19.2.07


"Bebi um trago de cerveja fresca e pus as ideias em ordem.
- O que acontece é que andas à procura do teu lugar no quadro da novíssima ficção. Estás de tal maneira preocupada com isso que nem tens necessidade de expor os teus sentimentos por escrito. Além disso, não tens sequer tempo para isso.
- Não percebi nada. E tu, também tens o teu lugar no quadro da ficção?
- Acho que a maioria das pessoas vive fora da realidade. Eu não sou excepção. Basta pensares na transmissão de um carro. É como se existisse uma transmissão que nos liga à crua realidade da vida, capaz de utilizar a energia do exterior através da embraiagem para que as mudanças engrenem na perfeição. É assim que mantemos o nosso frágil corpinho intacto. Isso faz algum sentido para ti?

(...)
- Que estou numa situação precária também eu sei. Como é que hei-de explicar? Às vezes sinto-me sozinha. É como se ficasse completamente desamparada, depois de ter sido despojada de tudo aquilo que estava habituada a ter à minha volta. Como se a gravidade tivesse deixado de existir, e eu me sentisse flutuar no espaço exterior, à deriva, sem saber para onde estou a ir.
- Como um pequeno Sputnik que andasse perdido?
- Acho que sim."

in SPUTNIK Meu Amor, de Haruki Murakami
Ed. Notícias, pp 76-77

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