"Mais uma vez, então, isto", escreve ele no seu diário, "mais uma vez o amor, o fascínio por um ser, o profundo impulso para ele - há já vinte e cinco anos que não morava aqui, e isto deveria acontecer-me uma vez mais." (...) é para ele um momento de felicidade quando pode trocar algumas palavras com o rapaz que lhe acende o cigarro (...) e quando o rapaz lhe agradece com um sorriso amável. Nada mais se passa entre eles, mas de manhã à noite, e ainda em sonhos, os pensamentos do escritor giram em volta do "querido", a quem ele também chama - no perfeito sentido de Platão - "excitador" ou "enlouquecedor".
Acorda a meio da noite e, como escreve com orgulho e vergonha em simultâneo, experimenta um "violento ataque de poder e liberdade". Fica cada vez mais nervoso, desconcentrado, incapaz de trabalhar, dorme ainda pior do que habitualmente, tem de tomar valeriana e, "como calmante", lê Adorno, o que não lhe adianta nada, porque tudo para ele está "impregnado e dominado (...) pela privação enlutada do excitador, pelo sofimento, pelo amor, pela espera febril, pelos devaneios a toda a hora, pela dispersão e pela dor". (...)
Este amor é uma embriaguez, vê - e nomeia - o divino na beleza do amado, à la longue leva à criação, e procura e encontra a imortalidade, ou seja, na obra do escritor. (...)
Não tem a ver com o aspecto homossexual do caso - este Franzl poderia muito bem ser uma Franziska, se as preferências do escritor tivessem sido outras (no velho Goethe foi uma Ulrike). Não, trata-se da perfeita unilateralidade deste amor e da renúncia deliberada do escritor a empreender a mínima tentativa de o tornar recíproco. Na verdade, ele sabe muito bem que este amor (...) se revelaria muito rapidamente uma futilidade, um nada insípido (...) e, o que é mais importante ainda, se revelaria inútil naquilo que verdadeira e unicamente ele toma a peito: ele próprio e a sua obra. (...)
A morte será um tema? Ou será antes aquilo que não pode ser tema? Pode-se falar tanto e tão vivamente sobre o amor, e há tão pouco a dizer sobre a morte! (...)
Como é possível então que esta sinistra maçadora seja relacionada com Eros, que é louco, diga-se, mas mais virado para a alegria e para o prazer; e não só a título de pólo oposto (...), mas na qualidade de parceira? E como é possível que a iniciativa desta parceria não parta de Tanatos (...), mas do próprio Eros, o "enlouquecedor", o "excitador" que estaria pretensamente na origem de todo o impulso criador?
Extractos de sobre o amor e a morte de Patrick Süskind
Edit. Presença, pp. 21-33
[Esta associação entre a paixão de um velho escritor por um jovem Franzl, analisada por Süskind, e a de Gustav Von Aschenbach por Tadzio, criada por Thomas Mann e recriada por Visconti, é minha. O Süskind não foi tido nem achado. Foi assim, sem querer, que o autor de O Contrabaixo me ajudou a "ler" A Morte em Veneza.]
Acorda a meio da noite e, como escreve com orgulho e vergonha em simultâneo, experimenta um "violento ataque de poder e liberdade". Fica cada vez mais nervoso, desconcentrado, incapaz de trabalhar, dorme ainda pior do que habitualmente, tem de tomar valeriana e, "como calmante", lê Adorno, o que não lhe adianta nada, porque tudo para ele está "impregnado e dominado (...) pela privação enlutada do excitador, pelo sofimento, pelo amor, pela espera febril, pelos devaneios a toda a hora, pela dispersão e pela dor". (...)
Este amor é uma embriaguez, vê - e nomeia - o divino na beleza do amado, à la longue leva à criação, e procura e encontra a imortalidade, ou seja, na obra do escritor. (...)
Não tem a ver com o aspecto homossexual do caso - este Franzl poderia muito bem ser uma Franziska, se as preferências do escritor tivessem sido outras (no velho Goethe foi uma Ulrike). Não, trata-se da perfeita unilateralidade deste amor e da renúncia deliberada do escritor a empreender a mínima tentativa de o tornar recíproco. Na verdade, ele sabe muito bem que este amor (...) se revelaria muito rapidamente uma futilidade, um nada insípido (...) e, o que é mais importante ainda, se revelaria inútil naquilo que verdadeira e unicamente ele toma a peito: ele próprio e a sua obra. (...)
A morte será um tema? Ou será antes aquilo que não pode ser tema? Pode-se falar tanto e tão vivamente sobre o amor, e há tão pouco a dizer sobre a morte! (...)
Como é possível então que esta sinistra maçadora seja relacionada com Eros, que é louco, diga-se, mas mais virado para a alegria e para o prazer; e não só a título de pólo oposto (...), mas na qualidade de parceira? E como é possível que a iniciativa desta parceria não parta de Tanatos (...), mas do próprio Eros, o "enlouquecedor", o "excitador" que estaria pretensamente na origem de todo o impulso criador?
Extractos de sobre o amor e a morte de Patrick Süskind
Edit. Presença, pp. 21-33
[Esta associação entre a paixão de um velho escritor por um jovem Franzl, analisada por Süskind, e a de Gustav Von Aschenbach por Tadzio, criada por Thomas Mann e recriada por Visconti, é minha. O Süskind não foi tido nem achado. Foi assim, sem querer, que o autor de O Contrabaixo me ajudou a "ler" A Morte em Veneza.]