvida nalgum desses planetas.

(...) Falamos da vida, porque quando falamos de universidades falamos de vida.
Vocês, que são? Se me perguntassem agora mesmo, eu diria que vocês são a vida, vocês são símbolos da vida.

(...) Todos os dias descobrimos coisas novas. Há pouco recebemos notícias de que o governo dos Estados Unidos tinha cárceres secretas nos países satélites do leste da Europa, esses que em Genebra votam contra Cuba e acusam-na de violar os direitos humanos; o país onde jamais ninguém conheceu um centro de tortura durante os 46 anos de Revolução, porque em nosso país jamais foi violada aquela tradição, sem precedentes na história, de que um só homem tenha sido torturado, ou se conheça — pelo menos nós — a tortura de um só homem; e não seriamos nós os únicos em impedi-la, seria nosso povo que já tem um conceito altíssimo da dignidade humana.

Quem de nós, quem de vocês, qual de nossos compatriotas admitiria tranqüilamente a história de um só cidadão torturado, apesar dos milhares de atos de barbárie e de terrorismo cometidos contra nosso povo, apesar dos milhares de vítimas da agressão desse império que há mais de 45 anos nos bloqueia e tenta nos asfixiar por todo lado? E agora os desavergonhados dizem — como dizia recentemente um deles, perante a votação esmagadora de 182 membros das Nações Unidas, com uma abstenção — que as dificuldades são resultado do nosso fracasso, e um grande cúmplice desse bandido, que é o estado pró-nazista do Israel apóia o bloqueio? Há que dizê-lo assim, porque aqueles que cometeram esses crimes fizeram-no em nome de um povo que durante mais de 1 500 anos sofreu a perseguição no mundo, e foi vítima dos crimes mais atrozes na Segunda Guerra Mundial, o povo do Israel, que não tem nenhuma culpa dessas selvajaria genocidas ao serviço do império, que levam ao holocausto de outro povo, o povo palestino, e proclamam também o direito repugnante de atacar por surpresa e de maneira preventiva outros países .

Atualmente o império ameaça com atacar o Irã se produz combustível nuclear. Combustível nuclear não são armas nucleares, não são bombas nucleares; proibir um país que produça o combustível do futuro, é como se proibissem alguém que explore na procura de petróleo, o combustível do presente, e que está em perigo de acabar em pouco tempo. A que país do mundo se proíbe explorar combustível, carvão, gás, petróleo?

Nós conhecemos muito bem esse país. É um país de 70 milhões de habitantes, que se propõe o desenvolvimento industrial e pensa com toda razão que é um grande crime comprometer suas reservas de gás e de petróleo para alimentar o potencial de bilhões de quilowatts/hora que precisa com a urgência como país do Terceiro Mundo seu desenvolvimento industrial. E aí está o império fazendo todo o possível por impedi-lo e ameaçando com bombardear. Atualmente se debate a nível internacional quais o dia e a hora, ou se será o império, ou utilizará — como fez no Iraque — o satélite israelense para o bombardeio preventivo e surpresivo de centros de pesquisa cujo objetivo é obter a tecnologia de produção do combustível nuclear.

Nos próximos 30 anos, o petróleo, 80% dele atualmente nas mãos dos países do Terceiro Mundo, já que os outros esgotaram o seu, entre eles os Estados Unidos, que teve uma reserva imensa de petróleo e gás e apenas lhe dá para alguns anos, e por isso se quer apoderar, de qualquer jeito, do petróleo do planeta, essa fonte energética, contudo, esgota-se e daqui a 25 ou 30 anos apenas ficará uma fonte fundamental, para além da solar, a eólica, etc, para a produção em massa de eletricidade, de energia nuclear.

É longínquo o dia em que o hidrogênio, através de processos tecnológicos muito incipientes, seja a fonte mais idônea de combustível, sem o qual não poderia viver a humanidade, uma humanidade que adquiriu determinado nível de desenvolvimento técnico. Este é um problema atual.

Nosso ministro das Relações Exteriores respondeu recentemente ao convite de visitar o Irã, visto que Cuba será sede da próxima reunião de Países Não-Alinhados, dentro de um ano, e aquela nação exige seu direito a produzir combustível nuclear como qualquer outra nação entre as industrializadas e não ser obrigada a destruir a reserva de uma matéria prima, que serve não só como fonte energética, mas também como fonte de numerosos produtos, fonte de fertilizantes, fonte de têxteis, fonte de inúmeros materiais que hoje têm um uso universal.

Assim está o mundo. E veremos que aconteceria se bombardeassem o Irã com o objetivo de destruir qualquer instalação que se dedique à produção de combustível nuclear.

O Irã assinou o Tratado de não Proliferação, como também o fez Cuba. Nós jamais pensamos na fabricação de armas nucleares, porque não precisamos delas, e se tivéssemos a possibilidade, quanto custaria produzi-las, e que ganharíamos com produzir um arma nuclear perante um inimigo que tem milhares de armas nucleares. Seria participar do jogo dos confrontos nucleares.

Nós temos outro tipo de armas nucleares, são nossas idéias; nós temos armas nucleares: a magnitude da justiça pela qual lutamos; nós temos armas nucleares em virtude do poder invencível das armas morais, Por isso jamais pensamos em fabricá-las, e também não procurar armas biológicas, para que? Armas para combater a morte, para combater a Aids, para combater as doenças, para combater o câncer, a isso dedicamos nossos recursos, apesar do bandido aquele— já nem me lembro do nome desse cara, não sei se Bolton, Bordon, sei lá, que designaram representante dos Estados Unidos nas Nações Unidas, mentiroso demais, desavergonhado. Ele inventou que Cuba estava fazendo pesquisas para produzir armas biológicas no Centro de Engenharia Genética.
Também nos acusaram de colaborar com o Irã, transferindo tecnologia com aquele objetivo, e o que fazemos realmente é construir, entre o Irã e Cuba, uma fábrica de produtos anticâncer, isso é o que fazemos. Também querem proibir isso, vão para o demônio ou para onde vocês quiserem, idiotas, que aqui não vão assustar ninguém!Aplausos).

Mentirosos, desavergonhados!, todo mundo sabe que até a própria CIA descobriu que era mentira o que dizia o atual representante do governo dos Estados Unidos na ONU, e obrigaram um homem a que renunciasse por dizer que isso era mentira, e outros no Departamento de Estado também perceberam que era mentira e o sujeito estava furioso, convertido num basilisco contra todos aqueles que diziam a verdade. Esse é o representante do "Bushecinho" perante a comunidade das Nações Unidas, onde recentemente tiraram 182 votos contra seu infame bloqueio. Esse é o mundo onde pretendem impor-se pela força, na base das mentiras e do monopólio quase total dos meios de comunicação social.

(...) Todos os dias o cavalheiro que governa os Estados Unidos é descoberto com um novo truque, um novo delito, uma nova canalhice de seus membros, e vão caindo, gotejando um após um como esgalho de coco, como diria um camponês da zona leste; sim, assim vão caindo, com um pouco de barulho. Já não resta nada a inventar, porém continuam fazendo barbaridades.

Falava-lhes dos cárceres que existem em vários países, cárceres secretos onde têm seqüestrados sob o pretexto da luta contra o terrorismo, e já não só Abu Ghraib, não só Guantánamo, em qualquer parte do mundo encontra-se um cárcere secreto onde torturam os defensores dos direitos humanos; são os mesmos que em Genebra, como cordeirinhos, votam, um a um, contra Cuba, o país que não conhece a tortura, para honra e glória desta geração, para honra e glória desta Revolução, para honra e glória de uma luta pela justiça, pela independência, pelo decoro humano que deve manter incólume sua pureza e sua dignidade! (Aplausos).

(...) Procuram latinos, imigrantes que, tentando escapar da fome, atravessaram a fronteira, essa fronteira onde todos os anos morrem mais de 500 imigrantes, muitos mais em 12 meses que os que morreram durante os 28 anos que durou o muro de Berlim.

O império falava todos os dias do muro de Berlim; daquele que se construía entre o México e os Estados Unidos, onde morrem 500 pessoas cada ano, pensando escapar da pobreza e do subdesenvolvimento, tentado emigrar, não dizem uma palavra. Esse é o mundo em que vivemos.

Fósforo vivo em Al-Fallüjah! Isso significa o império, e secretamente. Quando foi denunciado, o governo dos Estados Unidos disse que o fósforo vivo era uma arma normal. Se é uma arma normal, por que não o publicaram? Por que ninguém sabia que estavam usando essa arma proibida pelas convenções internacionais? Se o napalm é proibido, o fósforo vivo é ainda mais proibido.

Todos os dias chegam notícias desse tipo, e todas essas coisas estão relacionadas com a vida, todas essas coisas têm relação com este mundo. Veja que enorme diferença daqueles tempos em que nós chegávamos à universidade, todos cheios de ideais, cheios de sonhos, cheios de boa vontade apesar de não estarmos nutridos da experiência da ideologia profunda e das idéias que se adquiriam na passagem do tempo. Assim entravam os jovens nesta universidade, que não era, certamente, a universidade dos humildes; era a universidade da classe média, a universidade dos ricos do país, mas os jovens não se importavam com as idéias de sua classe e muitos deles eram capazes de lutar, e assim o fizeram ao longo da história de Cuba.

(...) Eu pude vir à Havana porque meu pai era tinha dinheiro, e assim foi que pude formar-me como bacharel e assim por acaso consegui ingressar na universidade. Será que sou melhor que qualquer daqueles rapazes, quase nenhum deles chegou à sexta série e nenhum deles foi bacharel, nenhum deles ingressou na universidade?

Meu próprio caso, como o de mais outros, mencionei Mella, poderia mencionar Guiteras, poderia mencionar Trejo, que morreu numa dessas manifestações um 30 de setembro, na luta contra Machado; poderia mencionar nomes como os que vocês aqui destacaram no início deste ato.

Antes da Revolução, sempre houve estudantes nobres que estavam contra a tirania batistiana, dispostos ao sacrifício, dispostos a dar a vida. E assim, quando a tirania batistiana voltou com todo seu rigor, muitos estudantes lutaram e muitos estudantes morreram, e aquele jovem de Cárdenas, Manzanita, como lhe chamavam, sempre rindo, sempre amável, sempre carinhoso com os demais, se destacava pela sua valentia, sua integridade, quando descia pelas escadarias, quando enfrentava os carros de bombeiros, quando enfrentava a polícia. Assim surgiram todos eles.

Se você visita a casa onde viveu Echeverría — José Antonio, vamos chamá-lo assim —, percebe que é uma casa boa, uma excelente casa. Vejam só como os estudantes não se importavam com sua origem social, nessa idade de tanta esperança, de tantos sonhos.

(...) Quando triunfou a Revolução neste hemisfério, ao lado do império e rodeado de satélites do império, com alguma exceção, iniciávamos um caminho muito difícil. Era outra época, foram uns quantos anos após nosso ingresso na universidade.
Nós ingressamos na universidade finalizando o ano 1945, e iniciamos nossa luta armada no quartel Moncada em 26 de julho de 1953, realmente, quase oito anos depois, e a Revolução triunfa cinco anos, cinco dias e cinco meses após o Moncada, e depois de um longo percurso pelos cárceres, pelo exílio, e pela luta nas montanhas. Foi um tempo, se o vemos historicamente, se o comparamos com as lutas anteriores, tão duras e tão difíceis de nosso povo, um tempo relativamente breve, e foram duas etapas: a entrada na Universidade, a saída e o golpe de Estado de 10 de março de 1952.

(...) Lembro, que estávamos construindo na vila de Bejucal um centro de biotecnologia importantíssimo. Perto havia um pequeno cemitério. Eu visitava o lugar de vez em quando, um dia passei pelo cemitério, e lá existia um mercado colossal onde aquela força de construtores, seus chefes e a participação de um alto número de pedreiros, tinham lá um mercado de venda de produtos: cimento, vigas, madeira, pintura, tudo quanto é usado para construir.

(...) Nesta batalha contra os vícios não haverá trégua com ninguém e cada coisa será chamada por seu nome, e nós apelaremos à honra de cada setor. Estamos certos de uma coisa: de que em cada pessoa há uma alta dose de vergonha. Quando ela fica pensando não é um juiz severo, apesar de que, segundo minha opinião, o primeiro dever de um revolucionário é ser sumamente severo consigo próprio.

Fala-se em crítica e autocrítica, sim, mas nossas críticas costumam vir só de um grupinho, nunca utilizamos a crítica mais ampla, nunca utilizamos a crítica num teatro.

Se um funcionário da Saúde Pública, por exemplo, falsificou um dado, acerca da existência do mosquito Aedes Aegypti, é chamado, criticado. Eu conheço alguns que dizem: "Sim, me autocritico", e ficam tão tranqüilos, rindo! São felizes! Ah!, você se autocritica? E todo o dano que fez e todos os milhões que se perderam em conseqüência deste desleixo ou desta forma de agir?

Crítica e autocrítica, é muito correto, isso não existia; mas não, se vamos travar a batalha devemos usar projéteis de maior calibre, é preciso utilizar a crítica e a autocrítica na sala da aula, na organização de base do Partido, e depois fora dela, depois no município e depois no país.

Utilizemos essa vergonha que, sem dúvida, têm os homens, porque conheço muitos homens aos que chamamos de sem-vergonhas, e são justamente qualificados de sem-vergonhas, que quando em um jornal local aparece a notícia do que fez, então fica envergonhado. O ladrão engana, ou o que merece uma crítica por sua falta, engana, é também mentiroso.

A Revolução tem que usar essas armas, e vai usá-las se for necessário! Não deveria ser necessário. A Revolução vai estabelecer os controles que forem necessários.

(...) Temos dito que é preciso mudar o mundo, que é preciso salvá-lo, que estamos em um mundo em sua hora crítica e quase perto de um trágico final, não estou exagerando aqui para impressionar vocês todos. Pode ser que vocês tenham menos anos que eu e esse fenômeno acontecer.

(...) Nunca gostei dos touros, embora tenha lido a Hemingway, mas de quando em vez freqüentava uma corrida de touros no México, não sei como se chama. E depois, o premio: bom toureiro, cauda, orelha. Quem o fazia perfeito lhe entregavam as duas orelhas, a cauda, um nome glorioso e a festa romana do toureio. Não tenho nada a ver com isso.

Lembro que no começo da Revolução não sei a quem de nós, ou a qualquer de nós, se nos ocorreu falar em toureio. Éramos tão ignorantes que falávamos do toureio, porque já o tínhamos visto lá em México e porque podia atrair ao turismo. Vejam quanto nós sabíamos, e já éramos, ou acreditávamos que éramos, muito revolucionários.

Vocês estão rindo, fico contente, porque fico animado para contar-lhes mais outras coisas.

Uma conclusão que tirei após muitos anos: entre muitos erros que todos temos cometido, o erro mais importante foi acreditar que alguém sabia de socialismo, ou que alguém sabia como se constrói o socialismo.

(...) Tive o privilégio de conhecer aos da Teologia da Libertação uma vez no Chile, quando visitei a Allende no ano 1971, e lá encontrei muitos padres ou representantes de diversas denominações religiosas, e colocavam a idéia de juntar forças e lutar, sem levar em conta suas crenças religiosas.

O mundo está precisando desesperadamente de uma unidade, Sé não conseguirmos conciliar o mínimo dessa unidade, não chegaremos a lugar nenhum.

Dizia ontem numa reunião com o representante da Santa Sé em nosso país, ao comemorar-se o 70 Aniversário das relações ininterrompidas entre Cuba e o Vaticano, que uma das coisas que apreciei muito em João Paulo II foi o espírito ecumênico. Porque estudei em escolas de mestres e professores religiosos desde a primeira classe até a sexta classe, nas escolas dos Irmãos da Salle e de jesuítas, eram religiosas, e tinha que ir a missa todos os dias. Não critico a quem desejar ir a missa, mas não concordo com que obriguem a ir todos os dias, que era o que acontecia comigo.

(...) Quando estudamos os casos dos jovens que estão em prisão entre 20 e 30 anos de idade, vemos a procedência, níveis culturais dos pais, e tem influencia decisiva, de tal maneira que durante a batalha de idéias, nós, fazendo todo tipo de pesquisas sociais dessa índole, chegamos à conclusão de que o delito em Cuba estava estreitamente ligado ao nível cultural e ao status social dos pais; era incrível a baixíssima porcentagem de filhos de profissionais universitários e intelectuais que cometiam delitos. Como também era incrível o número de aqueles que procediam de famílias humildes onde não existia essa base cultural. Outro problema que influía muito: era a desintegração do núcleo numa família humilde de baixo nível cultural. Alguns filhos não ficavam nem com o pai nem com a mãe, mas sim com uma tia, uma avô com dificuldades de saúde ou outros problemas, isto exercia uma notável influencia no destino da criança.

Foi então quando usamos aquelas brigadas universitárias que visitavam os bairros mais pobres, ou um dia quando decidimos mobilizar 7 000 estudantes aos que depois entreguei a cada um, um diploma, os assinei no avião quando voltava de África, pelo caminho, ninguém sabe as horas intermináveis que fiquei assinando milhares de diplomas, pelo valor que lhe concedia a aquele trabalho.

(...) Será que as Revoluções estão chamadas a se derrubarem, ou será que os homem podem fazer com que as revoluções se derrubem?. Os homens podem ou não impedir, a sociedade pode ou não pode impedir que as revoluções se derrubem?. Até poderia acrescentar-lhes uma pergunta imediatamente. Acham que este processo revolucionário, socialista, pode ou não derrubar-se? (Exclamações de: "Não!") Pensaram nisso alguma vez? Pensaram-no com profundeza?

(...) Mas a CIA tinha descoberto que eu tinha Parkinson. Bom, não tem importância se sofresse de Parkinson. O Papa tinha Parkinson e ficou muitos anos percorrendo o mundo, tinha uma grande vontade, lhe fizeram atentados, e eu fiz assim: "Deixa ver como é que está meu Parkinson, deixa apontar (aponta fixamente com o dedo indicador) (aplausos e exclamações), e então eu digo: Essa é a direita".

(...) Uma vez disse que no dia em que morrer de verdade ninguém ia acreditar nisso, podia andar como o Mio Cid, que após a morte foi levado a cavalo ganhando batalhas.

(...) Transcorreram 46 anos e a história deste país é conhecida, os habitantes deste país a conhecem; a daquele império vizinho também, o seu tamanho, seu poder, sua força, sua riqueza, sua tecnologia, seu domínio sobre o Banco Mundial, seu domínio sobre o Fundo Monetário, seu domínio sobre as finanças mundiais, esse país que tem-nos imposto o mais brutal e incrível bloqueio, sobre o qual se falou lá nas Nações Unidas e Cuba recebeu o apóio de 182 países que passaram e votaram livremente ultrapassando os riscos de votar abertamente contra esse império. E isso foi conseguido pela ilha, e não precisamente contando com o apóio do campo socialista da Europa, quando esse campo socialista desapareceu e quando a URSS também se derrubou. Não apenas fizemos esta Revolução com o nosso próprio risco durante muitos anos, em determinado momento, tínhamos a certeza de que jamais se fossemos atacados direitamente pelos Estados Unidos lutariam por nós, nem podíamos pedi-lo.

(...) Agora, neste país pode-se poupar mais energia, inclusive, que em outros, porque este país tem 2 400 000 geladeiras antiquadas na área dos núcleos familiares, que consumem quatro ou cinco vezes mais eletricidade por hora, e esse consumo fazem-no durante 24 horas.

(...) Vale a pena ter nascido! Vale a pena ter vivido! (Ovação.)

Discurso de Fidel Castro, proferido na Aula Magna da Universidade de Havana, em 17 de novembro de 2005, por ocasião do 60º aniversário da sua entrada na universidade. Tradução para brasileiro dos serviços oficiais cubanos.

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