20.2.13

É o mais certo

Bea Emsbach


I
é o mais certo. mesmo que os rebentos se puxem. pelo menos os pés, continuam agarrados à cabeça das mães.
e elas agarram-se umas às outras. que condói este parto. de cortar o cordão ao longo das vidas.


II
é o mais certo. mesmo que Pentesileias e batalhas com Ulisses, mesmo que arco-flecha e lança, de seios comprimidos queimados cortados, nunca seremos a-mazós amazonas mulheres sem peito. varonis e robustas em Termodonte batalhas que perdemos, vingamo-nos com sangue e inocência. movidas pelo desespero da beleza.



MRF
2005

20.1.13

Pensamentos

Ives Netzhammer


aconteceu-lhe ter dois pensamentos simultâneos ao olhar para ele.
o primeiro nasceu do odor da sua voz do som da sua pele da cor dos sentidos do silêncio sinfónico. cresceu no presente do indicativo mais pessoal. e era premente. fazes-me querer viver.
fractal, o segundo. como duas ilhas, não sendo certa a força que os fazia pertencerem ao mesmo arquipélago. quero no futuro que digam de nós que somos velhos e fragéis de força mas sempre amantes. como se o calor dos nossos corpos hoje transbordasse até os nossos corpos vergados desse muito depois de amanhã.

e então ela ascendeu aos céus. para congelar o momento. e afinal não viveu.


MRF
2005



7.1.13

Adeus



ai não sei de mim... ai não sinto nada...
ai e não voltarei...

Migração

Daqui a algumas horas vou mudar de Estado. Vou juntar-me a todos os que migram para deixar de ser o que eram. Não sei se falo a língua do meu destino.


MRF,
Ágora(fobia)

5.1.13

Condição

ANA LAÍNS

...de la intolerable opresión de lo sucesivo


Poco diré da la singular "historia de la eternidad" que da nombre a estas páginas. En ele principio hablo de la filosofia platónica; (...) No sé cómo pude comparar a "inmóbiles piezas de museo" las formas de Platón y cómo no entendí, leyend...o a Schopenhauer y al Erígena, que éstas son vivas, poderosas y orgánicas. El movimiento, ocupación de sitios distintos en instantes distintos, es inconcebible sin tiempo; asimismo lo es la inmobilidad, ocupación de un mismo lugar en distintos puntos del tiempo. Cómo pude no sentir que la eternidad, anhelada con amor por tantos poetas, es un artificio espléndido que nos libra, siquiera de manera fugaz, de la intolerable opresión de lo sucesivo?

in JORGE LUIS BORGES, "Historia de la eternidad", Debols!llo, 2011, p. 9  

 (Publicado pela primeira vez em 1936, um ano depois da "História Universal da Infâmia". Uma nova edição anda agora nos escaparates das livrarias portuguesas.)

1.1.13

e se fosse 1 de janeiro faria um espectáculo de fogo de artifício para vocês. assim...



Anneke Bevrijdings, Feest

26.12.12

Quem assim tem o verão dentro de casa

É Natal, nunca estive tão só.
Nem sequer neva como nos versos
do Pessoa ou nos bosques
da Nova Inglaterra.
Deixo os olhos correr
entre o fulgor dos cravos
e os diospiros ardendo na sombra.
Quem assim tem o verão
dentro de casa
não devia queixar-se de estar só,
não devia.

Eugénio de Andrade

21.12.12

Príncipe

Rui Guerra, Un prince


daqui deste lado da história já todos sabemos que é Natal, mas meu príncipe nunca percebe o que é óbvio. em meados de dezembro fui buscar luzinhas e enfeites ao sotão. (as pessoas nunca falam desses adereços como seus, mesmo que os tenham comprado no ano anterior. parece-lhes sempre que pertenceram à mãe ou à avó. mas pertencem a filhos, porque - não sei se vos acontece pensar assim - nós somos pais e avós daqueles que fomos nos anos passados). como me deprimem os pinheiros decepados e os pinheiros de plástico (é desnecessário explicar-vos porquê, estou certa), costumo decorar taças e janelas e cantinhos da casa com eles. e foi o que fiz. meu príncipe aceita todas as minhas decisões desde que elas me façam feliz. e feliz eu estava. des-envolver bolas de natal coloridas encanta-me. des-enlaçar fios cravejados de flores luminosas apazigua-me. e o mesmo acontece quando penduro anjinhos gabriel em prateleiras ou vãos de escada e ajoelho reis magos sobre a lareira e enrodilho palha para o menino que escondo debaixo dos travesseiros da casa até o dia 25, porque me revejo criança e outras crianças, e mergulho a mão na meia de lã pendurada na porta e agarro o pó dourado e parece magia quando ele chove, e menina rio e todas as crianças que não estão ali riem comigo. meu príncipe gosta da festa que faço. então ontem pegou na máquina fotográfica e disse queres um espelho redondinho? muitos espelhos redondinhos? e fez flash flash flash flash e depois mostrou o que os relâmpagos tinham feito a minhas bolas. havia um príncipe lá no meio. zanguei-me. meu príncipe não sabia que era quase Natal? devíamos ser dois nas bolinhas. para ver se um nosso menino nasce e ri mais alto que os irmãos que partiram antes de todos os Natais.

MRF
Dez' 2005