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1.10.12

Literatura & Arquitectura

[No Dia Mundial da Arquitectura____________________, celebrado em Portugal no dia que as Nações Unidas destinaram ao dia mundial do habitat, 1ª segunda-feira de Outubro.]

24.6.12

Bernardo Sassetti (n. 24 de Junho 1970 - m. 2012)

Como Desenhar Um Circulo Perfeito (2009)

Realização: Marco Martins Argumento: Gonçalo M. Tavares, Marco Martins
Música: Bernardo Sassetti

As Ilhas Desconhecidas (2009)
Realizador: Vicente Jorge Silva
Escritores: Vicente Jorge Silva (escritor), Raul Brandão (livro)
Música: Bernardo Sassetti

Second Life - Behind The Scenes Teaser (2009)

Realizador: Miguel Gaudêncio, Alexandre Valente
Escritores: Alexandre Valente
Música: Bernardo Sassetti

11.12.06

foi um fim de semana

Irving Penn
Girl in Bed, 1949



... em que fiquei enclausurada graças a uma nevralgia intercostal com espasmos que é uma daquelas coisas que devem evitar a todo o custo, sobretudo se tiverem duas filhas que sonham com uma casa enfeitada assim para o Natal, ou se existirem bons programas na cidade, para não falar no tempo, ah o tempo, hoje esteve um belo dia frio de sol, bom para passear, enfim, nem falemos do fim de semana prolongado que estava reservado para uma viagem ao sul até à casa de bons velhos amigos. e que saudades que eu tenho desses amigos que nos conhecem desde sempre, pois, o tempo passa e agora parece desde sempre. sim, evitem. sobretudo os espasmos. e nunca entrem em urgências hospitalares dobrados em dois porque demoram algum tempo a recuperar a dignidade (a postura é importante para exigir que nos falem como gente que somos e não como pobres ignorantes a quem não vale a pena explicar nada). evitem. a injecção da praxe nem dói (dada por enfermeiros, que os nossos médicos ortopedistas preferem ficar sentados, dando a impressão aos pacientes de que sofrem de paralisia. talvez seja estratégico) mas o antes e o quanto-continua-a-doer-depois não compensa. enfim, daqui a uns dias estou boa. mas foi estranho não estar grávida e ter contracções. uma espécie de contracções invertidas, intercostais.
evitem. a não ser que tenham algumas leituras para pôr em dia. o meu consolo. nem a propósito, tinha-me abastecido uns dias antes nas livrarias que por esta altura parece que vão afundar-se em livros e novidades. atirei-me aos tugas e a um alemão. O Senhor Walser do Gonçalo M. Tavares foi consumido numa noite, o Duende de António Franco Alexandre (Assírio & Alvim), em algumas horas. As Feiticeiras que estavam pousadas há algum tempo na mesa de cabeceira, voaram também. O Ultimo Coração do Sonho de Al Berto (Quasi) e O Aprendiz Secreto de António Ramos Rosa (Quasi) estão ali à espera, ando a intercalá-los com Sobre o Amor e a Morte de Patrick Süskind (Ed. Presença), um ensaio. Quando acabar atiro-me ao Possidónio Cachapa, autor de belos livros, que se devoram, e que agora lançou Rio da Glória (Oficina do Livro) e há um ano O Meu Querido Titanic (na mesma editora) mas eu desconhecia.

Diz o Süskind, "os poetas não escrevem sobre aquilo de que detêm conhecimento, mas sobre aquilo de que não possuem a última palavra; não o fazem porque não sabem mais, mas porque querem a todo o custo saber com muita precisão. É este conhecimento imperfeito, é este sentimento de profunda estranheza que os leva a pegar no cinzel, na pena ou na lira.(A cólera, o luto, a exaltação, o dinheiro, etc. são completamente secundários.) De outro modo não haveria poemas, romances, peças de teatro, etc., mas tão só comunicados."
As minhas leituras têm a mesma motivação. Mesmo que também aprecie comunicados___ quando se trata de nevralgias. Vi-me grega para perceber o que era, de onde vem, para onde vai.

Aos laboratórios Viatris e Almirall agradeço os momentos de sossego que os respectivos Metanor e Airtal me vão proporcionando, e a vocês desejo uma excelente semana pré Natal!

6.12.06

O Bairro de Gonçalo M. Tavares


O Bairro de Gonçalo M. Tavares tem mais um habitante, O Senhor Walser. Imagino que o Senhor Henri e o Senhor Valéry não lhe liguem nenhuma, que o Senhor Brecht tenha grandes discussões com ele___ enfim, quando o encontrar, que a casa fica um pouco afastada.

Por agora, nas minhas leituras, o Senhor Walser anda muito satisfeito consigo mesmo. Mas sei que vai ter umas visitas menos agradáveis...

"Mal se abre a porta de sua casa - sente ele - entra-se noutro mundo. Como se não fosse apenas um movimento físico no espaço - dois passos que se dão - mas também uma deslocação - bem mais intensa - no tempo; do pé de trás que vem ainda com o cheiro a terra e com a sensação, nada objectiva, mas que existe, de que está rodeado de coisas vivas que não compreendemos na totalidade e não nos compreendem - os elementos da floresta -, desse pé de trás para o pé da frente, que já ultrapassou a ombreira da porta, a distância não deve ser medida em centímetros de passada, mas em séculos, talvez milénios.
Quando fechava a porta atrás de si, Walser sentia virar costas à inumana bestialidade (de que saíra, é certo, há biliões de anos atrás, um ser dotado de uma inteligência invulgar - esse construtor solitário que era o Homem) e entrar em cheio nos efeitos que essa ruptura entre a humanidade e a restante natureza provocara; uma casa no meio da floresta, eis a conquista da racionalidade absoluta."

in O Senhor Walser, de Gonçalo M. Tavares, Ed. Caminho, Outubro 2006, pp 13


P.S.: Bibliografia em português de Robert Walser

11.4.05


MG, Vale a pena

Às vezes pensamos a vida assim. Hesitar entre a perfeição e o desastre (O Livro da Dança, Gonçalo M. Tavares). MG risca Vale a pena. E eu quero segui-lo.

28.1.05

Estranheza familiar


Francis Bacon

Ainda a entrevista ao Gonçalo M. Tavares. Um último instar ao apetite. Como sobrevive um livro ao tempo?

RF: Há uma citação do (Paul) Valéry de que gosto muito. "Os livros têm os mesmos inimigos que o homem – o fogo, a humidade, os bichos, o tempo e seu próprio conteúdo".
GT: O conteúdo é fundamental desde o tempo em que os livros eram memorizados. As pessoas sabiam os livros de cor mas, para isso acontecer, o conteúdo tinha que ser interessante. Aí, a associação entre o homem e o livro ainda era mais evidente.
RF: É engraçado, eu associava o conteúdo ao tempo, saber se um conteúdo pode gerar interpretações válidas em diferentes contextos sociais e históricos. É a questão do que é universal ao longo dos tempos.
GT: O que pode ser universal são aqueles conteúdos que não apresentam uma solução e que hoje já geram várias interpretações. Uma das coisas que mais me agrada é perceber que há diferentes interpretações dos vários livros que escrevi. Os livros que são flexíveis e que duram são os livros que nos deixam sempre pensar que podia ser sobre o dia de hoje.
RF: E não são também aqueles que tocam os sentidos? Que falem de medo ou de amor.
GT: Sim, há uma expressão que o Freud utilizava e que gosto muito que é a "estranheza familiar". A estranheza familiar é sentirmos que alguma coisa não está certa mas que, ao mesmo tempo, há uma parte dessa coisa que reconhecemos e que nos é familiar. Sinto-me em casa mas sinto-me ameaçado. Essa sensação pode, eventualmente, ser uma das marcas dos livros que resistem ao tempo. O familiar permite que exista essa ligação porque, se não houver um fio que me ligue, aquilo é outro mundo. Mas, se me é totalmente familiar, já não interessa, já está assimilada.
Esse conceito do estranho familiar é isso: há uma parte que me agarra mas há também outra parte que ainda não entendi. E é essa parte que ainda não entendi, que me permite continuar a olhar para o livro. Como escritor, uma coisa que também adoro é – e os livros saíram há pouco tempo – dizerem-me "já li este livro várias vezes". Prefiro ter releitores que muitos leitores.
(mais do GT ali ao lado, na coluna da direita)

As guerras são quase naturais


Francis Bacon

Ontem, dia 27, despertamos a nossa memória colectiva. Evocamos a máquina do horror e celebramos o seu fim. Há 60 anos o campo de concentração Auschwitz-Birkenau foi libertado pelo exército soviético. Lia A Fábrica e recordava-me da entrevista com o Gonçalo M. Tavares. A bestialidade é um mistério. O horror não foi exterminado. Este mundo continua em guerra. Decidi transcrever aqui parte dessa entrevista. Até para me "despedir" do Gonçalo, uma vez que na próxima semana vai ser lançada nova entrevista. Neste fragmento ele levanta algumas questões. Todos os domínios do conhecimento congregados - mas sobretudo a biologia e a genética, poderão decifrar o mistério e libertar-nos?

RF: Vamos falar de algumas das tuas constantes. Escreveste vários livros (Um Homem: Klaus Klum; A Máquina de Joseph Walser; Jerusalém) centrados no tema da guerra e parece que vão sair ainda outros ("livros negros").
GT: Interessa-me perceber o fenómeno.
RF: Um pouco como o personagem do médico Theodor em Jerusalém…, ele especializava-se no horror!
GT: Perceber por que é que é quase natural aparecerem as guerras é algo que me interessa, e é uma estranheza. Parece ser algo cíclico mesmo que, em cada momento, pensemos que não é aceitável. Em cada geração, as pessoas surpreendem-se mas é quase como nos surpreendermos com o nascimento de uma criança. Parece inevitável, natural.
RF: E no pós-guerra, que mudanças podem ocorrer? Nos teus livros ficamos com a impressão de que nada avança, de que tudo se mantém. Pode haver mobilidade – as pessoas são peões, mas a estrutura mantém-se. A guerra não provoca revoluções.
GT: Só o facto de as guerras se irem sucedendo, por maior que seja a evolução tecnológica e intelectual, é já uma demonstração de que não há avanço. Se lermos qualquer tragédia grega centrada numa guerra, percebemos que as causas desses tempos são semelhantes às de hoje.
RF: O Edgar Morin falava muito bem disso, mantêm-se as questões de definição de território.
GT: Há a sensação de que existem dois mundos em desenvolvimento: o mundo material, em que claramente, o homem progride. O homem tem cada vez menos dor e vive de uma forma mais confortável de modo geral. Todo o progresso evolui no sentido de aumentar o tempo de vida com menos dor. Temos pois, de um lado o desenvolvimento da cidade, no seu conjunto. A grande invenção humana não é nenhuma tecnologia, é o conceito de cidade, o conceito de pessoas a viver juntas não se matando umas às outras.
Depois, paralelamente a isto, há o indivíduo sozinho. O que sinto é que se pensarmos no progresso desde há 2000 anos, houve nitidamente uma grande evolução ao nível material mas individualmente – em termos do que é o homem, dos medos que tem, da agressividade – quase que podemos traçar uma linha recta. Platão compreenderia perfeitamente o homem de hoje mas ficaria muito espantado com um frigorífico. E eu acho que este é um dos grandes mistérios.
RF: Do ponto de vista biológico, neurológico, não progredimos!
GT: Sim e, nesse aspecto, uma das coisas mais familiarmente estranhas, porque muito ameaçadoras e perigosas mas, ao mesmo tempo, mais estimulantes, é realmente a questão de mexer na genética. O que se percebeu até agora é que, por mais que se mexa na parte exterior, material, ou no acesso à cultura e educação, a conflitualidade e a agressividade não desaparecem. Pela primeira vez agora, vai haver uma junção entre a biologia e a genética. Esta possibilidade tanto assusta como entusiasma.
RF: No limite, se se pudesse fazer uma pequena manipulação genética para que não nos matássemos uns aos outros, tu concordarias?
GT: Sim, não me choca. Choca-me mais as pessoas estriparem-se umas às outras. E não percebo as resistências às alterações genéticas porque o homem está sempre a ser alterado – com antibióticos, corações artificiais, etc.. Se alterarem a nossa biologia para as pessoas viverem melhor no seu conjunto, eu concordo.
(Se quiserem continuar a leitura usem os links à direita, "entrevistas on line")

12.1.05

Lançamento da entrevista a Gonçalo M. Tavares


A morte aumenta a alma. Projecto: Aumentar a alma sem MORRER.

É um prazer conversar com o Gonçalo M. Tavares. A palavra. Como nos seus livros, abrimos uma página, uma frase, e queremos guardá-la. Abrir assim, ao calhas. E gostamos.
Podemos começar a ler esta entrevista pelo fim, pelo meio e finalmente chegar ao princípio. Somos nós que definimos a arquitectura.

Livro da Dança


Sokolsky

Aqui ficam alguns fragmentos do Livro da Dança, o primeiro livro que Gonçalo M. Tavares publicou. Quando o escreveu, o autor não pensou "vou escrever um livro de poesia". Mas, mesmo quando ele escreve um romance, eu penso em poesia. e em filosofia. E vocês?
42.
Claro que podemos errar e não voltar atrás para corrigir o erro porque o erro não é o ERRO o erro só começa no corrigir, errar e avançar não é errar: é avançar; errar e corrigir não é corrigir: é errar.
46.
O sexo é a fenda dos Filhos
mas é também o jardim dos brinquedos.
Quem dança deve lembrar a Fenda quando exibe os brinquedos e os brinquedos quando exibe a Fenda.
54.
Exibição do que TAPA.
Exibição da CORTINA.
Exibição do PUDOR.
Exibir o pudor é violência.
o corpo que só é corpo e não é tudo o resto é um corpo que tapa que é cortina e um corpo que exibe o Pudor.
É violento violento violento.
65.
Ouvi isto uma vez cá dentro, antes da dança (um pedido):
- Por favor, dê-me um exemplar de deus!
83.
Dobrar-se de modo ao ouvido se encostar às próprias costas e ao Peito; ouvir o coração com o próprio ouvido.
Não é acrobacia. Não é Flexibilidade.
É colocar no átomo o "conhece-te a ti mesmo".
(Livro da Dança foi editado pela Assírio & Alvim)

20.12.04

A Perna Esquerda de Paris


Robert Doisneau

A realidade nem sempre se toca fisicamente. As imagens que tens na cabeça não são frases sequer. A realidade está inscrita numa coisa mais ampla e esponjosa. Nem sempre tocas no que existe, há coisas que existem com força e não são elementos com volume. Percebe os pressentimentos assim.
A realidade desaparece no momento em que um pressentimento avança.


Mais um fragmento deste livro do Gonçalo M. Tavares, que partilho com vocês, antes de ir de férias. à procura das imagens que tenho na minha cabeça. na cidade da luz (?). dizem-me que faz muito frio e que chove muito por lá. Mas talvez a Torre Eiffel não balance tanto. a não ser que eu tenha medo e que o meu medo seja mais forte que a realidade.

19.12.04

Ninguém pagina animais


Anita Kunz

Ninguém pagina animais. Mas vê isto. Imagina que queres transformar um jardim zoológico num livro e fazes de cada animal uma página, que marcas, por exemplo, na pata. Aquele macaco é a página seis: vê a pata. E aquela girafa é a página 36: vê a pata.
Mas há animais que não têm patas e terás que lhes paginar o crânio: utiliza um ferro forte que não se apague com o pó ou outras ninharias: é importante não perderes o número de nenhuma página, porque a literatura é mais importante para os homens que qualquer animal. Faz do zoológico uma biblioteca: quantos livros existem aqui?
in Tavares, Gonçalo M., A Perna Esquerda de Paris seguido de Roland Barthes e Robert Musil, Ed. Relógio d' Água, 2004 (pp 35)

18.12.04


Como é que este gesto entrou dentro do meu organismo?

Ando a lêr A Perna Esquerda de Paris do Gonçalo M. Tavares. Decidi partilhar um pouco dessa leitura com vocês, até à saída da entrevista. Leiam até ao fim para ficarem com água na boca. A água faz bem.


Não há gestos femininos ou masculinos, pelo menos feitos com as mãos. Já que as mãos são partes do corpo comuns ao homem e à mulher. Quando muito existirão gestos femininos feitos com os seios, a vagina ou as ancas largas, e existirão gestos masculinos feitos com o orgão sexual masculino.(...) Eis uma teoria.
Bloom disse:
- Tenho vontade de te fazer um gesto absolutamente masculino com a parte do meu corpo que é absolutamente masculina.
Maria Bloom disse que não, estava a ler um livro de filosofia. Estava a acabar. Faltavam três páginas.
- Deixa-me ler estas três páginas. A seguir fornicamos.
Bloom concordou; ficou à espera.
O problema que se colocou aqui é que o livro que Maria estava a ler exigia idas constantes ao dicionário. Para além disso, Maria Bloom ficava, no final de cada frase, a reflectir longamente sobre o que acabara de ler.
Tinha então passado já uma hora e, das três páginas, Maria Bloom só havia lido uma.
Bloom começava a ficar irritado.
Começava, pois, a perder o desejo e a ganhar irritação (sendo que a irritação expulsa fluidos distintos).
Maria, disse Bloom, acabas de ler esse livro ou não?
(não sabem fazer livros mais simples, murmurava, irritado, Bloom).
Maria, sem tirar os olhos do dicionário, que novamente consultava, disse:
- Podes ir despindo-te.
Bloom assim fez. Despiu-se.
Quando finalmente Maria Bloom terminou de ler o seu livro de filosofia, Bloom tinha perdido o desejo e ganho uma constipação. Espirrava abundantemente.
- Esse maldito livro!
Nenhum livro causa constipações, disse Maria.
O desejo não se perde como se perde um objecto sólido. Maria Bloom não procurou o desejo perdido de Bloom pela casa toda.


Como é que este nome Bloom entrou no organismo do Gonçalo? Acordou e o bloom estava lá? Isso não é muito à Gonçalo! Penso na (Honra Perdida de) Katharina Blum do Heinrich Böll... Há muito tempo que não pensava Blum...

5.12.04

Roberto Juarroz, e o Senhor

Para Roberto Juarroz (1925-1995), "o homem é ser que converte o universo em outra coisa. Através da palavra, converte o universo em si, em sua própria transpiração. Como se a mudez do cosmos se metamorfoseasse neste milagre que é a palavra do homem".
Gonçalo Tavares, em forma de homenagem ao poeta argentino, dá o nome de "O Senhor Juarroz" ao seu último livro do Bairro dos senhores. mas não estabelece elos directos entre O que o inspira e a sua escrita. A sua escrita:


Objecto no telhado

A esposa do senhor Juarroz começava a ficar irritada.
- Sobes ou não?!
O senhor Juarroz, porém, nada ouvia e nada via porque estava a pensar:
a invenção da máquina de lavar roupa permite que um cidadão deixe de lavar roupa com as mãos;
a invenção do telefone evita que o cidadão percorra grandes distâncias só para dar um recado;
a invenção do escadote permite que um cidadão não necessite de subir lá acima.


A Chávena e a mão

O senhor Juarroz hesitava em pegar na sua chávena de café porque não conseguia deixar de pensar que não são as mãos que pegam nos objectos, mas sim os objectos que pegam nas mãos. E tal repugnava-o, pois não aceitava que uma simples chávena lhe agarrasse a mão (como o noivo impetuoso agarra nos dedos tímidos da noiva).
Por isso o senhor Juarroz em vez de agarrar na chávena ficava longos minutos a olhar para ela, de modo agressivo.
Mais tarde queixava-se do café frio.


in Tavares, Gonçalo M., O Senhor Juarroz, Ed. Caminho, 2004

4.12.04

O Senhor Tavares


"Há pressupostos literários que não têm nada a ver com a literatura"

Acabo de chegar d' O Navio de Espelhos, onde assisti à sessão de lançamento dos novos livros do Gonçalo M. Tavares. Quem consultou a Agenda Cultural da CMA (agora relançada) pôde lêr que se tratava do lançamento de "O Senhor Brecht" e de "O Senhor Juarroz". Quem já ouviu falar um bocadinho do escritor, não vai ficar surpreendido com a notícia de que, afinal, havia outros dois novos livros: uma compilação de vários livros de poesia num único volume (pelo que, na verdade, ele lançou mais do que 4 livros) e um estranho "A Perna Esquerda de Paris seguido de Roland Barthes e Robert Musil".
Entrevistei o Gonçalo há duas semanas... É capaz de ser mais exacto dizer que conversamos (o Gonçalo gosta da palavra exactidão - ... e de muitas outras). Inexactamente, sobre a sua escrita e os seus vícios de escritor. Ainda este mês, a entrevista vai ser editada no jornal que conhecem.
Mas hoje foi bom revê-lo e re-ouvi-lo. (eu posso inventar palavras). O Gonçalo Tavares, assim num tom muito rouco e simples, alertou-nos para os falsos pressupostos literários: por exemplo, o de que um bom romance deve ter mais de 100 páginas ou o de que um bom livro de poesia deve ter menos de 100 páginas. ou que não se devem lançar 5 livros num ano. ou o que diz que uma página em branco é um espaço de liberdade.
O Gonçalo violou todos estes falsos pressupostos.
Vamos centrar-nos na falsa liberdade da folha em branco.
Nunca escrevemos em folhas já escritas ou desenhadas ou traçadas . Mas a forma condiciona a escrita. (por exemplo, gosto de pontos finais seguidos de palavras em letra minúscula).(e de parêntesis entre pontos finais). (e os conteúdos variam consoante a forma). O Gonçalo decidiu criar tabelas literárias e escrever sobre elas. Assim, insert tables - número de colunas? - 2, 3, 4 (nós decidimos) - e escreve-se um texto, obrigando o leitor a saltar de coluna em coluna.
E por que é que, num texto, uma frase deve ser consequente da frase anterior? Por que precisamos de uma cadeia de frases que quase podemos numerar, primeira-segunda-terceira-... ?
O Gonçalo Tavares decidiu romper um pouco com esse nosso conforto num dos seus livros (o do Barthes). Através desse exercício de literatura reflectiu e leva-nos a reflectir sobre os condicionalismos da escrita e da leitura. Formas e normas adquiridas. Não inatas. Mas por que parece anti-natural lêr de cima para baixo, ou da direita para a esquerda?
Não li ainda o livro que mais estranhei, ouvi o seu autor. mas já em 1953, Roland Barthes esperava que "O Grau Zero da Escrita" fosse uma testemunha de uma certa dificuldade da literatura, condenada a significar-se sempre a si própria através de uma escrita que não pode ser livre. Cinquenta anos mais tarde, com "A Perna Esquerda de Paris...", Gonçalo Tavares responde a Barthes. Vou precisar de lêr o livro para perceber como, exactamente.
(e, é claro, o livro ainda tem a Perna e o Musil)
Os dois , o Senhor Tavares e Barthes, dizem-nos que não há linguagem escrita sem um rótulo. Por gozo (agrada-me pensar assim), os dois criaram livros difíceis de catalogar.
Por gozo, o Gonçalo Tavares não lança um livro por ano. Lança os que já marinaram tempo suficiente.
E, na adega literária lá de casa, sei que há muitos livros a amadurecer.

19.11.04

A Livraria


Viajar, dançar, descobrir, namorar com os livros.


Como gostava de lêr e ia para uma viagem longa o senhor Juarroz decidiu pôr na mala seis exemplares do mesmo livro.

Viagem Longa, in Tavares, Gonçalo M., O Senhor Juarroz, Ed. Caminho, 2004