2.2.05

Uma casa no fim do mundo


Paulo de Sousa

Michael Cunningham escreveu Uma Casa no Fim do Mundo, antes de As Horas ou de Sangue do Meu Sangue. mas demorei algum tempo até encontrar este livro. dos três, acho que é o meu favorito. mas isso pouco interessa.
O que este livro nos oferece é, mais uma vez, a sensibilidade do escritor. que compõe frases que conseguem transmitir estados psíquicos. os dos seus personagens de ficção, aqui Bobby, Jonathan e Clare. e, por projecção, os dos leitores. Podemos não nos identificar com as vivências afectivas mas certamente as reconhecemos, já as apreendemos aqui e ali, olhando à nossa volta.
Colocar verbalmente estas vivências tão subtis é a arte de Cunningham, embora ele considere (através da personagem "Virginia Woolf", em As Horas) que o livro que se tem na cabeça é sempre melhor do que aquele que se consegue pôr no papel. Neste livro, acompanhamos a história de dois homens, que se conhecem ainda na infância, e de uma mulher que cruza as suas vidas. um retrato da condição humana, cheio de quotidianos, ilusões, morte, fugas, amor, lealdade, aceitação. tudo o que é possível encontrar numa vida. sobretudo se essa vida teimar como a árvore da foto de Paulo Jorge de Sousa.
- Hum. - Bobby pousou o braço nos meus ombros, porque gostava de mim e porque desejava ardentemente que eu me calasse. Rodeei-lhe a cintura com o braço. Lá estava o seu cheiro, a sua carne sólida, familiar. Contemplámos o nascer do sol. Bobby era quente e substancial, o cérebro cheio de pensamentos que me eram ao mesmo tempo familiares e completamente estranhos. Ainda tinha no pulso o sinal cor de fígado. Clare esperava por nós dentro do carro, derrotada pela paisagem. Nesse momento acreditei que nunca tinha amado ninguém além dos meus pais e daquelas duas pessoas. Julgo que nunca recuperamos inteiramente dos nossos primeiros amores. Julgo que, na extravagância da juventude, oferecemos os nossos afectos facilmente, quase arbitrariamente, na falsa convicção de que teremos sempre mais para dar. (pp 265)

2 comentários:

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

batatas, obrigado pelo comentário. e sabes, li o Rebecca em miúda, antes mesmo de saber que o Hitchcock tinha realizado o filme. voltei a relê-lo mais tarde, e é raro encontrar quem conheça o livro. Por causa dos filmes (os Pássaros, tb), a Daphne du Maurier foi relegada para um segundo plano. Bjs

r.e. disse...

andamos mesmo síntonos. se verificares o meu profile, tenho o Sangue do meu Sangue referido, apesar de ter gostado de todos os do Cunningham. É daqueles escritores que me deixa no fim de cada livro uma ânsia de saber se já foi editado outro. é bom continuar a sentir esta partilha de tanta coisa, neste teu espaço. anseio também por ler mais coisas tuas. obrigado pelas tuas visitas assíduas. tem sido um prazer receber-te. mesmo. Um beijinho. J.