Nos últimos tempos tenho ido ver alguns espectáculos___ de diferentes estilos de música, assisti a peças de teatro, frequentei festivais de cinema, mas em nenhum assisti à histeria do Showtógrafo___ o show da Floribella, que inclui meia dúzia de canções e um autógrafo___, quer dizer, não há garantia da assinatura dado o número de pedidos. Em Aveiro, o pavilhão encheu-se de criancinhas e pais, sem as mínimas condições de conforto ou de visibilidade para o palco para os mais pequenos. As filas para o autógrafo ou para um postalzinho previamente assinado eram compactas e demasiado longas para a paciência desta comum mortal. As minhas filhas não resistiram ao contágio da Flor, mesmo tendo visto muito poucos episódios da novela. Sabem as canções de cor e era um desgosto não verem a diva. Em dia de chuva, meti-me no rebanho para felicidade das minhas mais-que-tudo. Cada bilhete custa 10 euros e não há distinção entre crianças (a partir dos 3 anos) e adultos. Paguei bem, para nunca mais me esquecer do non-sense que é este fenómeno. Entretanto a digressão acabou, mas já outras floribrutas se estão a preparar! Viva a nossa TV!
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31.10.06
tal como areia o meu coração é fragmentado
Fui ver a MEDEIA de Helena Botto e Joaquim Pavão ao Mercado Negro. Uma MEDEIA arrojada numa sala vermelha. Uma actriz uma dádiva: ofereceu-nos a expressão do limite do sofrimento___ que é o que provoca a violência maior no ser humano. Uma perfomance inspirada na MEDEIA de Eurípedes, a mais cruel, a que assassina os filhos para vingar a traição do amado Jasão. Uma MEDEIA cujo único castigo foi o sofrimento.
Jasão, afastado da amada, mas sempre presente__ através da música, composta e executada por Joaquim Pavão.
Um privilégio numa noite mais uma entrar numa sala às escuras e ver dois artistas incendiar. A beleza da vida também se faz com estas pequenas coisas. mágicas. Em Aveiro, ontem, só nove pessoas se lembraram de procurar esse encanto. Os outros esqueceram-se. e ficaram a ver tv.
Jasão, afastado da amada, mas sempre presente__ através da música, composta e executada por Joaquim Pavão.
Um privilégio numa noite mais uma entrar numa sala às escuras e ver dois artistas incendiar. A beleza da vida também se faz com estas pequenas coisas. mágicas. Em Aveiro, ontem, só nove pessoas se lembraram de procurar esse encanto. Os outros esqueceram-se. e ficaram a ver tv.
tal como areia o meu coração é fragmentado,
ora se reúne em partes e ama totalmente
ora cheio de marcas (pisadas)
e cicatrizes, se parte,
espalha e esvai.
ora se reúne em partes e ama totalmente
ora cheio de marcas (pisadas)
e cicatrizes, se parte,
espalha e esvai.
30.10.06
MERCADO NEGRO
O Mercado Negro anda a habituar-nos mal. Vejam a excelente programação para os próximos dias.
M E D E I A
uma criação de Helena Botto e Joaquim Pavão
"tal como areia o meu coração é fragmentado,
ora se reúne em partes e ama totalmente,
ora cheio de marcas (pisadas)
e cicatrizes, se parte,
espalha e esvai."
Medeia é uma criação multidisciplinar concebida para um performer e um músico. Inspirada na tragédia euripidiana homónima, este projecto engloba três partituras distintas que se cruzam, interagem e desenvolvem conjuntamente, a actuação, a música e a instalação espacial.
uma criação de Helena Botto e Joaquim Pavão
"tal como areia o meu coração é fragmentado,
ora se reúne em partes e ama totalmente,
ora cheio de marcas (pisadas)
e cicatrizes, se parte,
espalha e esvai."
Medeia é uma criação multidisciplinar concebida para um performer e um músico. Inspirada na tragédia euripidiana homónima, este projecto engloba três partituras distintas que se cruzam, interagem e desenvolvem conjuntamente, a actuação, a música e a instalação espacial.
Dia 30 de Outubro
22h na sala vermelha do Mercado Negro
entradas a 5 euros
22h na sala vermelha do Mercado Negro
entradas a 5 euros
CINEMA
FOTOGRAFIA
29.10.06
CineEco #9___ Os Filmes Premiados
O ATAQUE DO TIGRE do realizador Sasha Snow
é o grande vencedor do Festival
é o grande vencedor do Festival
O Ataque do Tigre fala de um caçador inexperiente e insensato, que nas florestas do Leste Russo, provoca uma infame série de ataques de tigres nas pessoas do vilarejo. As autoridades locais convocam os serviços de Yuri Trush, um especialista em seguir e eliminar os tigres que perderam o seu medo do homem. O filme mostra a mais notável perseguição de Yuri a um tigre comedor de gente como base de um documentário de suspense.
Sasha Snow era fotógrafo de arquitectura antes de surgir como montador na BBC, em 1991. Em 1997 ganha o BAFTA/Post Office Scholarship para Melhor Filme de Estudante, com “Peace Under A Power Station”, enquanto estuda realização documental The National Film & Television School. Em 2002 diploma-se com o seu primeiro filme rodado na Rússia, “A St. Petersburg Symphony”. Seguem-se ‘Arctic Crime & Punishment’ e ‘Conflict Tiger’.
O Ataque do Tigre arrecada assim o Grande Prémio Cine’Eco atribuído pela Câmara Municipal de Seia, no valor de € 3.750 Euros, além da campânula de ouro, símbolo máximo do festival.
Sasha Snow era fotógrafo de arquitectura antes de surgir como montador na BBC, em 1991. Em 1997 ganha o BAFTA/Post Office Scholarship para Melhor Filme de Estudante, com “Peace Under A Power Station”, enquanto estuda realização documental The National Film & Television School. Em 2002 diploma-se com o seu primeiro filme rodado na Rússia, “A St. Petersburg Symphony”. Seguem-se ‘Arctic Crime & Punishment’ e ‘Conflict Tiger’.
O Ataque do Tigre arrecada assim o Grande Prémio Cine’Eco atribuído pela Câmara Municipal de Seia, no valor de € 3.750 Euros, além da campânula de ouro, símbolo máximo do festival.
Outro dos grandes vencedores do festival é o filme “Ainda Há Pastores?” de Jorge Pelicano, que ganhou o Prémio Lusofonia, no valor de € 2.500 Euros e a respectiva campânula.
O Prémio Educação Ambiental foi atribuído ao filme “Ouro Branco – O Verdadeiro Preço do Algodão” de Sam Cole (Reino Unido, 2005), por ter sido considerada a obra que melhor abordou, do ponto de vista didáctico - pedagógico os temas a concurso.
O Prémio Água foi para o filme “Águas Agitadas” do jornalista da SIC Bernardo Ferrão (Portugal, 2005) por ser a obra a concurso a promover melhor o tema dos recursos hídricos.
"Uma Alquimia em Verde", de Dave Dawson (Nova Zelândia, 2005) venceu o Prémio Vida Natural, por ser a obra a concurso que no entender do júri melhor promove o tema da conservação da natureza e da bio-diversidade.
O Prémio Polis foi atribuído ao filme “Atingido” do realizador Michael Trabitzsch (Alemanha, 2005/2006), por ter sido considerado o melhor a promover o tema da requalificação urbana e valorização ambiental.
O Prémio Antropologia Ambiental foi atribuído ao documentário “O Cavalo Operário” de Alain Marie (França, 2006) por ser a obra a concurso que melhor promove o tema da inserção do homem no seu quotidiano.
O Prémio Vídeo Não Profissional foi conquistado pelo filme “Muitchareia” de Uliana Duarte (Brasil, 2006).
O Prémio Camacho Costa foi para o filme “Giovanni e o Mito Impossível das Artes Visuais”, de Gabriele Gismondi & Ruggero Di Maggio (Itália, 2005).
O Júri Internacional presidido pelo Professor Fernando Catarino atribuiu ainda Menções Honrosas aos seguintes filmes: - “O Amendoim da Cutia” de Komoi Panará e Paturi Panará (Brasil, 2005); “Da Pele à Pedra”, de Pedro Sena Nunes (Portugal, 2005); “Feridas Atómicas” de Marc Petitjean (França, 2005).
O Prémio Educação Ambiental foi atribuído ao filme “Ouro Branco – O Verdadeiro Preço do Algodão” de Sam Cole (Reino Unido, 2005), por ter sido considerada a obra que melhor abordou, do ponto de vista didáctico - pedagógico os temas a concurso.
O Prémio Água foi para o filme “Águas Agitadas” do jornalista da SIC Bernardo Ferrão (Portugal, 2005) por ser a obra a concurso a promover melhor o tema dos recursos hídricos.
"Uma Alquimia em Verde", de Dave Dawson (Nova Zelândia, 2005) venceu o Prémio Vida Natural, por ser a obra a concurso que no entender do júri melhor promove o tema da conservação da natureza e da bio-diversidade.
O Prémio Polis foi atribuído ao filme “Atingido” do realizador Michael Trabitzsch (Alemanha, 2005/2006), por ter sido considerado o melhor a promover o tema da requalificação urbana e valorização ambiental.
O Prémio Antropologia Ambiental foi atribuído ao documentário “O Cavalo Operário” de Alain Marie (França, 2006) por ser a obra a concurso que melhor promove o tema da inserção do homem no seu quotidiano.
O Prémio Vídeo Não Profissional foi conquistado pelo filme “Muitchareia” de Uliana Duarte (Brasil, 2006).
O Prémio Camacho Costa foi para o filme “Giovanni e o Mito Impossível das Artes Visuais”, de Gabriele Gismondi & Ruggero Di Maggio (Itália, 2005).
O Júri Internacional presidido pelo Professor Fernando Catarino atribuiu ainda Menções Honrosas aos seguintes filmes: - “O Amendoim da Cutia” de Komoi Panará e Paturi Panará (Brasil, 2005); “Da Pele à Pedra”, de Pedro Sena Nunes (Portugal, 2005); “Feridas Atómicas” de Marc Petitjean (França, 2005).
O Júri da Juventude atribuiu por sua vez os seguintes prémios:
“Grande Prémio” para o filme “Feridas Atómicas” de Marc Petitjean (França, 2005);
“Melhor Animação” para o filme de animação “49”, de Ichiro Iwano (Japão, 2006);
“Prémio Verde” para o filme “Uma Alquimia em Verde”, de Dave Dawson (Nova Zelândia, 2005);
“Melhor Curta metragem” para o documentário “Giovanni e o Mito Impossível das Artes Visuais”, de Gabriele Gismondi & Ruggero Di Maggio (Itália, 2005);
“Prémio Verdade Inconveniente” ao filme “Os Filhos da Montanha” de Juan S. Betancor (Espanha, 2005);
“Prémio Humanidade” ao filme “Os Refugiados do Planeta Azul” de Jean Philippe Duval e Heléne Choquette (França e Canadá, 2006);
Menções Honrosas para: “O Ataque do Tigre”, do realizador Sasha Snow (Russia, 2005); “Terras A Separam-se: Uma Saga Islandesa” de Zoltán Török (Hungria e Suécia, 2005); “Ouro Branco” de Sam Cole (Reino Unido, 2005); “H2O – Água à Venda”, de Leslie Frank (Alemanha, 2005) e “Ainda Há Pastores?” de Jorge Pelicano (Portugal, 2006).
Isto não é ambiente! #2
No CineEco deste ano estiveram a concurso dez filmes portugueses___ que exploraram as temáticas mais variadas ligadas ao ambiente. Não serão muitos, mas penso que foram aceites quase todas as candidaturas de produções portuguesas.
Leonor Areal filmou ao longo de 10 semanas uma "brigada" de estudantes de medicina a fazer prevenção da Sida junto de uma turma de adolescentes problemáticos. O documentário intitulado "Doutor Estranho Amor ou como aprendi a amar o preservativo e deixei de me preocupar" passou em Seia. E não só. Leio no seu blog, Doc Log: "Grandes esperanças tinham os realizadores dos 120 filmes portugueses enviados para selecção (do Doclisboa). Foram escolhidos 20. Eu tive sorte, embora “sorte” não seja a palavra adequada.(...) É que, sendo o funil tão estreito, ter um filme escolhido, para além do reconhecimento do trabalho feito, é uma vaga promessa de se poderem fazer outros filmes, cujos financiamentos dependem geralmente de concursos que valorizam os currículos que se valorizam em função do número de festivais frequentados (sem falar nos prémios).
(...) Se a vida já é injusta (como dirão os que esperavam dela alguma providência divina), então os concursos são a figura travestida dessa injustiça. Porque, apesar da sua aparente lógica do prémio, os concursos baseiam-se na exclusão e, logo, por inerência são injustos. Um festival de filmes deveria ter um critério de inclusão – daquilo que se considera bom ou interessante. Para poder fazer jus a cada filme. Será que há demasiados filmes?"
Nunca são demais. Mesmo se, num festival ou numa Mostra, seja obrigatório limitar o número de filmes exibidos. No Famafest, ou neste CineEco, tínhamos todos a sensação de estar a fazer uma (deliciosa) maratona. Infelizmente não fiquei até ao fim. Mas eu gosto de ver até o que não gosto. A sensação é a de que fico sempre a ganhar. Como em todas as actividades e artes, a resistência à marca Portugal poderá sentir-se, mas percebi à minha volta um interesse e curiosidade acrescidos sempre que se tratava de um filme português.
Deste documentário de Leonor Areal, devo dizer que não gostei. As imagens são apresentadas como foram colhidas, brutas, ruidosas, mas, para além do teatro da realidade, que tem potencial de interesse, que retrata uma realidade que é assim mesmo, incómoda, o "argumento" não evolui, espreguiça-se ao longo do tempo. Como instrumento de trabalho para professores ou alunos, pareceu-me ineficaz. A utilização do rôle playing ou de exercícios de projecção para tomada de consciência de problemas, visando uma alteração de comportamentos, não constitui novidade; as técnicas de dinâmica de grupo são mal aplicadas pelos "terapeutas" amadores e o final "um pouco feliz" julga favorável um trabalho pedagógico deficiente. Mesmo apreciando a câmara omnipresente, quase ignorada pelos actores, tornou-se difícil aceitar o "projecto estético". Li neste seu trabalho um alerta (válido) para o nosso sistema de educação e para a enorme diferença que existe entre o discurso político e institucional (primeiras cenas) e a aplicação no terreno dos programas de acção.
Leonor Areal filmou ao longo de 10 semanas uma "brigada" de estudantes de medicina a fazer prevenção da Sida junto de uma turma de adolescentes problemáticos. O documentário intitulado "Doutor Estranho Amor ou como aprendi a amar o preservativo e deixei de me preocupar" passou em Seia. E não só. Leio no seu blog, Doc Log: "Grandes esperanças tinham os realizadores dos 120 filmes portugueses enviados para selecção (do Doclisboa). Foram escolhidos 20. Eu tive sorte, embora “sorte” não seja a palavra adequada.(...) É que, sendo o funil tão estreito, ter um filme escolhido, para além do reconhecimento do trabalho feito, é uma vaga promessa de se poderem fazer outros filmes, cujos financiamentos dependem geralmente de concursos que valorizam os currículos que se valorizam em função do número de festivais frequentados (sem falar nos prémios).
(...) Se a vida já é injusta (como dirão os que esperavam dela alguma providência divina), então os concursos são a figura travestida dessa injustiça. Porque, apesar da sua aparente lógica do prémio, os concursos baseiam-se na exclusão e, logo, por inerência são injustos. Um festival de filmes deveria ter um critério de inclusão – daquilo que se considera bom ou interessante. Para poder fazer jus a cada filme. Será que há demasiados filmes?"
Nunca são demais. Mesmo se, num festival ou numa Mostra, seja obrigatório limitar o número de filmes exibidos. No Famafest, ou neste CineEco, tínhamos todos a sensação de estar a fazer uma (deliciosa) maratona. Infelizmente não fiquei até ao fim. Mas eu gosto de ver até o que não gosto. A sensação é a de que fico sempre a ganhar. Como em todas as actividades e artes, a resistência à marca Portugal poderá sentir-se, mas percebi à minha volta um interesse e curiosidade acrescidos sempre que se tratava de um filme português.
Deste documentário de Leonor Areal, devo dizer que não gostei. As imagens são apresentadas como foram colhidas, brutas, ruidosas, mas, para além do teatro da realidade, que tem potencial de interesse, que retrata uma realidade que é assim mesmo, incómoda, o "argumento" não evolui, espreguiça-se ao longo do tempo. Como instrumento de trabalho para professores ou alunos, pareceu-me ineficaz. A utilização do rôle playing ou de exercícios de projecção para tomada de consciência de problemas, visando uma alteração de comportamentos, não constitui novidade; as técnicas de dinâmica de grupo são mal aplicadas pelos "terapeutas" amadores e o final "um pouco feliz" julga favorável um trabalho pedagógico deficiente. Mesmo apreciando a câmara omnipresente, quase ignorada pelos actores, tornou-se difícil aceitar o "projecto estético". Li neste seu trabalho um alerta (válido) para o nosso sistema de educação e para a enorme diferença que existe entre o discurso político e institucional (primeiras cenas) e a aplicação no terreno dos programas de acção.
Neste festival pude ainda ver Quatro Elementos (luso-alemão) e Ainda Há Pastores? de Jorge Pelicano. Mas outros documentários de realizadores portugueses brilharam em Seia. Foi o caso de "Águas Agitadas" de Bernardo Ferrão e "Da Pele à Pedra" de Pedra Sena Nunes___ que eu espero poder ver, brevemente! ___ de resto, por que está a exibição da maior parte destes filmes confinada aos períodos curtos de mostras e festivais? ___ a ideia de que apenas um nicho da população tem interesse neste tipo de filmografia deve ser alavanca e não travão ___ a frequência de público nestes festivais fica sempre aquém das expectativas ___ logo, estas propostas têm que ir ao encontro das pessoas ___ as TVs pública e privada, os media, têm uma missão a cumprir ___ as Câmaras Municipais também ___ este problema do perfil e formação dos públicos arrasa-me sempre. keep going
"Águas Agitadas" é uma Reportagem SIC que começa por se centrar no estudo que uma equipa ambientalista holandesa tem desenvolvido sobre o comportamento dos cetáceos dos Açores (existem 23 espécies referenciadas) e o impacto do turismo na vida dos animais. O enfoque é depois colocado no conflito que se gerou entre estes ambientalistas e as empresas de whale-watching da Ilha do Pico. Bernardo Ferrão explica aqui o problema.
"Águas Agitadas" é uma Reportagem SIC que começa por se centrar no estudo que uma equipa ambientalista holandesa tem desenvolvido sobre o comportamento dos cetáceos dos Açores (existem 23 espécies referenciadas) e o impacto do turismo na vida dos animais. O enfoque é depois colocado no conflito que se gerou entre estes ambientalistas e as empresas de whale-watching da Ilha do Pico. Bernardo Ferrão explica aqui o problema.
"Da Pele à Pedra" é uma produção Vo.arte. Palco/Memória: a Lavaria das Minas da Panasqueira. O objectivo das Residências Artísticas: combinar teatro, dança, música, fotografia, vídeo e instalação, procedendo a um trabalho de reflexão performática que, em colaboração com a população local, pensasse a história, a envolvente, o misticismo e agrura associados às minas fechadas no princípio dos anos 90, mas ainda uma das mais importantes jazidas de volfrâmio, bem como uma das minas mais profundas do mundo (ler mais aqui). O filme: Desde muito cedo, Sena Nunes percebeu que queria criar uma coisa nova, que estivesse algures entre o registo puramente documental (as memórias da mina, a captação da realidade) e o da videodança (os momentos coreográficos foram planeados e interpretados para a câmara). A linha que une estes dois mundos é muito ténue. Tão ténue como o pó que se espalha no ar. Ou como as memórias daqueles idosos. (...) Sena Nunes chama-lhe "poesia visual". Aqui e ali, encontramos vestígios de uma narrativa. Algumas frases que parecem dar sentido aos gestos. Mas, independentemente do que lhe chamarem os críticos, este é um filme de sensações, mais do que de histórias. (ler mais aqui)
As temáticas "em português" deste festival de cinema & ambiente foram ainda enriquecidas por:
António Barreira Saraiva, um geógrafo que trabalha na área da fotografia e vídeo desde 1991. Interessa-se por temáticas que cruzam a História, a Etnografia e a Geografia. O seu filme Ventos de Largo foi premiado no CineEco de 1999; este ano, o realizador apresentou "Rua 15 - S. João" em que se exalta a festa como momento privilegiado de observação na rua mais antiga da Costa da Caparica.
Filipe Y, que apresentou "O Corredor Descalço": Uma longa viagem pela vida na Natureza e pela natureza da vida.
Mário Carvalho Gajo, realizador da curta-metragem "Lixo": Num enorme monte de lixo, um objecto cai sobre um boneco metálico fazendo com que este ganhe vida...
Carlos Eduardo Viana, que se centrou no fole, cujo processo de fabrico documenta. O doc intitula-se "Fole, Um Objecto do Quotidiano Rural".
João Dias, João Fernandes e Nelson Silva, alunos do curso de Tecnologia Educativa da LECN FCTUN (2005/2006), escolheram os encantos e diversidade de habitats da "Reserva Natural do Vale do Sado" como objecto de filmagem e de reflexão. Mensagem: "há que sujar as mãos, sair para o campo e fascinar-nos com o mistério da vida".
E mesmo assim, ainda há quem diga que isto não é sobre ambiente!
As temáticas "em português" deste festival de cinema & ambiente foram ainda enriquecidas por:
António Barreira Saraiva, um geógrafo que trabalha na área da fotografia e vídeo desde 1991. Interessa-se por temáticas que cruzam a História, a Etnografia e a Geografia. O seu filme Ventos de Largo foi premiado no CineEco de 1999; este ano, o realizador apresentou "Rua 15 - S. João" em que se exalta a festa como momento privilegiado de observação na rua mais antiga da Costa da Caparica.
Filipe Y, que apresentou "O Corredor Descalço": Uma longa viagem pela vida na Natureza e pela natureza da vida.
Mário Carvalho Gajo, realizador da curta-metragem "Lixo": Num enorme monte de lixo, um objecto cai sobre um boneco metálico fazendo com que este ganhe vida...
Carlos Eduardo Viana, que se centrou no fole, cujo processo de fabrico documenta. O doc intitula-se "Fole, Um Objecto do Quotidiano Rural".
João Dias, João Fernandes e Nelson Silva, alunos do curso de Tecnologia Educativa da LECN FCTUN (2005/2006), escolheram os encantos e diversidade de habitats da "Reserva Natural do Vale do Sado" como objecto de filmagem e de reflexão. Mensagem: "há que sujar as mãos, sair para o campo e fascinar-nos com o mistério da vida".
E mesmo assim, ainda há quem diga que isto não é sobre ambiente!
28.10.06
Isto não é ambiente! #1
Andei por aqui e por vezes alguém dizia que o filme ou documentário apresentado não era sobre ambiente. Continuamos a associar a questão ambiental a meia dúzia de tópicos. e não pode ser!
Os quatro elementos, água, terra, ar e fogo, para cada um, uma música sublime, composta por Joaquim Pavão, e uma alusão aos fenómenos básicos naturais sobre o qual teorizaram os filósofos da antiguidade.
Charles Jencks e o seu jardim (privado) de especulação cósmica. o jardim como um espaço de jogo, perfeito para especular sobre o universo. formas de ondas no jardim, porque no princípio de todas as construções existe uma muitas ondas. water waves, air waves, wind waves, sound waves organizam a terra. brincar: cartoon gardening, rail gardening. de um espaço para o outro, saltamos. como se pulássemos de universo em universo. às vezes, esgota-se o tempo de um espaço. na água, reflexos, que parecem partículas esculpidas. de movimento. não podemos esquecer: a beleza do universo. no jardim, várias metáforas que contam uma parte da verdade. para onde caminha o universo? o homem é o único que muda as leis da natureza, o homem é o único que destrói a natureza. a natureza não faria isso. se o homem não fizesse parte da natureza. a ciência é a parte humana que compreende melhor a natureza. ciência e natureza, ao mesmo nível, pela sapiência. sem esquecer a nota realista: jardinar acentua o espírito, mas não o muda. uma má pessoa num jardim não sai de lá melhor.
Casais de Folgosinho, que nem sequer é um lugar, é uma extensão de terra, um vale entre as montanhas da Serra da Estrela. Casais de Folgosinho era todo o mundo de Grazina, o pastor mais velho do vale, que guardava e ordenhava 80 ovelhas duas vezes por dia. é todo o mundo de Maria do Espírito Santo que vive só há mais de vinte anos, nos mais de 80 anos de vida que já conta, mas que não a impedem de continuar a correr atrás das 3 cabras que possui. Casais de Folgosinho é onde fica a casa sem luz eléctrica ou água canalizada de Hermínio, o pastor mais jovem, que ainda não tem 30 anos, e que guarda mais de 100 animais, enquanto ouve as cantigas de Quim Barreiros e sonha com companhia. Rosa e Zé são as únicas crianças do vale, filhos do pastor Manuel Pita, e já só o Zé vai à escola que a Rosa já tem a lida da casa, a apanha da batata ou a ordenha, apesar de conservar o sorriso gaiato. Um documento magnífico sobre os sobreviventes de um lugar que vai deixar de existir. para reflectirmos: como repovoar estes lugares perdidos da Terra, mantendo-os virgens de tecnologias e poluições? como preservar actividades "arcaicas", como o pastoreio, sem escravizar os homens a jornadas e condições de trabalho demasiado árduas? ainda há pastores ou uma utopia.
Os quatro elementos, água, terra, ar e fogo, para cada um, uma música sublime, composta por Joaquim Pavão, e uma alusão aos fenómenos básicos naturais sobre o qual teorizaram os filósofos da antiguidade.
Charles Jencks e o seu jardim (privado) de especulação cósmica. o jardim como um espaço de jogo, perfeito para especular sobre o universo. formas de ondas no jardim, porque no princípio de todas as construções existe uma muitas ondas. water waves, air waves, wind waves, sound waves organizam a terra. brincar: cartoon gardening, rail gardening. de um espaço para o outro, saltamos. como se pulássemos de universo em universo. às vezes, esgota-se o tempo de um espaço. na água, reflexos, que parecem partículas esculpidas. de movimento. não podemos esquecer: a beleza do universo. no jardim, várias metáforas que contam uma parte da verdade. para onde caminha o universo? o homem é o único que muda as leis da natureza, o homem é o único que destrói a natureza. a natureza não faria isso. se o homem não fizesse parte da natureza. a ciência é a parte humana que compreende melhor a natureza. ciência e natureza, ao mesmo nível, pela sapiência. sem esquecer a nota realista: jardinar acentua o espírito, mas não o muda. uma má pessoa num jardim não sai de lá melhor.
Casais de Folgosinho, que nem sequer é um lugar, é uma extensão de terra, um vale entre as montanhas da Serra da Estrela. Casais de Folgosinho era todo o mundo de Grazina, o pastor mais velho do vale, que guardava e ordenhava 80 ovelhas duas vezes por dia. é todo o mundo de Maria do Espírito Santo que vive só há mais de vinte anos, nos mais de 80 anos de vida que já conta, mas que não a impedem de continuar a correr atrás das 3 cabras que possui. Casais de Folgosinho é onde fica a casa sem luz eléctrica ou água canalizada de Hermínio, o pastor mais jovem, que ainda não tem 30 anos, e que guarda mais de 100 animais, enquanto ouve as cantigas de Quim Barreiros e sonha com companhia. Rosa e Zé são as únicas crianças do vale, filhos do pastor Manuel Pita, e já só o Zé vai à escola que a Rosa já tem a lida da casa, a apanha da batata ou a ordenha, apesar de conservar o sorriso gaiato. Um documento magnífico sobre os sobreviventes de um lugar que vai deixar de existir. para reflectirmos: como repovoar estes lugares perdidos da Terra, mantendo-os virgens de tecnologias e poluições? como preservar actividades "arcaicas", como o pastoreio, sem escravizar os homens a jornadas e condições de trabalho demasiado árduas? ainda há pastores ou uma utopia.
(Continua)
26.10.06
SIM ou NÃO. A questão do aborto #4
Segundo os dados avançados pelo ministro (Correia de Campos) entre três a cinco mulheres acorrem diariamente aos hospitais em consequência da prática de aborto clandestino.
Fonte: Portugal Diário
Fonte: Portugal Diário
(1)
Em 1996, em viagem pela Irlanda, passei uma noite num bed & breakfast nos arredores de Killarney. Ia com o meu marido e, mal chegámos, percebemos um enorme nervosismo no dono da casa. A recepção dos hóspedes não era uma tarefa a que estivesse habituado. Ofereceu-nos um chá enquanto se desculpava pela ausência da esposa. Ela tinha ido à cidade e já deveria ter chegado, escurecia e estranhamente ela não aparecia, ele até já tinha dado o banho às filhas, e mais isto e mais aquilo, e o senhor parecia tão preocupado que comecámos a imaginar filmes. Saímos para jantar e só no dia seguinte tivemos a honra de a conhecer. Ela tinha preparado um fantástico pequeno-almoço e, para se desculpar - não valeu de nada dizer-lhe que não estávamos nada ofendidos - decidiu contar-nos a razão do seu atraso no dia anterior: tinha ido ao médico porque estava grávida e havia complicações. A senhora tinha 42 anos, duas filhas com 8 e 10 anos, e a gravidez não tinha sido planeada. Em simultâneo, e era isso o que mais a desesperava (e ao marido), os médicos tinham detectado a existência de alguns tumores (benigmos) no útero. Não recordo os detalhes mas o que temiam era uma possível mal-formação do feto, que poderia não ter espaço para se desenvolver normalmente. Não podia interromper a gravidez apesar de o desejar.
Há 20 anos atrás a minha familia vivera esse mesmo drama. No nosso caso, o final foi feliz. Mostrei-lhe uma foto do meu irmão. Ela "agarrou" essa foto com a avidez de quem precisa de engolir esperança. Quando nos despedimos deu-me uma rosa do seu jardim. Estávamos no Verão, a flor secou completamente nesse mesmo dia. Mas guardei-a, inteira, durante anos.
Ela ficou de me escrever quando o bébé nascesse. Não recebi nenhuma carta. Não sei o que aconteceu.
(2)
Andava na faculdade quando a conheci. Ela era muito bonita mas tinha um ar um pouco triste e meio-distante. Vendia uns produtos de beleza que, pelo menos ali, ninguém estava interessado em comprar. Era um aluna interessada, gostava do curso. Tinha um namorado que parecia ser "bonzinho" mas via-se, a milhas, que ela estava farta dele. De vez enquando falávamos e acontecia rirmo-nos imenso. Mas foi só no último ano, quando fizemos um trabalho conjunto para uma cadeira, que nos conhecemos melhor.
Soube então que fizera um aborto e que esse facto mudara uma série de coisas na sua vida. O namorado tinha-a apoiado nessa decisão e foi com ele que se dirigiu a uma abortadeira, algures no Alentejo, onde vivia. Acabou com uma hemorragia tão grande que se assustou, e então contou tudo aos pais. Estes levaram-na ao hospital e ela acabou por ficar bem. Mas, oh mas! O pai deixou de lhe falar, e, sendo o chefe da esquadra local, quis mesmo que ela se afastasse, não fosse alguém vir a saber de qualquer coisa! A mãe continuou a protegê-la mas, envergonhada com a gravidez e aborto da filha, aconselhava-a a nunca deixar fugir aquele namorado que devia ser um santo por ainda querer namorar e casar com ela. Deixaram de lhe dar dinheiro, de lhe comprar roupa, de alimentar qualquer "capricho".
O tempo acabou por nos afastar. Mas sei que mandou o namorado da altura às urtigas, que se casou com outra pessoa, teve filhos e que vive na mesma localidade em que já viviam os pais.
(3)
Os dois são dentistas e ganham muito bem a vida. Gostam de viajar, de barcos à vela e praticam vários desportos. Planeiam bem os seus projectos, incluindo os mais pessoais. Ela tomava a pílula mas, pouco tempo depois de se casarem, devido a uma pequena intervenção cirúrgica, interrompeu a tomada e engravidou. Já tinham a viagem aos EUA, que duraria alguns meses, organizada. Então, com poucas hesitações, decidiram interromper a gravidez. Dirigiram-se a um médico ginecologista e correu tudo bem.
Hoje têm uma filha com 11 anos e são uns pais muito "derretidos". Tentaram ter mais filhos mas foram surpreendidos por um problema (posterior) de infertilidade. Talvez lamentem o aborto que foi feito há anos mas não vivem sentimentos de culpa.
Estes são apenas três casos. Nada os une, a não ser a situação de uma gravidez indesejada. Todos, eu incluida, tenderemos a nos emocionar, a empatizar, a julgar, mais ou menos, as pessoas envolvidas. É uma reacção muito humana a que nos leva a projectar a nossa própria vivência, os nossos valores e emoções, nas vivências e estórias dos outros. Mas nenhum de nós tem o direito de tomar decisões em seu nome. O SIM no futuro referendo assegura essa liberdade. e o acesso a um serviço médico de qualidade a Todos.
Em 1996, em viagem pela Irlanda, passei uma noite num bed & breakfast nos arredores de Killarney. Ia com o meu marido e, mal chegámos, percebemos um enorme nervosismo no dono da casa. A recepção dos hóspedes não era uma tarefa a que estivesse habituado. Ofereceu-nos um chá enquanto se desculpava pela ausência da esposa. Ela tinha ido à cidade e já deveria ter chegado, escurecia e estranhamente ela não aparecia, ele até já tinha dado o banho às filhas, e mais isto e mais aquilo, e o senhor parecia tão preocupado que comecámos a imaginar filmes. Saímos para jantar e só no dia seguinte tivemos a honra de a conhecer. Ela tinha preparado um fantástico pequeno-almoço e, para se desculpar - não valeu de nada dizer-lhe que não estávamos nada ofendidos - decidiu contar-nos a razão do seu atraso no dia anterior: tinha ido ao médico porque estava grávida e havia complicações. A senhora tinha 42 anos, duas filhas com 8 e 10 anos, e a gravidez não tinha sido planeada. Em simultâneo, e era isso o que mais a desesperava (e ao marido), os médicos tinham detectado a existência de alguns tumores (benigmos) no útero. Não recordo os detalhes mas o que temiam era uma possível mal-formação do feto, que poderia não ter espaço para se desenvolver normalmente. Não podia interromper a gravidez apesar de o desejar.
Há 20 anos atrás a minha familia vivera esse mesmo drama. No nosso caso, o final foi feliz. Mostrei-lhe uma foto do meu irmão. Ela "agarrou" essa foto com a avidez de quem precisa de engolir esperança. Quando nos despedimos deu-me uma rosa do seu jardim. Estávamos no Verão, a flor secou completamente nesse mesmo dia. Mas guardei-a, inteira, durante anos.
Ela ficou de me escrever quando o bébé nascesse. Não recebi nenhuma carta. Não sei o que aconteceu.
(2)
Andava na faculdade quando a conheci. Ela era muito bonita mas tinha um ar um pouco triste e meio-distante. Vendia uns produtos de beleza que, pelo menos ali, ninguém estava interessado em comprar. Era um aluna interessada, gostava do curso. Tinha um namorado que parecia ser "bonzinho" mas via-se, a milhas, que ela estava farta dele. De vez enquando falávamos e acontecia rirmo-nos imenso. Mas foi só no último ano, quando fizemos um trabalho conjunto para uma cadeira, que nos conhecemos melhor.
Soube então que fizera um aborto e que esse facto mudara uma série de coisas na sua vida. O namorado tinha-a apoiado nessa decisão e foi com ele que se dirigiu a uma abortadeira, algures no Alentejo, onde vivia. Acabou com uma hemorragia tão grande que se assustou, e então contou tudo aos pais. Estes levaram-na ao hospital e ela acabou por ficar bem. Mas, oh mas! O pai deixou de lhe falar, e, sendo o chefe da esquadra local, quis mesmo que ela se afastasse, não fosse alguém vir a saber de qualquer coisa! A mãe continuou a protegê-la mas, envergonhada com a gravidez e aborto da filha, aconselhava-a a nunca deixar fugir aquele namorado que devia ser um santo por ainda querer namorar e casar com ela. Deixaram de lhe dar dinheiro, de lhe comprar roupa, de alimentar qualquer "capricho".
O tempo acabou por nos afastar. Mas sei que mandou o namorado da altura às urtigas, que se casou com outra pessoa, teve filhos e que vive na mesma localidade em que já viviam os pais.
(3)
Os dois são dentistas e ganham muito bem a vida. Gostam de viajar, de barcos à vela e praticam vários desportos. Planeiam bem os seus projectos, incluindo os mais pessoais. Ela tomava a pílula mas, pouco tempo depois de se casarem, devido a uma pequena intervenção cirúrgica, interrompeu a tomada e engravidou. Já tinham a viagem aos EUA, que duraria alguns meses, organizada. Então, com poucas hesitações, decidiram interromper a gravidez. Dirigiram-se a um médico ginecologista e correu tudo bem.
Hoje têm uma filha com 11 anos e são uns pais muito "derretidos". Tentaram ter mais filhos mas foram surpreendidos por um problema (posterior) de infertilidade. Talvez lamentem o aborto que foi feito há anos mas não vivem sentimentos de culpa.
Estes são apenas três casos. Nada os une, a não ser a situação de uma gravidez indesejada. Todos, eu incluida, tenderemos a nos emocionar, a empatizar, a julgar, mais ou menos, as pessoas envolvidas. É uma reacção muito humana a que nos leva a projectar a nossa própria vivência, os nossos valores e emoções, nas vivências e estórias dos outros. Mas nenhum de nós tem o direito de tomar decisões em seu nome. O SIM no futuro referendo assegura essa liberdade. e o acesso a um serviço médico de qualidade a Todos.
21.10.06
SIM ou NÃO. A questão do aborto #3
Ou o que eu sempre contesto nos debates sobre a questão do aborto.
O aborto não é um problema das mulheres. A responsabilidade da anticoncepção, do planeamento familiar e da gravidez deve ser partilhada pelo casal. Num sentido lacto, toda a sociedade é responsável. Por isso, devem ser criados programas de informação e serviços adequados que permitam, em todos os momentos, uma tomada de decisão consciente.
O aborto clandestino não é praticado apenas pelos estratos sociais mais desfavorecidos. Mulheres de todas as classes sociais, solteiras e casadas, com vinte ou com quarenta anos, recorrem ao aborto. É mais provável que uma estudante universitária, de classe média, ou média-alta, opte por uma IVG face a uma gravidez não desejada, do que uma rapariga sem expectativas elevadas em termos de futuro profissional. Como é mais provável que uma mulher casada, com filhos crescidos, esteja mais predisposta a interromper uma nova gravidez, do que uma mulher solteira sem filhos e com uma relação emocional estável. As pessoas com menos recursos estarão contudo mais sujeitas a deparar-se com os verdadeiros atentados à sua saúde física e psicológica, que são os lugarejos dos desmanchos geridos por abortadeiras. Mas existem clínicas e outros estabelecimentos equipados para a realização de IVG em Portugal. Estes são recomendados por médicos, em consultórios privados ou nos seus gabinetes nos Centros de Saúde e Hospitais Públicos. Se não se encontrar um médico, encontra-se uma enfermeira. Alguns preparam apenas as pacientes, outros executam pessoalmente a intervenção. Acredito que a maior parte destes técnicos de saúde que optam por encaminhar as mulheres que requisitam a IVG, o fazem com a consciência de que evitam um mal menor. Sem esse acompanhamento, elas recorreriam a serviços menos competentes. Sei que alguns, espero que poucos, recebem comissões quando orientam as mulheres para determinado lugar clandestino. Outros, ainda em menor número, espero, face a uma gravidez precoce, tentam persuadir as jovens a interromper a gravidez. Conheci um caso desses. Que eu saiba, já ninguém precisa de ir a Espanha. Esqueçam Espanha.
As associações/movimentos católicos ou de solidariedade social que não concordam com a despenalização do aborto, e que aproveitam os períodos de campanha eleitoral para dar a conhecer a sua acção junto da população mais desfavorecida, merecem todo o nosso respeito. Mas não podem confundir acolhimento com salvação. E não podem reduzir as causas do aborto à precaridade das condições socio-económicas. Espero não voltar a ouvir, como ouvi em 1998, relatos de padres que afirmavam dar os parabéns às adolescentes grávidas que acolhiam, porque elas carregavam a vida dentro de si. Acolher adolescentes grávidas em situação de abandono é meritório, confundi-las dando-lhes uma benção é pernicioso.
Que exista uma tendência generalizada para a solidarização com as mulheres mais jovens e com os mais desfavorecidos é óptimo, que se escarneça sobre as burguesas, as tais que supostamente vão às clínicas em Espanha, é medíocre. E isso acontece, na retórica dos grupos religiosos, e na dos militantes, novos e de toda a vida, da velha esquerda.
Os defensores da despenalização do aborto usam frequentemente slogans ou assumem posições extremas que acabam por ter um efeito perverso em campanhas de sensibilização. Existe obviamente o chavão feminista, com o qual não concordo, e que tem o seu expoente na famosa frase de combate, "a barriga é minha", às vezes escrita a negro no ventre das militantes. É que, apesar da barriga ser certamente minha, o embrião é de ambos, além de que, por ser minha, não faço qualquer coisa com ela. A ideia que pode ser transmitida de que "faço o que quiser porque sou eu que assumo com as consequências" não me parece servir bem o fim. Se queremos comunicar uma posição, que ela seja a de que "eu quero ser responsável pelos meus actos", sendo que, face à excepção de uma gravidez involuntária, exijo o direito de tomar livremente a melhor decisão.
Na campanha para o referendo de 1998, ouvi no tempo de antena de um partido ou movimento a favor do SIM (já não me lembro qual era), o testemunho de uma mulher que tinha feito 10 abortos. Ela aparecia como mais uma grande mártir da legislação em vigor. Não são esses exemplos que me fazem votar pelo SIM.
O que também não compreendo é a não distinção entre as mulheres grávidas que, por desespero, fazem um aborto, e aqueles/as que têm uma máquina montada para explorar o filão, aproveitando a oportunidade de negócio que a legislação actual provocou, e fazendo-o muitas vezes sem quaisquer escrúpulos. As penas de prisão vão de-até 3 anos para ambas as partes. Dizem que não é coerente querer a despenalização para as "utentes" do serviço e a criminalização para os que executam. Mas por causa dessa "incoerência", muitas "utentes" foram parar a hospitais com problemas de saúde graves, e algumas morreram.
Enfim, espero que todos estes cenários estejam em vias de extinção e que o debate evolua, centrando-se agora na melhor forma de enquadrar um novo serviço no Sistema de Saúde. O facto de o aborto passar a ser legal, não significa que ele passará a ser seguro e fácil. Os efeitos psicológicos continuarão a ser muito reais. Existem testemunhos de mulheres que ainda sofrem pelo aborto que fizeram há muitos anos atrás. Não tenho dúvidas, o aborto gera sofrimento físico e psicológico, pelo que ele deve ser a última solução. Há muito a fazer em matéria de prevenção e de organização, de forma a que:
- as mulheres tenham acesso a serviços de qualidade e que permitam uma IVG num período precoce da gravidez (até às 10-12 semanas da gravidez);
- se respeitem as normas técnicas definidas pela OMS para a prestação de cuidados de aborto seguro: o exame médico prévio, a informação e aconselhamento para uma decisão informada e livre, a informação sobre os procedimentos de aborto, a informação e aconselhamento sobre contracepção e prevenção das IST, o período de recobro e o acompanhamento médico pós-aborto, o fornecimento de contraceptivos e as instruções dos cuidados pós-aborto.
No dia do referendo, é importante votar. Ele só será vinculativo se mais de 50% dos eleitores participarem. E espero que o SIM, desta vez, se ouça mais alto que o NÃO. É tempo de Portugal ir ao encontro desta orientação da Organização Mundial da Saúde: “Os governos têm de avaliar o impacto dos abortos inseguros, reduzir a necessidade de abortar e proporcionar serviços de planeamento familiar alargados e de qualidade, deverão enquadrar as leis e políticas sobre o aborto tendo por base um compromisso com a saúde das mulheres e com o seu bem-estar e não com base nos códigos criminais e em medidas punitivas." (1997)
O aborto não é um problema das mulheres. A responsabilidade da anticoncepção, do planeamento familiar e da gravidez deve ser partilhada pelo casal. Num sentido lacto, toda a sociedade é responsável. Por isso, devem ser criados programas de informação e serviços adequados que permitam, em todos os momentos, uma tomada de decisão consciente.
O aborto clandestino não é praticado apenas pelos estratos sociais mais desfavorecidos. Mulheres de todas as classes sociais, solteiras e casadas, com vinte ou com quarenta anos, recorrem ao aborto. É mais provável que uma estudante universitária, de classe média, ou média-alta, opte por uma IVG face a uma gravidez não desejada, do que uma rapariga sem expectativas elevadas em termos de futuro profissional. Como é mais provável que uma mulher casada, com filhos crescidos, esteja mais predisposta a interromper uma nova gravidez, do que uma mulher solteira sem filhos e com uma relação emocional estável. As pessoas com menos recursos estarão contudo mais sujeitas a deparar-se com os verdadeiros atentados à sua saúde física e psicológica, que são os lugarejos dos desmanchos geridos por abortadeiras. Mas existem clínicas e outros estabelecimentos equipados para a realização de IVG em Portugal. Estes são recomendados por médicos, em consultórios privados ou nos seus gabinetes nos Centros de Saúde e Hospitais Públicos. Se não se encontrar um médico, encontra-se uma enfermeira. Alguns preparam apenas as pacientes, outros executam pessoalmente a intervenção. Acredito que a maior parte destes técnicos de saúde que optam por encaminhar as mulheres que requisitam a IVG, o fazem com a consciência de que evitam um mal menor. Sem esse acompanhamento, elas recorreriam a serviços menos competentes. Sei que alguns, espero que poucos, recebem comissões quando orientam as mulheres para determinado lugar clandestino. Outros, ainda em menor número, espero, face a uma gravidez precoce, tentam persuadir as jovens a interromper a gravidez. Conheci um caso desses. Que eu saiba, já ninguém precisa de ir a Espanha. Esqueçam Espanha.
As associações/movimentos católicos ou de solidariedade social que não concordam com a despenalização do aborto, e que aproveitam os períodos de campanha eleitoral para dar a conhecer a sua acção junto da população mais desfavorecida, merecem todo o nosso respeito. Mas não podem confundir acolhimento com salvação. E não podem reduzir as causas do aborto à precaridade das condições socio-económicas. Espero não voltar a ouvir, como ouvi em 1998, relatos de padres que afirmavam dar os parabéns às adolescentes grávidas que acolhiam, porque elas carregavam a vida dentro de si. Acolher adolescentes grávidas em situação de abandono é meritório, confundi-las dando-lhes uma benção é pernicioso.
Que exista uma tendência generalizada para a solidarização com as mulheres mais jovens e com os mais desfavorecidos é óptimo, que se escarneça sobre as burguesas, as tais que supostamente vão às clínicas em Espanha, é medíocre. E isso acontece, na retórica dos grupos religiosos, e na dos militantes, novos e de toda a vida, da velha esquerda.
Os defensores da despenalização do aborto usam frequentemente slogans ou assumem posições extremas que acabam por ter um efeito perverso em campanhas de sensibilização. Existe obviamente o chavão feminista, com o qual não concordo, e que tem o seu expoente na famosa frase de combate, "a barriga é minha", às vezes escrita a negro no ventre das militantes. É que, apesar da barriga ser certamente minha, o embrião é de ambos, além de que, por ser minha, não faço qualquer coisa com ela. A ideia que pode ser transmitida de que "faço o que quiser porque sou eu que assumo com as consequências" não me parece servir bem o fim. Se queremos comunicar uma posição, que ela seja a de que "eu quero ser responsável pelos meus actos", sendo que, face à excepção de uma gravidez involuntária, exijo o direito de tomar livremente a melhor decisão.
Na campanha para o referendo de 1998, ouvi no tempo de antena de um partido ou movimento a favor do SIM (já não me lembro qual era), o testemunho de uma mulher que tinha feito 10 abortos. Ela aparecia como mais uma grande mártir da legislação em vigor. Não são esses exemplos que me fazem votar pelo SIM.
O que também não compreendo é a não distinção entre as mulheres grávidas que, por desespero, fazem um aborto, e aqueles/as que têm uma máquina montada para explorar o filão, aproveitando a oportunidade de negócio que a legislação actual provocou, e fazendo-o muitas vezes sem quaisquer escrúpulos. As penas de prisão vão de-até 3 anos para ambas as partes. Dizem que não é coerente querer a despenalização para as "utentes" do serviço e a criminalização para os que executam. Mas por causa dessa "incoerência", muitas "utentes" foram parar a hospitais com problemas de saúde graves, e algumas morreram.
Enfim, espero que todos estes cenários estejam em vias de extinção e que o debate evolua, centrando-se agora na melhor forma de enquadrar um novo serviço no Sistema de Saúde. O facto de o aborto passar a ser legal, não significa que ele passará a ser seguro e fácil. Os efeitos psicológicos continuarão a ser muito reais. Existem testemunhos de mulheres que ainda sofrem pelo aborto que fizeram há muitos anos atrás. Não tenho dúvidas, o aborto gera sofrimento físico e psicológico, pelo que ele deve ser a última solução. Há muito a fazer em matéria de prevenção e de organização, de forma a que:
- as mulheres tenham acesso a serviços de qualidade e que permitam uma IVG num período precoce da gravidez (até às 10-12 semanas da gravidez);
- se respeitem as normas técnicas definidas pela OMS para a prestação de cuidados de aborto seguro: o exame médico prévio, a informação e aconselhamento para uma decisão informada e livre, a informação sobre os procedimentos de aborto, a informação e aconselhamento sobre contracepção e prevenção das IST, o período de recobro e o acompanhamento médico pós-aborto, o fornecimento de contraceptivos e as instruções dos cuidados pós-aborto.
No dia do referendo, é importante votar. Ele só será vinculativo se mais de 50% dos eleitores participarem. E espero que o SIM, desta vez, se ouça mais alto que o NÃO. É tempo de Portugal ir ao encontro desta orientação da Organização Mundial da Saúde: “Os governos têm de avaliar o impacto dos abortos inseguros, reduzir a necessidade de abortar e proporcionar serviços de planeamento familiar alargados e de qualidade, deverão enquadrar as leis e políticas sobre o aborto tendo por base um compromisso com a saúde das mulheres e com o seu bem-estar e não com base nos códigos criminais e em medidas punitivas." (1997)
CineEco #8___ Vai começar!
Miron Schmuckle
Até dia 29, vou estar em Seia. Durante toda a semana, das 15h00 à meia-noite, vou ver filmes e documentários ligados à temática do ambiente. Nos últimos dias tenho aqui listado o conjunto de filmes a concurso. Integro o Júri do Festival e por isso já andei a fazer alguma pesquisa. Mas a programação vai mais além, é cuidada e variada. Haverá cinema para todos os gostos e idades. Consultem o Catálogo do Festival e ousem aparecer. Seia, com a Serra da Estrela ali ao lado, espera pela vossa visita! E eu também!
20.10.06
SIM ou NÃO. A questão do aborto #2
Legislação sobre o aborto
Imagem e legendas: site de WOW
Imagem e legendas: site de WOW
Na Europa, Portugal, Polónia, Irlanda e Malta são os países com as leis mais restritivas. A influência da Igreja Católica na mentalidade e nas decisões de carácter político é inegável. Por isso apetece-me narrar-vos um pequeno episódio.
Pouco tempo depois do primeiro referendo em Junho de 1998 - em que 31,8% dos eleitores foram votar e 50,5% destes votou contra o aborto - viajei até França. O referendo em Portugal tinha sido noticiado, pelo que várias pessoas me abordaram revelando a sua incompreensão. Não percebiam como, no final do século XX, ainda era possível a penalização do aborto num país da CE. Eu, que lamentava a situação, cheguei a ficar irritada com uma certa sobranceria. Infelizmente, não consegui dar-lhes a explicação histórica ou sociológica mágica que pretendiam.
Das conversas que tive, houve uma que me bateu mais forte. A mãe do meu marido, francesa, era uma pessoa muito católica, e, talvez por padecer de uma doença que ela sabia incurável, sentia-a muito próxima da sua crença e do seu Deus. Foi ela que me colocou uma pergunta muito simples, com a curiosidade e o respeito que lhe eram habituais: "então, como fazem os casais?".
Responder-lhe que os casais recorriam ao aborto clandestino, e que existia uma rede na sombra, composta por diversos tipos de estabelecimentos, clínicos ou não clínicos, com pessoal qualificado e nem por isso, soou tão mal, que ficámos as duas em silêncio.
Perguntei-lhe então como enquadravam em França, do ponto de vista teológico, a questão do aborto. Ela falou-me do "recurso ao mal menor", uma proposição clássica da Igreja. Numa situação de escolha difícil, opta-se pela alternativa que cause o menor mal. No caso concreto em que uma mulher tenha que escolher entre a sua felicidade e o respeito a uma vida humana potencial, nada impede de pensar que é uma decisão ética e religiosamente aceitável optar pela própria felicidade.
Metidos no nosso casulo luso, esquecemos que existe pluralidade no discurso religioso católico, mesmo se, oficialmente, tal discurso pretenda apresentar-se como monolítico e dogmático. No caso do aborto, não há uma opinião católica única, exclusiva, com fundamento teológico.
Os católicos portugueses, polacos, irlandeses e malteses são a minoria que, na Europa, ainda está presa à visão mais intransigente da Santa Sé.
Se nos informarmos um pouco sobre esta matéria, descobrimos que, desde os primeiros séculos de cristianismo, esta diversidade de pensamento está presente nas discussões eclesiásticas e entre teólogos. Sem nenhuma pretensão de expert, sugiro Os Escritos (Confissões) de Santo Agostinho, que expressavam a posição geral da Igreja. Por um lado, condenava o controle da natalidade e o aborto - porque destruiam a associação entre o acto conjugal e a procriação - e por outro lado, não entendia o aborto como homicídio. Santo Agostinho escreve:
"A grande interrogação sobre a alma não se decide apressadamente com juízos não discutidos e opiniões imprudentes; de acordo com a lei, o aborto não é considerado um homicídio, porque ainda não se pode dizer que exista uma alma viva em um corpo que carece de sensação uma vez que ainda não se formou a carne e não está dotada de sentidos"
in Jane Hurst, "A História das ideias sobre o aborto na Igreja Católica", Publicações CDD, SP, 1999
Uma outra doutrina, bem pouco conhecida pelos/as fiéis, que fundamenta a diversidade de opiniões quando se estabelece um debate moral é a doutrina do Probabilismo. Elaborada por teólogos católicos no século XVII, baseia-se no conceito de que uma obrigação moral que provoque dúvida não se pode impor como se fosse indiscutível. O princípio fundamental é "Onde há dúvida, há liberdade".
Estas são posições antigas, mas cada vez mais válidas, na sociedade plural em que vivemos.
Quando a Igreja Católica, em Portugal, afirma que se vai envolver na campanha pelo NÃO, caso seja aprovado o referendo, "porque (o aborto) não é apenas uma questão religiosa mas também de consciência" (desculpa de mau pagador num período em que a defesa da laicidade do Estado é cada vez mais afirmada), questiono-me sobre o respeito desta Igreja pelos crentes. Que dignidade lhes é conferida, se devem renunciar à sua liberdade e capacidade moral para tomar decisões sobre as suas vidas, nomeadamente no que se refere à sexualidade e ao momento em que têm filhos?
Da conversa que vos relatei, houve outro pormenor que me chamou a atenção. O problema do aborto deve ser colocado como um problema do casal e não apenas da mulher. Nos debates públicos, contra ou a favor da despenalização do aborto, habituamo-nos de tal forma a uma argumentação centrada na mulher, que esquecemos o efeito contraproducente da mesma. Já era tempo dos "movimentos pela defesa da vida" perceberem que o Adão de hoje pega na maça e que não são apenas as Evas a pecar e a precisar da luz e caridade cristãs. Se os defensores da despenalização do aborto deixassem cair o feminismo tresloucado, também só teríamos a ganhar! Qualquer um destes discursos fomenta a desresponsabilização do elemento masculino, no domínio da anticoncepção ou nas situações de gravidez não desejada.
Curiosamente, ninguém parece dar-se conta do paradoxo. Nos mesmos debates, é habitual a reinvindicação de novas políticas de educação sexual e de planeamento familiar. Mas, mais uma vez, só as primeiras parecem direccionadas para ambos os sexos.
Pouco tempo depois do primeiro referendo em Junho de 1998 - em que 31,8% dos eleitores foram votar e 50,5% destes votou contra o aborto - viajei até França. O referendo em Portugal tinha sido noticiado, pelo que várias pessoas me abordaram revelando a sua incompreensão. Não percebiam como, no final do século XX, ainda era possível a penalização do aborto num país da CE. Eu, que lamentava a situação, cheguei a ficar irritada com uma certa sobranceria. Infelizmente, não consegui dar-lhes a explicação histórica ou sociológica mágica que pretendiam.
Das conversas que tive, houve uma que me bateu mais forte. A mãe do meu marido, francesa, era uma pessoa muito católica, e, talvez por padecer de uma doença que ela sabia incurável, sentia-a muito próxima da sua crença e do seu Deus. Foi ela que me colocou uma pergunta muito simples, com a curiosidade e o respeito que lhe eram habituais: "então, como fazem os casais?".
Responder-lhe que os casais recorriam ao aborto clandestino, e que existia uma rede na sombra, composta por diversos tipos de estabelecimentos, clínicos ou não clínicos, com pessoal qualificado e nem por isso, soou tão mal, que ficámos as duas em silêncio.
Perguntei-lhe então como enquadravam em França, do ponto de vista teológico, a questão do aborto. Ela falou-me do "recurso ao mal menor", uma proposição clássica da Igreja. Numa situação de escolha difícil, opta-se pela alternativa que cause o menor mal. No caso concreto em que uma mulher tenha que escolher entre a sua felicidade e o respeito a uma vida humana potencial, nada impede de pensar que é uma decisão ética e religiosamente aceitável optar pela própria felicidade.
Metidos no nosso casulo luso, esquecemos que existe pluralidade no discurso religioso católico, mesmo se, oficialmente, tal discurso pretenda apresentar-se como monolítico e dogmático. No caso do aborto, não há uma opinião católica única, exclusiva, com fundamento teológico.
Os católicos portugueses, polacos, irlandeses e malteses são a minoria que, na Europa, ainda está presa à visão mais intransigente da Santa Sé.
Se nos informarmos um pouco sobre esta matéria, descobrimos que, desde os primeiros séculos de cristianismo, esta diversidade de pensamento está presente nas discussões eclesiásticas e entre teólogos. Sem nenhuma pretensão de expert, sugiro Os Escritos (Confissões) de Santo Agostinho, que expressavam a posição geral da Igreja. Por um lado, condenava o controle da natalidade e o aborto - porque destruiam a associação entre o acto conjugal e a procriação - e por outro lado, não entendia o aborto como homicídio. Santo Agostinho escreve:
"A grande interrogação sobre a alma não se decide apressadamente com juízos não discutidos e opiniões imprudentes; de acordo com a lei, o aborto não é considerado um homicídio, porque ainda não se pode dizer que exista uma alma viva em um corpo que carece de sensação uma vez que ainda não se formou a carne e não está dotada de sentidos"
in Jane Hurst, "A História das ideias sobre o aborto na Igreja Católica", Publicações CDD, SP, 1999
Uma outra doutrina, bem pouco conhecida pelos/as fiéis, que fundamenta a diversidade de opiniões quando se estabelece um debate moral é a doutrina do Probabilismo. Elaborada por teólogos católicos no século XVII, baseia-se no conceito de que uma obrigação moral que provoque dúvida não se pode impor como se fosse indiscutível. O princípio fundamental é "Onde há dúvida, há liberdade".
Estas são posições antigas, mas cada vez mais válidas, na sociedade plural em que vivemos.
Quando a Igreja Católica, em Portugal, afirma que se vai envolver na campanha pelo NÃO, caso seja aprovado o referendo, "porque (o aborto) não é apenas uma questão religiosa mas também de consciência" (desculpa de mau pagador num período em que a defesa da laicidade do Estado é cada vez mais afirmada), questiono-me sobre o respeito desta Igreja pelos crentes. Que dignidade lhes é conferida, se devem renunciar à sua liberdade e capacidade moral para tomar decisões sobre as suas vidas, nomeadamente no que se refere à sexualidade e ao momento em que têm filhos?
Da conversa que vos relatei, houve outro pormenor que me chamou a atenção. O problema do aborto deve ser colocado como um problema do casal e não apenas da mulher. Nos debates públicos, contra ou a favor da despenalização do aborto, habituamo-nos de tal forma a uma argumentação centrada na mulher, que esquecemos o efeito contraproducente da mesma. Já era tempo dos "movimentos pela defesa da vida" perceberem que o Adão de hoje pega na maça e que não são apenas as Evas a pecar e a precisar da luz e caridade cristãs. Se os defensores da despenalização do aborto deixassem cair o feminismo tresloucado, também só teríamos a ganhar! Qualquer um destes discursos fomenta a desresponsabilização do elemento masculino, no domínio da anticoncepção ou nas situações de gravidez não desejada.
Curiosamente, ninguém parece dar-se conta do paradoxo. Nos mesmos debates, é habitual a reinvindicação de novas políticas de educação sexual e de planeamento familiar. Mas, mais uma vez, só as primeiras parecem direccionadas para ambos os sexos.
(continua)
Adenda_______________
Comentário de Lauro António:
Bons “posts” sobre o IVG, mas julgo que o caminho não é o melhor. Há motivos para muitas dúvidas e equívocos. O que se invoca a nosso favor, também pode ser invocado contra. Por exemplo, a doutrina do “Probabilismo”. Explicas: “Elaborada por teólogos católicos no século XVII, baseia-se no conceito de que uma obrigação moral que provoque dúvida não se pode impor como se fosse indiscutível. O princípio fundamental é "Onde há dúvida, há liberdade". Já viste que a liberalização da IVG provoca dúvidas? Logo há liberdade para a proibir.
De resto “ Estas são posições antigas, mas cada vez mais válidas, na sociedade plural em que vivemos.” Por que razão as “posições antigas” são cada vez mais válidas? Muito pelo contrário, acho intolerável a Inquisição, apesar de ser uma posição antiga. Logo, o simples facto de serem posições antigas, não as faz melhores ou piores. Como também muito bem dizes, as questões tem de ser colocadas no seu tempo. E enfrentar abertamente as posições do seu tempo, neste caso do nosso tempo. Aí a opinião da Igreja, oficial, papal, não deixa dúvidas e é sobre essa que teremos de reflectir.
O caso do aborto, ou da IVG, só tem uma questão a que nos devemos reportar: cada casal, porque não há IVG sem homem e mulher, tem de decidir em liberdade o que quer fazer. Para haver essa liberdade, é preciso que ela esteja consignada na lei. De resto, não discuto posições católicas ou feministas ou outras quaisquer, porque a partir do momento que exista essa liberdade de opção, cada um fará o que quiser, o que a sua consciência e a sua condição ditarem. Para quê discutir a posição dos católicos, dos ateus, os xiitas, dos turcos ou dos índios? Não tenho nada a ver com o que cada um pensa. Tenho a ver com a liberdade de cada um poder pensar o que quiser. E não vou rebater os argumentos dos outros, pois estou a entrar no seu jogo. Não quero ter “a consciência de outros”, quero poder “exercer a minha”.Não quero mudar “a consciência de outros”, porque também não quero que me obriguem a mudar a minha. Quero lá saber se o aborto era permitido no século XII ou no XVII. Não vivo no século XII nem no XVII, e nesses séculos havia tanta outra coisa de que discordo, que se concordo com uma é mera coincidência. Todas estas discussões visam apenas fornecer argumentos ao NÃO. Eu voto SIM, inclusive para os católicos poderem continuar a não exercer a IVG, se quiserem. E outros a praticarem, se assim o julgarem necessário. E outros ainda nunca praticarem a cópula sequer, se não tiverem prazer nisso e não quiserem aumentar o índice demográfico. Enfim, voto sim porque quero a liberdade de eu decidir como acho justo e o meu contrário decidir o inverso. Não discuto argumentos. Discuto a liberdade de decidir. É a única coisa em causa neste referendo. (...)
Esclarecimento:
LA, provavelmente tens razão, mas a conclusão a que chego é esta: "Os católicos portugueses, polacos, irlandeses e malteses são a minoria que, na Europa, ainda está presa à visão mais intransigente da Santa Sé."
Porque existe de facto, mesmo na Santa Sé, teólogos com um pensamento distinto do "oficial". O "recurso ao mal menor" não é dos séculos XI ou XVII, é de agora. De resto, é com base nesse postulado que a Igreja, noutros países ditos católicos, enquadrou a lei "laica" que permite a realização do aborto a pedido da mulher.
Porquê que isto me parece importante? Para deixar claro que não existem verdades absolutas. Para tranquilizar aqueles que, como eu, porque educados em meios conservadores, se descobrem a defender a despenalização do aborto, sempre com um nó na garganta e um ligeiro sentimento de culpa.
Eu acho que foi também por isso que em Junho de 1998, apenas 31% dos eleitores foram votar.
Bons “posts” sobre o IVG, mas julgo que o caminho não é o melhor. Há motivos para muitas dúvidas e equívocos. O que se invoca a nosso favor, também pode ser invocado contra. Por exemplo, a doutrina do “Probabilismo”. Explicas: “Elaborada por teólogos católicos no século XVII, baseia-se no conceito de que uma obrigação moral que provoque dúvida não se pode impor como se fosse indiscutível. O princípio fundamental é "Onde há dúvida, há liberdade". Já viste que a liberalização da IVG provoca dúvidas? Logo há liberdade para a proibir.
De resto “ Estas são posições antigas, mas cada vez mais válidas, na sociedade plural em que vivemos.” Por que razão as “posições antigas” são cada vez mais válidas? Muito pelo contrário, acho intolerável a Inquisição, apesar de ser uma posição antiga. Logo, o simples facto de serem posições antigas, não as faz melhores ou piores. Como também muito bem dizes, as questões tem de ser colocadas no seu tempo. E enfrentar abertamente as posições do seu tempo, neste caso do nosso tempo. Aí a opinião da Igreja, oficial, papal, não deixa dúvidas e é sobre essa que teremos de reflectir.
O caso do aborto, ou da IVG, só tem uma questão a que nos devemos reportar: cada casal, porque não há IVG sem homem e mulher, tem de decidir em liberdade o que quer fazer. Para haver essa liberdade, é preciso que ela esteja consignada na lei. De resto, não discuto posições católicas ou feministas ou outras quaisquer, porque a partir do momento que exista essa liberdade de opção, cada um fará o que quiser, o que a sua consciência e a sua condição ditarem. Para quê discutir a posição dos católicos, dos ateus, os xiitas, dos turcos ou dos índios? Não tenho nada a ver com o que cada um pensa. Tenho a ver com a liberdade de cada um poder pensar o que quiser. E não vou rebater os argumentos dos outros, pois estou a entrar no seu jogo. Não quero ter “a consciência de outros”, quero poder “exercer a minha”.Não quero mudar “a consciência de outros”, porque também não quero que me obriguem a mudar a minha. Quero lá saber se o aborto era permitido no século XII ou no XVII. Não vivo no século XII nem no XVII, e nesses séculos havia tanta outra coisa de que discordo, que se concordo com uma é mera coincidência. Todas estas discussões visam apenas fornecer argumentos ao NÃO. Eu voto SIM, inclusive para os católicos poderem continuar a não exercer a IVG, se quiserem. E outros a praticarem, se assim o julgarem necessário. E outros ainda nunca praticarem a cópula sequer, se não tiverem prazer nisso e não quiserem aumentar o índice demográfico. Enfim, voto sim porque quero a liberdade de eu decidir como acho justo e o meu contrário decidir o inverso. Não discuto argumentos. Discuto a liberdade de decidir. É a única coisa em causa neste referendo. (...)
Esclarecimento:
LA, provavelmente tens razão, mas a conclusão a que chego é esta: "Os católicos portugueses, polacos, irlandeses e malteses são a minoria que, na Europa, ainda está presa à visão mais intransigente da Santa Sé."
Porque existe de facto, mesmo na Santa Sé, teólogos com um pensamento distinto do "oficial". O "recurso ao mal menor" não é dos séculos XI ou XVII, é de agora. De resto, é com base nesse postulado que a Igreja, noutros países ditos católicos, enquadrou a lei "laica" que permite a realização do aborto a pedido da mulher.
Porquê que isto me parece importante? Para deixar claro que não existem verdades absolutas. Para tranquilizar aqueles que, como eu, porque educados em meios conservadores, se descobrem a defender a despenalização do aborto, sempre com um nó na garganta e um ligeiro sentimento de culpa.
Eu acho que foi também por isso que em Junho de 1998, apenas 31% dos eleitores foram votar.
CineEco #7
OBRAS A CONCURSO
Dia 27
15,00
LIXO, de Mário Carvalho Gajo, Portugal, 2005, 3’;
THE BAREFOOT RUNNER, de Filipe Y, Portugal, 2006, 4’;
ÁGUAS AGITADAS, de Bernardo Ferrão, Portugal, 2005, 30;
DA PELE À PEDRA, de Pedro Sena Nunes, Portugal, 2005, 40’
18,00
WHITE GOLD - THE TRUE COST OF COTTON, de Sam Cole, Itália, 2005, 8’;
GAMBIT, de Sabine Giseger, Suiça, Finlândia, 2005, 107’
22,00
OVAS DE ORO, de Manuel Gonzales, Chile, 2005, 63’;
SHOOT BACK!, de Michael Trabitzsch e Katharina Kiecol, Alemanha, Quénia, 2006, 83’.
Dia 27
15,00
LIXO, de Mário Carvalho Gajo, Portugal, 2005, 3’;
THE BAREFOOT RUNNER, de Filipe Y, Portugal, 2006, 4’;
ÁGUAS AGITADAS, de Bernardo Ferrão, Portugal, 2005, 30;
DA PELE À PEDRA, de Pedro Sena Nunes, Portugal, 2005, 40’
18,00
WHITE GOLD - THE TRUE COST OF COTTON, de Sam Cole, Itália, 2005, 8’;
GAMBIT, de Sabine Giseger, Suiça, Finlândia, 2005, 107’
22,00
OVAS DE ORO, de Manuel Gonzales, Chile, 2005, 63’;
SHOOT BACK!, de Michael Trabitzsch e Katharina Kiecol, Alemanha, Quénia, 2006, 83’.
19.10.06
SIM ou NÃO. A questão do aborto
"Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez,
se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas,
em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?"
se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas,
em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?"
Esta é a pergunta a que teremos de dar resposta no próximo referendo sobre o aborto, se o projecto de resolução proposto pelo PS, que será hoje debatido e votado em plenário na AR, for aprovado. À partida, o projecto terá os votos do PS, PSD e BE, o CDS-PP vai abster-se e o PCP e Verdes, que sempre defenderam a mudança da lei sem recurso a referendo, vão votar contra.
Foi em 1998 que se realizou a primeira consulta, em Portugal. Todos parecem convencidos de que, passados 8 anos, vamos assistir a uma mudança de atitude e de opinião, de forma que, no dia do referendo, a participação dos portugueses será mais significativa e o SIM sairá vencedor. É o que espero. Mas não me apercebi de nenhuma alteração de forma ou conteúdo na argumentação dos defensores do SIM ou do NÃO. De resto, votarei SIM, na mais perfeita ignorância do sistema que será implantado. Votarei pela despenalização, aprovarei o período limite das dez semanas___ e terei de me contentar com a esperança de que o passo seja grande, imenso, apesar de desconhecer quaisquer outras regras, condições e limites.
São várias as questões que coloco. A primeira, mais ontológica que política, reporta ao primeiro referendo. António Guterres (por quem eu nutro uma enorme simpatia), assumido católico e socialista, deixou que a sua orientação religiosa interferisse nos destinos da Nação e marcou um referendo. Não compreendeu que o apelo às consciências individuais (uma retórica recorrente) era anulado pelo próprio acto referendário. Como resultado, uma maioria (que acabou por ser muito relativa) acabou por decidir, anulando um direito a milhares de consciências individuais.
A posição do PCP e Verdes no plenário de hoje pode ser pouco pragmática, mas é a mais correcta.
Receio que, no período de campanha, sejam incontáveis as vezes em que "a consciência individual" será evocada de forma perversa em discursos institucionais, por representantes de organizações políticas ou pela Igreja - que, já sabemos, "dará orientação de voto". A discussão pública desta matéria nunca me tranquilizou sobre o estado civilizacional deste país; mais do que informar, deforma.
Outro aspecto que me desconcerta é próprio conceito que se debate, a despenalização do aborto. Como se pode despenalizar sem legalizar? Por que não podemos referendar a legalização do aborto? Mais estranho ainda, o que é a liberalização do aborto?
A utilização deste conceito é a prova consumada da falta de coragem política dos governantes e responsáveis políticos deste país. Não ousam chamar os bois pelo nome com medo de perder eleitorado.
Eu não pretendo apenas que as mulheres deste país deixem de cometer um acto ilegal ao optar por, em determinado momento, fazer uma interrupção voluntária de gravidez. Parece-me mesmo óbvio que todos desejamos muito mais do que isso. Queremos um quadro legal que sustente a prática da IVG com segurança e responsabilidade. A garantia de estabelecimentos que prestem bons cuidados de saúde é importante, mas o clean cirúrgico não é tudo. É preciso conhecer princípios e limites, para além da duração máxima de dez semanas de gravidez.
Quantas IVG poderá uma mulher requerer? (questão fundamental porque esta prática não pode ser encarada como um novo método anticonceptivo) (e como será exercido esse controle?)
Como/quem decide quando se trata de uma gravidez não desejada de uma menor de idade?
Haverá um período de tempo (número de dias) definido para confirmação da decisão? Existirá uma "comissão de apoio" ou o pedido de IVG será aceite sem qualquer abordagem psicológica ou social aos diferentes casos?
Nunca ouvi uma discussão pública no país sobre estas matérias, na generalidade ou na especialidade. Os debates que antecederam o referendo de 1998 centraram-se ora no valor da vida do embrião, ora no elevado número (estimado) de abortos e de redes clandestinas, temas oportunos, não fosse a simplificação, redução e repetição dos argumentos. Dos defensores do NÃO podemos sempre esperar que revisitem os lugares comuns do "aborto, homicídio agravado" ou "defendemos aqueles que não se podem defender", enquanto que, com os defensores do SIM, já nem nos indignamos quando repiscam velhos slogans (que já foram feministas), como o tonto "a barriga é minha".
Não me parece que o debate de (novas) ideias, a partir, por exemplo, duma reflexão sobre a filosofia e procedimentos já aplicados noutros países, vá acontecer por agora. Mas teria muito prazer nisso.
Foi em 1998 que se realizou a primeira consulta, em Portugal. Todos parecem convencidos de que, passados 8 anos, vamos assistir a uma mudança de atitude e de opinião, de forma que, no dia do referendo, a participação dos portugueses será mais significativa e o SIM sairá vencedor. É o que espero. Mas não me apercebi de nenhuma alteração de forma ou conteúdo na argumentação dos defensores do SIM ou do NÃO. De resto, votarei SIM, na mais perfeita ignorância do sistema que será implantado. Votarei pela despenalização, aprovarei o período limite das dez semanas___ e terei de me contentar com a esperança de que o passo seja grande, imenso, apesar de desconhecer quaisquer outras regras, condições e limites.
São várias as questões que coloco. A primeira, mais ontológica que política, reporta ao primeiro referendo. António Guterres (por quem eu nutro uma enorme simpatia), assumido católico e socialista, deixou que a sua orientação religiosa interferisse nos destinos da Nação e marcou um referendo. Não compreendeu que o apelo às consciências individuais (uma retórica recorrente) era anulado pelo próprio acto referendário. Como resultado, uma maioria (que acabou por ser muito relativa) acabou por decidir, anulando um direito a milhares de consciências individuais.
A posição do PCP e Verdes no plenário de hoje pode ser pouco pragmática, mas é a mais correcta.
Receio que, no período de campanha, sejam incontáveis as vezes em que "a consciência individual" será evocada de forma perversa em discursos institucionais, por representantes de organizações políticas ou pela Igreja - que, já sabemos, "dará orientação de voto". A discussão pública desta matéria nunca me tranquilizou sobre o estado civilizacional deste país; mais do que informar, deforma.
Outro aspecto que me desconcerta é próprio conceito que se debate, a despenalização do aborto. Como se pode despenalizar sem legalizar? Por que não podemos referendar a legalização do aborto? Mais estranho ainda, o que é a liberalização do aborto?
A utilização deste conceito é a prova consumada da falta de coragem política dos governantes e responsáveis políticos deste país. Não ousam chamar os bois pelo nome com medo de perder eleitorado.
Eu não pretendo apenas que as mulheres deste país deixem de cometer um acto ilegal ao optar por, em determinado momento, fazer uma interrupção voluntária de gravidez. Parece-me mesmo óbvio que todos desejamos muito mais do que isso. Queremos um quadro legal que sustente a prática da IVG com segurança e responsabilidade. A garantia de estabelecimentos que prestem bons cuidados de saúde é importante, mas o clean cirúrgico não é tudo. É preciso conhecer princípios e limites, para além da duração máxima de dez semanas de gravidez.
Quantas IVG poderá uma mulher requerer? (questão fundamental porque esta prática não pode ser encarada como um novo método anticonceptivo) (e como será exercido esse controle?)
Como/quem decide quando se trata de uma gravidez não desejada de uma menor de idade?
Haverá um período de tempo (número de dias) definido para confirmação da decisão? Existirá uma "comissão de apoio" ou o pedido de IVG será aceite sem qualquer abordagem psicológica ou social aos diferentes casos?
Nunca ouvi uma discussão pública no país sobre estas matérias, na generalidade ou na especialidade. Os debates que antecederam o referendo de 1998 centraram-se ora no valor da vida do embrião, ora no elevado número (estimado) de abortos e de redes clandestinas, temas oportunos, não fosse a simplificação, redução e repetição dos argumentos. Dos defensores do NÃO podemos sempre esperar que revisitem os lugares comuns do "aborto, homicídio agravado" ou "defendemos aqueles que não se podem defender", enquanto que, com os defensores do SIM, já nem nos indignamos quando repiscam velhos slogans (que já foram feministas), como o tonto "a barriga é minha".
Não me parece que o debate de (novas) ideias, a partir, por exemplo, duma reflexão sobre a filosofia e procedimentos já aplicados noutros países, vá acontecer por agora. Mas teria muito prazer nisso.
(continua)
18.10.06
Estudei o tema antes do processo: as conversas são um intercâmbio de notícias (exemplo: meteorológicas), de indignações ou alegrias (exemplo: intelectuais) já sabidas ou compartilhadas pelos interlocutores. Move-as exclusivamente o gosto de falar, de dar expressão a acordos e desacordos.
in A Invenção de Morel, de Adolfo Bioy Casares, Ed. Antígona, p. 48
Acho que é isso o que faço por aqui...
CineEco #6
Ducklee
OBRAS A CONCURSO
Dia 26
15,00
LIFE IS CHANGE, de Eduardo Morais de Sousa, Portugal, 2006, 5’;
RUA 15 – SÂO JOÃO, de António Barreira Saraiva, Portugal, 2005, 42’;
O FOLE – UM OBJECTO DO COTIDIANO RURAL, de Carlos Eduardo Viana, Portugal, 2006, 33’;
RESERVA NATURAL DO ESTUÁRIO DO SADO, de João P. Fernandes, João Dias, Nelson Silva, Portugal, 2006, 20’
18,00
GIOVANNI E IL MITO IMPOSSIBILE DELLE ARTI VISUELE, de Ruggero Di Maggio, Itália, 2006, 19’;
49, de Ichiro Iwano, Japão, 2006, 10’;
TERRE IN MOTO, de Michele Citoni, Ângela Landini, Ettore Sinlschlchi, Itália, 2006, 80’
22,00
LA REVOLUTION DES CRABES, de Arthur de Pins, França, 2005, 5’;
TESHUMARA, LES GUITARES DE LA RÉBELLION TOUAREG, de Jérémie Reichnbach, França, 2005, 51’;
LE CHEVAL OUVRIER, de Alain Marie, França, 2005, 62’;
PARTING LANDS – An Icelandia Saga, de Zoltan Torok, Hungria, 2005, 52.
Dia 26
15,00
LIFE IS CHANGE, de Eduardo Morais de Sousa, Portugal, 2006, 5’;
RUA 15 – SÂO JOÃO, de António Barreira Saraiva, Portugal, 2005, 42’;
O FOLE – UM OBJECTO DO COTIDIANO RURAL, de Carlos Eduardo Viana, Portugal, 2006, 33’;
RESERVA NATURAL DO ESTUÁRIO DO SADO, de João P. Fernandes, João Dias, Nelson Silva, Portugal, 2006, 20’
18,00
GIOVANNI E IL MITO IMPOSSIBILE DELLE ARTI VISUELE, de Ruggero Di Maggio, Itália, 2006, 19’;
49, de Ichiro Iwano, Japão, 2006, 10’;
TERRE IN MOTO, de Michele Citoni, Ângela Landini, Ettore Sinlschlchi, Itália, 2006, 80’
22,00
LA REVOLUTION DES CRABES, de Arthur de Pins, França, 2005, 5’;
TESHUMARA, LES GUITARES DE LA RÉBELLION TOUAREG, de Jérémie Reichnbach, França, 2005, 51’;
LE CHEVAL OUVRIER, de Alain Marie, França, 2005, 62’;
PARTING LANDS – An Icelandia Saga, de Zoltan Torok, Hungria, 2005, 52.
17.10.06
AMOR-TE
Já houve tempos em que não foi assim, mas agora não penso muito na morte. ou prefiro não pensar. Não me lembro de temer o nada ou a vida para além da morte. Temo a separação. sentir a fragilidade daqueles que amo. ou passar pela dura aprendizagem de viver a ausência de alguém. Assusta-me a dor, física e psicológica, que associamos a esta passagem, o prolongamento artificial do tempo, pela consciência súbita da preciosidade do momento, ou porque uma máquina nos quer reter, a satisfação das últimas vontades e a concessão de prazeres, estes quase sempre pequenos, comoventes, com que se mascara a tortura da espera. Temo o desespero. não a morte.
Por causa de um episódio particular vivido aos vinte anos, encaro a morte como uma quase-entidade, movida por vontade própria. Como no Sétimo Selo de Bergman, veste negro, e um capuz encobre-lhe o rosto. Quando um familiar meu adoeceu gravemente, há já alguns anos, lembro-me de pensar que esse vulto nos andaria a rondar, e que, como no filme, certamente levaria outras pessoas desprevenidas, antes do jogador que desafiava aos olhos de todos. Sentia medo desses caprichos___ em que acreditava.
A morte gosta de nos surpreender. No entanto, é quando nem damos pela sua chegada que sofremos menos. que a morte não dói. Talvez seja por isso que me assustam as viagens de automóvel mas não sinta muita ansiedade quando viajo de avião. O tempo elástico, curto-súbito, sempre nos protege do galopar das angústias. Padecer de uma doença grave, que se arrasta, nos arrasta, arrasta todos à nossa volta até à despedida, é o pior dos cenários que posso imaginar.
É por isso que não sei o que pensar desta exposição, Amor-te. Walter Schels e Beate Lakotta lançaram-se num projecto de foto-reportagem que não deixa ninguém indiferente. Procuraram doentes terminais e acompanharam-nos até à morte. O resultado é um conjunto de fotografias, organizadas por pares, retratando essas pessoas "antes de" e após a morte.
A curiosidade mórbida dos autores, ele fotógrafo, ela jornalista do Der Spiegel, pode ser discutida, inclusivé do ponto de vista ético. mas as pessoas fotografadas permitiram certamente esta invasão de privacidade. A exposição está patente no Museu da Água, em Lisboa, de 3 a 28 de Outubro. Leio no blog de Amor-te as perguntas: Como encarar a morte? Consegue ultrapassar o medo e contemplar o seu rosto?
Mas não é a morte que eu vejo. Vejo o tempo curto-súbito-longo entre uma foto e outra, e isso faz-me sofrer. Não me parecem 44 fotografias onde a vida, o amor e a morte se espelham em cada um dos rostos retratados. Eu só vejo dor viva, e depois, uma subtracção. de olhar.
Encarar a morte não é surpreender alguém a fechar os olhos.
Passei por aqui e espantei-me com Amor-te. Mas, se não for ver a exposição, não é por não aceitar a condição mortal do ser humano ou me impressionar com a pele baça e fria do morto. É por (ainda) resistir à ideia de que o sofrimento faz parte da vida. e não gostar que me violentem, em nome da arte ou de uma qualquer pseudo-sociologia mediática.
16.10.06
À escuta #24
Sabes, mamã, estive a pensar e, coitados, não podem fazer outra coisa... No restaurante reparei bem neles, estava frio lá fora, e olha, eles só pousavam em cima do pão e da fruta. É porque têm fome, não achas?
[Uma das minhas filhas foi picada na cara por um mosquito, mas decidiu perdoar-lhe.]
[Uma das minhas filhas foi picada na cara por um mosquito, mas decidiu perdoar-lhe.]
CineEco #5
Daniel Saphatie
OBRAS A CONCURSO
Dia 25
15,00
EXTRA CONCURSO
18,00
WUTE UND WIEBKE, de Leonore Poth, Alemanha, 2005, 8’;
CIUDAD DORIDA, de Henrique Rodriguez, Espanha, 2005, 10’;
O PONTAL DO PARANAPANEMA, de Chico Guariba, Brasil, 2005, 52’;
QUANDO A ECOLOGIA CHEGOU, de Pedro Novaes, Brasil, 2006, 50’
CIUDAD DORIDA, de Henrique Rodriguez, Espanha, 2005, 10’;
O PONTAL DO PARANAPANEMA, de Chico Guariba, Brasil, 2005, 52’;
QUANDO A ECOLOGIA CHEGOU, de Pedro Novaes, Brasil, 2006, 50’
22,00
DIM, de Vladimir Perivic, Montenegro, 2006, 26’;
AN ALCHEMY IN GREEN, de Dave Dawson, Nova Zelândia, 2005, 50’;
CONFLIT TIGER, de Sasha Snow, Rússia, Inglaterra, 2005, 62’.
AN ALCHEMY IN GREEN, de Dave Dawson, Nova Zelândia, 2005, 50’;
CONFLIT TIGER, de Sasha Snow, Rússia, Inglaterra, 2005, 62’.
15.10.06
Diva & Contrabaixo
Não é todos os dias que encontramos uma diva e um contrabaixo reunidos. Petra Magoni e Ferruccio Spinetti formam Musica Muda. Nos próximos tempos este blog vai ser invadido pelos dois. Hoje, podem ouvir L'Ultima Ocasione (ali ao lado) e uma amostra de Guarda Che Luna (é só carregar no play). Acabam de ganhar o prémio para a melhor digressão 2006, atribuído pelo PIMI (Prémio Italiano para a Música Independente). Eu acho que o Süskind vai ficar feliz se souber que um Contrabaixo é, finalmente, um dos protagonistas da cena musical.
14.10.06
Delanoë, escritor de canções ou poeta
Existe uma fronteira muito ténue entre (alguns) textos para canções e a poesia. Para os diferenciar, argumenta-se que os primeiros precisam de uma melodia e que a poesia contém uma musicalidade própria. Mas quando penso nas letras escritas por Jacques Brel ou Chico Buarque tenho a certeza de que também as poderia ler.
De Pierre Delanoë pouco tereis ouvido falar mas, pouco depois da II Guerra Mundial, ele encontrou Gilbert Bécaud e tornou-se famoso. Para Bécaud escreveu Mes mains, Le jour où la pluie viendra, Et maintenant, e muitas outras canções. Leiam este fragmento de Mes mains:
"Mes mains/ Dessinent dans le soir/ La forme d'un espoir/ Qui ressemble à ton corps/ Mes mains/ Quand elles tremblent de fièvre/ C'est de nos amours brèves/ Qu'elles se souviennent encore/ Mes mains/ Caressent dans leurs doigts/ Des riens venus de toi/ Cherchant un peu de joie/ Mes mains se tendent en prière/ Vers ton ombre légère/ Disparu dans la nuit..."
Escreveu também para Piaf, Nana Mouskouri, Michel Polnareff, Michel Sardou ou Joe Dassin (sim, L'Été indien e Et si tu n'existais pas, foram escritas por ele). Delanoë é umescrevedor de canções poeta.
Et maintenant, fiquem com Bécaud (link). No Music Hall poderão também ouvir (ver) Joe Dassin. A letra das canções está là à vossa disposição.
De Pierre Delanoë pouco tereis ouvido falar mas, pouco depois da II Guerra Mundial, ele encontrou Gilbert Bécaud e tornou-se famoso. Para Bécaud escreveu Mes mains, Le jour où la pluie viendra, Et maintenant, e muitas outras canções. Leiam este fragmento de Mes mains:
"Mes mains/ Dessinent dans le soir/ La forme d'un espoir/ Qui ressemble à ton corps/ Mes mains/ Quand elles tremblent de fièvre/ C'est de nos amours brèves/ Qu'elles se souviennent encore/ Mes mains/ Caressent dans leurs doigts/ Des riens venus de toi/ Cherchant un peu de joie/ Mes mains se tendent en prière/ Vers ton ombre légère/ Disparu dans la nuit..."
Escreveu também para Piaf, Nana Mouskouri, Michel Polnareff, Michel Sardou ou Joe Dassin (sim, L'Été indien e Et si tu n'existais pas, foram escritas por ele). Delanoë é um
Et maintenant, fiquem com Bécaud (link). No Music Hall poderão também ouvir (ver) Joe Dassin. A letra das canções está là à vossa disposição.
CineEco #4
Ingrid Mwangi
OBRAS A CONCURSO
Dia 23
15,00
BARTÓ, de Luís Botosso e Thiago Veiga, Brasil, 2005, 7’;
KIARASA YO SATI, O AMENDOIM DA CUTIA, de Komoi Panará e Paturi Panará, Brasil, 2005, 81’
18,00
EL CERCO, de Nacho Martín e Ricardo Iscar, Espanha, 2005, 12’;
A WAY TO INNER PEACE, de Charlotte Rosenberg Ishoy, Dinamarca, 2005, 37’;
NANDINI, de Helle Ryslinge, Dinamarca, 2006, 57’;
22,00
CARPATIA, de Andrzej Klamt e Ulrich Rydzewski, Alemanha, 2005, 127’;
24,00
ECO DHARMA, de Malgorzata Skib, Índia, 2005, 28’;
GANGES: RIVER TO HEAVEN, de Gayle Ferraro, EUA, 2005, 78’
Dia 23
15,00
BARTÓ, de Luís Botosso e Thiago Veiga, Brasil, 2005, 7’;
KIARASA YO SATI, O AMENDOIM DA CUTIA, de Komoi Panará e Paturi Panará, Brasil, 2005, 81’
18,00
EL CERCO, de Nacho Martín e Ricardo Iscar, Espanha, 2005, 12’;
A WAY TO INNER PEACE, de Charlotte Rosenberg Ishoy, Dinamarca, 2005, 37’;
NANDINI, de Helle Ryslinge, Dinamarca, 2006, 57’;
22,00
CARPATIA, de Andrzej Klamt e Ulrich Rydzewski, Alemanha, 2005, 127’;
24,00
ECO DHARMA, de Malgorzata Skib, Índia, 2005, 28’;
GANGES: RIVER TO HEAVEN, de Gayle Ferraro, EUA, 2005, 78’
Pequeno conselho
Meninas, este weekend, tão cheio de sol, libertem-se de todas as prisões (obrigada, Eduarda)!
13.10.06
Smoking no smoking
Ando a mentalizar-me para deixar de fumar. Depois de 23 anos a inalar alcatrão, nicotina e monóxido de carbono, pode parecer que já não é sem tempo, mas, na verdade, é apenas o tempo que o meu organismo aguentou. Comecei há poucos meses a ter uma tosse que não passa. Os médicos encostaram-me à parede com o meu raio x e ameaçaram: não há xaropes, pastilhas ou injecções que curem isto, a única solução é deixar de fumar. Não tenho nenhuma doença aguda nem insuficiência respiratória. Por agora, apenas por agora, dizem-me. Conclusão: tenho mesmo que deixar de fumar. Nada que eu não saiba há muito tempo...
Por que raio é tão difícil deixar de fumar? Fumar é um vício, pois. Recentemente, descobriram (para meu alívio) que existe um gene que diferencia a apetência de cada um para a dependência à nicotina. É por isso que certas pessoas que fumam, deixam de fumar quando lhes apetece, e que outras, com bronquite asmática crónica, estão no leito do hospital a suplicar por um cigarro (eu disse que era um alívio porque o argumento da força de carácter e determinação perde força face ao factor biológico e isso dá imenso jeito a quem não gosta de dar cabo da sua auto-imagem).
Durante a adolescência nunca me senti atraída pelo tabaco e o meu namorado, fumador, até ouviu alguns sermões. Lembro-me perfeitamente de fazermos jogging e eu correr mais do que ele. Isto é importante: antes de começar a fumar, antes de todas as campanhas anti-tabagistas, antes do Lucky Luke passar a ter uma palhinha na boca, eu já tinha consciência dos malefícios do tabaco. No entanto, por volta dos 17 anos, comecei a fumar para ser fixe. Acho que gostava da(s) pose(s) do fumador. E depois, enfim, já estava farta de não saber travar, era humilhante. Uma tarde, meti-me no sotão da minha casa com um maço de SG Suave e fiz uns ensaios. Sempre às escondidas, fui repetindo o exercício tardes sem conta. Um dia a minha mãe descobriu e decidiu ser moderna (ela que era hiper conservadora). Deu-me permissão para fumar em casa... sem saber que eu nunca fumava na rua.
Obtida a licença, passei a fumar em cafés. Quando entrei na universidade, em Lisboa, o pessoal deve ter ficado convencido de que eu fumava há anos. A única vantagem de fumar tabaco e de, rapidamente, passar de 3 cigarros para um maço por dia, foi poder perceber que o meu organismo se tornava addict com muita facilidade. Outro tipo de drogas (leves) foram experimentadas com precaução (e fujo de medicamentos como o diabo da cruz). O gene só agora foi descoberto mas eu já pressentia esse potencial congénito para a dependência química.
É claro que o meu querido e amaldiçoado gene pode nem existir. Se calhar, sou uma fumadora compulsiva apenas por (inúmeras) razões de natureza psicológica. Que prazer obtenho com o tabaco? ____ Acendi um cigarro. Gosto de o levar à boca e de aspirar o fumo. Gosto da familiaridade do gesto. Gosto da pausa.
Em momentos de mais stress ou trabalho, afastar-me para fumar um cigarro, dá-me uma certa tranquilidade. Sou eu sozinha comigo, no meu mundo (acompanhada daquele gesto).
Mas a maior parte das vezes fumo sem buscar nada, nem refúgio nem projecção (a afirmação social por via deste recurso perdeu efeito). Não sinto prazer (talvez haja alívio por responder à pulsão). Fumo porque é um hábito.
Dei-me conta há pouco tempo de que fumar é tão antigo em mim que parece que abandono a minha identidade se eliminar este comportamento. E no entanto, racionalmente, romper esta ligação salva-me. Fumar anda a debilitar-me.
Mentalizar-me. Hoje, este blog está a servir para isso. Passei por esta casa e invejei a(s) ex fumadora(s).
Sou uma fumadora (quase) republicana. Acho que todas as medidas de prevenção e de proibição do consumo de tabaco (em espaços públicos) são válidas. Concordo que os menores não possam comprar cigarros, vou ser intransigente com as minhas filhas, quero que no meu país as leis sejam mais rigorosas, que não seja permitido fumar em nenhum espaço público fechado. Só não aprecio o modelo americano pela simplificação dos tipos sociais subjacente às leis de restrição do consumo de tabaco: nos EUA, agora, existem fumadores e não fumadores, que integram, respectivamente, o império do mal e as forças do bem.
Todos os radicais são hipócritas, eu também. Eu fumo em espaços públicos fechados, se puder. É por isso que suplico que me impeçam de o fazer.
Em todas as situações de impedimento, eu controlo a pulsão. Eu e muitos outros. Os italianos, latinos como nós, não podem fumar em restaurantes, e não fumam. Estive em Roma pouco tempo depois da nova lei passar a ser aplicada e não assisti a nenhum incumprimento. Nos EUA tive oportunidade de frequentar bares onde se ouvia música, à noite, bom jazz, e ninguém parecia (mais) infeliz por não poder fumar. nem eu. na verdade, gostei muito mais daqueles espaços, alguns em caves, sem fumo.
A primeira vez que fiz um voo não fumador foi em 1994, a viagem demorou quatro horas e achei insuportável. Na vez seguinte, já mentalizada de que a regra era essa, viajei durante oito horas e quase esqueci os cigarros.
Fumar faz mal. Devemos agradecer todas as medidas que limitem o consumo de tabaco.
(que me desculpem os fumadores passivos, não penso muito neles, sei que as últimas estatísticas sobre as causas de morte são alarmantes e que reforçam os seus direitos, mas sempre me pareceu um enorme exagero o que para aí se diz, e, excepção feita às crianças, actualmente, um não fumador pode sempre reclamar numa situação em que o fumo o incomode, além de que é muito mais fácil mudar de café do que controlar um vício horroroso. sim, ainda sou egoísta, ainda fumo)
Ando a contar os cigarros que fumo. Hoje, só fumei nove. Quero acordar amanhã com a sensação de que não me apetece fumar. Às vezes isso acontece e delicio-me até não resistir e pegar num cigarro. O mais certo é isso voltar a acontecer. Mas espero brevemente dar a volta ao gene-vontade. Viver nestes tempos difíceis para fumadores há-de ajudar. Mesmo se esta imagem da BB me seja tão querida...
Por que raio é tão difícil deixar de fumar? Fumar é um vício, pois. Recentemente, descobriram (para meu alívio) que existe um gene que diferencia a apetência de cada um para a dependência à nicotina. É por isso que certas pessoas que fumam, deixam de fumar quando lhes apetece, e que outras, com bronquite asmática crónica, estão no leito do hospital a suplicar por um cigarro (eu disse que era um alívio porque o argumento da força de carácter e determinação perde força face ao factor biológico e isso dá imenso jeito a quem não gosta de dar cabo da sua auto-imagem).
Durante a adolescência nunca me senti atraída pelo tabaco e o meu namorado, fumador, até ouviu alguns sermões. Lembro-me perfeitamente de fazermos jogging e eu correr mais do que ele. Isto é importante: antes de começar a fumar, antes de todas as campanhas anti-tabagistas, antes do Lucky Luke passar a ter uma palhinha na boca, eu já tinha consciência dos malefícios do tabaco. No entanto, por volta dos 17 anos, comecei a fumar para ser fixe. Acho que gostava da(s) pose(s) do fumador. E depois, enfim, já estava farta de não saber travar, era humilhante. Uma tarde, meti-me no sotão da minha casa com um maço de SG Suave e fiz uns ensaios. Sempre às escondidas, fui repetindo o exercício tardes sem conta. Um dia a minha mãe descobriu e decidiu ser moderna (ela que era hiper conservadora). Deu-me permissão para fumar em casa... sem saber que eu nunca fumava na rua.
Obtida a licença, passei a fumar em cafés. Quando entrei na universidade, em Lisboa, o pessoal deve ter ficado convencido de que eu fumava há anos. A única vantagem de fumar tabaco e de, rapidamente, passar de 3 cigarros para um maço por dia, foi poder perceber que o meu organismo se tornava addict com muita facilidade. Outro tipo de drogas (leves) foram experimentadas com precaução (e fujo de medicamentos como o diabo da cruz). O gene só agora foi descoberto mas eu já pressentia esse potencial congénito para a dependência química.
É claro que o meu querido e amaldiçoado gene pode nem existir. Se calhar, sou uma fumadora compulsiva apenas por (inúmeras) razões de natureza psicológica. Que prazer obtenho com o tabaco? ____ Acendi um cigarro. Gosto de o levar à boca e de aspirar o fumo. Gosto da familiaridade do gesto. Gosto da pausa.
Em momentos de mais stress ou trabalho, afastar-me para fumar um cigarro, dá-me uma certa tranquilidade. Sou eu sozinha comigo, no meu mundo (acompanhada daquele gesto).
Mas a maior parte das vezes fumo sem buscar nada, nem refúgio nem projecção (a afirmação social por via deste recurso perdeu efeito). Não sinto prazer (talvez haja alívio por responder à pulsão). Fumo porque é um hábito.
Dei-me conta há pouco tempo de que fumar é tão antigo em mim que parece que abandono a minha identidade se eliminar este comportamento. E no entanto, racionalmente, romper esta ligação salva-me. Fumar anda a debilitar-me.
Mentalizar-me. Hoje, este blog está a servir para isso. Passei por esta casa e invejei a(s) ex fumadora(s).
Sou uma fumadora (quase) republicana. Acho que todas as medidas de prevenção e de proibição do consumo de tabaco (em espaços públicos) são válidas. Concordo que os menores não possam comprar cigarros, vou ser intransigente com as minhas filhas, quero que no meu país as leis sejam mais rigorosas, que não seja permitido fumar em nenhum espaço público fechado. Só não aprecio o modelo americano pela simplificação dos tipos sociais subjacente às leis de restrição do consumo de tabaco: nos EUA, agora, existem fumadores e não fumadores, que integram, respectivamente, o império do mal e as forças do bem.
Todos os radicais são hipócritas, eu também. Eu fumo em espaços públicos fechados, se puder. É por isso que suplico que me impeçam de o fazer.
Em todas as situações de impedimento, eu controlo a pulsão. Eu e muitos outros. Os italianos, latinos como nós, não podem fumar em restaurantes, e não fumam. Estive em Roma pouco tempo depois da nova lei passar a ser aplicada e não assisti a nenhum incumprimento. Nos EUA tive oportunidade de frequentar bares onde se ouvia música, à noite, bom jazz, e ninguém parecia (mais) infeliz por não poder fumar. nem eu. na verdade, gostei muito mais daqueles espaços, alguns em caves, sem fumo.
A primeira vez que fiz um voo não fumador foi em 1994, a viagem demorou quatro horas e achei insuportável. Na vez seguinte, já mentalizada de que a regra era essa, viajei durante oito horas e quase esqueci os cigarros.
Fumar faz mal. Devemos agradecer todas as medidas que limitem o consumo de tabaco.
(que me desculpem os fumadores passivos, não penso muito neles, sei que as últimas estatísticas sobre as causas de morte são alarmantes e que reforçam os seus direitos, mas sempre me pareceu um enorme exagero o que para aí se diz, e, excepção feita às crianças, actualmente, um não fumador pode sempre reclamar numa situação em que o fumo o incomode, além de que é muito mais fácil mudar de café do que controlar um vício horroroso. sim, ainda sou egoísta, ainda fumo)
Ando a contar os cigarros que fumo. Hoje, só fumei nove. Quero acordar amanhã com a sensação de que não me apetece fumar. Às vezes isso acontece e delicio-me até não resistir e pegar num cigarro. O mais certo é isso voltar a acontecer. Mas espero brevemente dar a volta ao gene-vontade. Viver nestes tempos difíceis para fumadores há-de ajudar. Mesmo se esta imagem da BB me seja tão querida...
12.10.06
Os virtuosos
Quando estava grávida, tentei educar para a música as minhas filhas-embrião. Tinha lido algures que a sensibilidade artística começava na vida intra-uterina. Pelo sim, pelo não, pu-las a ouvir música clássica, seleccionando o que de melhor conhecia. Sentia-me sempre ridícula, tanto mais que elas nunca reagiam aos estímulos!
Um dia, estava eu muito descansada a ver Brassed Off (Os Virtuosos) e comecei a sentir movimentos. Este filme inglês conta a história de um grupo de mineiros cujo emprego está ameaçado, e que se dedica de corpo e alma à banda filarmónica local. De cada vez que a banda tocava, as bébés mexiam. Foram quase duas horas a testar o efeito daquela música. Decididamente, elas gostavam era de música de fanfarra. Por isso, quando me enviaram este filme(link), chamei-as logo. Seis anos depois, voltou a resultar. O encantamento foi imediato. o delas e o meu. O ritmo dos tambores instiga ao movimento (a coreografia abisma). Obrigada pela remessa, Pirata!
Um dia, estava eu muito descansada a ver Brassed Off (Os Virtuosos) e comecei a sentir movimentos. Este filme inglês conta a história de um grupo de mineiros cujo emprego está ameaçado, e que se dedica de corpo e alma à banda filarmónica local. De cada vez que a banda tocava, as bébés mexiam. Foram quase duas horas a testar o efeito daquela música. Decididamente, elas gostavam era de música de fanfarra. Por isso, quando me enviaram este filme(link), chamei-as logo. Seis anos depois, voltou a resultar. O encantamento foi imediato. o delas e o meu. O ritmo dos tambores instiga ao movimento (a coreografia abisma). Obrigada pela remessa, Pirata!
CineEco #3
Bea Emsbach
OBRAS A CONCURSO
Dia 22
15,00
EXPEDIÇÕES AMAZÓNIA: SOS AMAZÓNIA, de Pedro Saldanha Werneck (filho da jornalista Paula Saldanha e do biólogo Roberto Werneck), Brasil, 2005, 26’;
O PROFETA DAS ÁGUAS, de Leopoldo Nunes, Brasil, 2005, 83’
18,00
DISSOLUTION, de Milesh Bell- Corsia, Inglaterra, 2006, 14’;
MI HISTORIA ES TU HISTORIA, Colectivo, Venezuela, 2006, 22’;
NAKKALA, de Peter Ramseier, Suiça, 2005, 88’
GEDREYEN DOOR WIND / DRIVEN BY WIND, de Janna Dekker, Holanda, 2005, 13’;
KITUI SAND DAMS, de Eva Zwart e Hans van Westerlaak, Holanda, 2005, 15’;
LES TOMATES VOIENT ROUGE, de Andréa Bergala, França, 2006, 52’;
LES HERITIERS DU GUARANA, de Denecheau Remi, França, Brasil, 2005, 52’.
Dia 22
15,00
EXPEDIÇÕES AMAZÓNIA: SOS AMAZÓNIA, de Pedro Saldanha Werneck (filho da jornalista Paula Saldanha e do biólogo Roberto Werneck), Brasil, 2005, 26’;
O PROFETA DAS ÁGUAS, de Leopoldo Nunes, Brasil, 2005, 83’
18,00
DISSOLUTION, de Milesh Bell- Corsia, Inglaterra, 2006, 14’;
MI HISTORIA ES TU HISTORIA, Colectivo, Venezuela, 2006, 22’;
NAKKALA, de Peter Ramseier, Suiça, 2005, 88’
GEDREYEN DOOR WIND / DRIVEN BY WIND, de Janna Dekker, Holanda, 2005, 13’;
KITUI SAND DAMS, de Eva Zwart e Hans van Westerlaak, Holanda, 2005, 15’;
LES TOMATES VOIENT ROUGE, de Andréa Bergala, França, 2006, 52’;
LES HERITIERS DU GUARANA, de Denecheau Remi, França, Brasil, 2005, 52’.