Encostado ao muro, mesmo ao lado do portão principal, está um rapaz que não tem mais de 15 anos. Segura com as duas mãos um frasco de vidro, daqueles das salsichas Nobre, tamanho xxl, cheio de água e duas rosas vermelhas. É magrinho, está muito quieto, ar circunspecto, ninguém daria por ele, não fora as flores, o recipiente e o dia. De repente, vira a cabeça e tudo se agita.
Seguimos o olhar. Um rapaz da mesma idade, mas com o dobro da altura, caminha a passos largos na sua direção. Tem a coluna curva e, à medida que avança, olha à volta, depois salta, sorri, volta a parecer incomodado, volta a sorrir, abraçam-se. Começam a conversar, falam alto, o que chega gesticula imenso. E dá entrada o movimento: o frasco que se estende, a mão que o rejeita; as rosas que lhe tocam o rosto, o braço que afasta as rosas. Muitas vezes.
Ouvimos os argumentos: as flores custaram dois euros e meio, não te pedi nada.
Até que o rapaz alto entra na escola. Novamente sozinho no passeio, o mais miúdo baixa a cabeça, sempre com as duas mãos a agarrar o frasco de vidro, e fica ali parado uns instantes. Depois fixa as rosas e começa a andar em linha recta. Parece hipnotizado pelo balanço das flores.
Sentados na esplanada do outro lado da rua, os clientes do café, a maioria alunos da mesma escola, assistem à cena. Partilham sorrisos, cúmplices na comoção ou no escárnio. Um pouco depois do rapaz dobrar a esquina e desaparecer, ouve-se o comentário: é por causa de cenas destas que às vezes sou homofóbico.
[não se indignem. a mim, sossegaram-me logo: quem falou foi o D., que é porreiro e é gay]
(e agora é tarde na noite e estou aqui a pensar que talvez o rapaz das duas flores nunca mais esqueça este dia em que era um rapaz enjeitado com duas flores.que talvez o amigo nunca mais esqueça este gesto e se comova sempre com o gesto e consigo.que talvez o D., porque é porreiro, deixe de dizer merdas nos dias merdosos de São Valentim dos outros. ou nada disso. porque nem eu sei por que razão não deixo de pensar no miúdo do frasco)
14 fevereiro 2019
Seguimos o olhar. Um rapaz da mesma idade, mas com o dobro da altura, caminha a passos largos na sua direção. Tem a coluna curva e, à medida que avança, olha à volta, depois salta, sorri, volta a parecer incomodado, volta a sorrir, abraçam-se. Começam a conversar, falam alto, o que chega gesticula imenso. E dá entrada o movimento: o frasco que se estende, a mão que o rejeita; as rosas que lhe tocam o rosto, o braço que afasta as rosas. Muitas vezes.
Ouvimos os argumentos: as flores custaram dois euros e meio, não te pedi nada.
Até que o rapaz alto entra na escola. Novamente sozinho no passeio, o mais miúdo baixa a cabeça, sempre com as duas mãos a agarrar o frasco de vidro, e fica ali parado uns instantes. Depois fixa as rosas e começa a andar em linha recta. Parece hipnotizado pelo balanço das flores.
Sentados na esplanada do outro lado da rua, os clientes do café, a maioria alunos da mesma escola, assistem à cena. Partilham sorrisos, cúmplices na comoção ou no escárnio. Um pouco depois do rapaz dobrar a esquina e desaparecer, ouve-se o comentário: é por causa de cenas destas que às vezes sou homofóbico.
[não se indignem. a mim, sossegaram-me logo: quem falou foi o D., que é porreiro e é gay]
(e agora é tarde na noite e estou aqui a pensar que talvez o rapaz das duas flores nunca mais esqueça este dia em que era um rapaz enjeitado com duas flores.que talvez o amigo nunca mais esqueça este gesto e se comova sempre com o gesto e consigo.que talvez o D., porque é porreiro, deixe de dizer merdas nos dias merdosos de São Valentim dos outros. ou nada disso. porque nem eu sei por que razão não deixo de pensar no miúdo do frasco)
14 fevereiro 2019
3 comentários:
Excelente texto, parabéns!
APVS
Adorei!
Aluguel de Van RJ
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