28.2.05

Laicidade I


Dave April, Alternative Thinking

Étíenne Pion é o presidente da CAEDEL - Centre d'action européénne démocratique et laïque, e está neste momento a fazer um conjunto de conferências por todo o país. A temática é "Laicidade. Um bom Princípio para o século XXI". Ontem esteve em Aveiro na livraria O Navio de Espelhos e posso dizer-vos que foi um prazer ouvir este senhor.
Comecemos por definir laicidade. Segundo Étíenne Pion (EP), é um conjunto de valores e ao mesmo tempo um sistema de vida social e cívica. Quais são esses valores? O primeiro é o da liberdade absoluta da consciência, a liberdade de crer ou não num Deus, de ter uma religião ou de mudar de religião, ou de ser ateu. Quebra-se assim uma ideia preconcebida em relação à laicidade. Segundo EP um ateu é geralmente laico mas nem todos os laicos são ateus.
O segundo valor ou princípio é o de que a liberdade de consciência supõe liberdade de expressão. Seria um paradoxo poder pensar e não poder expressar o pensamento.
A independência do espírito implica a recusa do dogma. Por excelência, os laicos são a-dogmáticos. Este pressuposto aplica-se a todo o tipo de dogmas: religiosos, políticos, culturais, e até económicos.
A recusa da verdade dogmática em qualquer domínio não invalida a existência de critérios de referência, até porque estes são sempre necessários. Para os laicos esses critérios fundam-se na Razão. A Razão como instrumento da reflexão livre. O que não significa que recusem outras formas de pensamento, assentes na sensibilidade, na intuição ou na imaginação. Estas formas são adaptáveis à razão.
O que o laico defende é: rigor nas reflexões e abertura no pensamento.
Esta abertura encaminha-nos para os outros - é importante conhecer outros pontos de vista que confrontem a nossa visão do mundo.
A esta abertura chamamos normalmente tolerância. Tolerar significa admitir qualquer coisa que não se aceita, quase como uma obrigação moral. Por isso EP prefere definir a laicidade como um sistema que "respeita as diferenças". É uma ideia mais positiva que facilita o contacto com os outros. A laicidade quer gerar uma atitude favorável à vida colectiva.
Contudo, esta noção de tolerância ou de respeito pela diferença tem limites. O nazismo não é tolerável!
Mas deve combater-se as ideias e não as pessoas. E sobretudo, formar a opinião pública de forma a que os nossos sistemas democráticos não "produzam" movimentos extremistas de intolerância.
Um laico caracteriza-se pela procura da verdade, a sua verdade, através do contacto com os outros. As ideias mais importantes, salienta EP, são as que envolvem o interesse público. A laicidade reage assim contra o excesso de individualismo reinante nas nossas sociedades. Os media e a maior parte dos agentes de sociabilização promovem a elevação do nível de vida, o máximo conforto e o bem-estar individual. Acabamos por esquecer os problemas globais da sociedade. Por exemplo, a solidariedade não é tão sistemática quanto deveria ser. Para EP, o mutualismo, o associativismo, o cooperativismo contribuem para a criação de uma moral laica.
Quebrando outro dogma, EP afirma que o conteúdo da moral religiosa e da moral laica é por vezes semelhante. A moral é entendida como uma necessidade social e, para um laico, essa motivação é suficiente.
A noção de moral não pode, contudo, ser vista como um conjunto de interdições ou como uma lista de obrigações. A moral laica resulta da livre apreciação individual e colectiva do que é bom para a vida social.

Todos estes aspectos dizem respeito a um conjunto de valores abstractos e filosóficos que caracterizam o pensamento laico. Mas existe uma segunda perspectiva obrigatória a ter em conta para compreender a laicidade. É preciso compreender como os sistemas sociais, cívicos e jurídicos, regulados por instituições, aplicam o ideal laico. (Contin. num próximo post)

Agradeço ao André Esteves o convite

2 comentários:

Elvira disse...

Blogue interessante. Gostei da visita. Hei de voltar...

ana.in.the.moon disse...

Bem, acho que é a milionésima tentativa que faço para te deixar aqui um comentário a dizer que me senti presente na conferência ao ler o teu texto! Penso que isso seja uma definição para "escrever bem". Obrigada.