Segundo os dados avançados pelo ministro (Correia de Campos) entre três a cinco mulheres acorrem diariamente aos hospitais em consequência da prática de aborto clandestino.
Fonte: Portugal Diário
Fonte: Portugal Diário
(1)
Em 1996, em viagem pela Irlanda, passei uma noite num bed & breakfast nos arredores de Killarney. Ia com o meu marido e, mal chegámos, percebemos um enorme nervosismo no dono da casa. A recepção dos hóspedes não era uma tarefa a que estivesse habituado. Ofereceu-nos um chá enquanto se desculpava pela ausência da esposa. Ela tinha ido à cidade e já deveria ter chegado, escurecia e estranhamente ela não aparecia, ele até já tinha dado o banho às filhas, e mais isto e mais aquilo, e o senhor parecia tão preocupado que comecámos a imaginar filmes. Saímos para jantar e só no dia seguinte tivemos a honra de a conhecer. Ela tinha preparado um fantástico pequeno-almoço e, para se desculpar - não valeu de nada dizer-lhe que não estávamos nada ofendidos - decidiu contar-nos a razão do seu atraso no dia anterior: tinha ido ao médico porque estava grávida e havia complicações. A senhora tinha 42 anos, duas filhas com 8 e 10 anos, e a gravidez não tinha sido planeada. Em simultâneo, e era isso o que mais a desesperava (e ao marido), os médicos tinham detectado a existência de alguns tumores (benigmos) no útero. Não recordo os detalhes mas o que temiam era uma possível mal-formação do feto, que poderia não ter espaço para se desenvolver normalmente. Não podia interromper a gravidez apesar de o desejar.
Há 20 anos atrás a minha familia vivera esse mesmo drama. No nosso caso, o final foi feliz. Mostrei-lhe uma foto do meu irmão. Ela "agarrou" essa foto com a avidez de quem precisa de engolir esperança. Quando nos despedimos deu-me uma rosa do seu jardim. Estávamos no Verão, a flor secou completamente nesse mesmo dia. Mas guardei-a, inteira, durante anos.
Ela ficou de me escrever quando o bébé nascesse. Não recebi nenhuma carta. Não sei o que aconteceu.
(2)
Andava na faculdade quando a conheci. Ela era muito bonita mas tinha um ar um pouco triste e meio-distante. Vendia uns produtos de beleza que, pelo menos ali, ninguém estava interessado em comprar. Era um aluna interessada, gostava do curso. Tinha um namorado que parecia ser "bonzinho" mas via-se, a milhas, que ela estava farta dele. De vez enquando falávamos e acontecia rirmo-nos imenso. Mas foi só no último ano, quando fizemos um trabalho conjunto para uma cadeira, que nos conhecemos melhor.
Soube então que fizera um aborto e que esse facto mudara uma série de coisas na sua vida. O namorado tinha-a apoiado nessa decisão e foi com ele que se dirigiu a uma abortadeira, algures no Alentejo, onde vivia. Acabou com uma hemorragia tão grande que se assustou, e então contou tudo aos pais. Estes levaram-na ao hospital e ela acabou por ficar bem. Mas, oh mas! O pai deixou de lhe falar, e, sendo o chefe da esquadra local, quis mesmo que ela se afastasse, não fosse alguém vir a saber de qualquer coisa! A mãe continuou a protegê-la mas, envergonhada com a gravidez e aborto da filha, aconselhava-a a nunca deixar fugir aquele namorado que devia ser um santo por ainda querer namorar e casar com ela. Deixaram de lhe dar dinheiro, de lhe comprar roupa, de alimentar qualquer "capricho".
O tempo acabou por nos afastar. Mas sei que mandou o namorado da altura às urtigas, que se casou com outra pessoa, teve filhos e que vive na mesma localidade em que já viviam os pais.
(3)
Os dois são dentistas e ganham muito bem a vida. Gostam de viajar, de barcos à vela e praticam vários desportos. Planeiam bem os seus projectos, incluindo os mais pessoais. Ela tomava a pílula mas, pouco tempo depois de se casarem, devido a uma pequena intervenção cirúrgica, interrompeu a tomada e engravidou. Já tinham a viagem aos EUA, que duraria alguns meses, organizada. Então, com poucas hesitações, decidiram interromper a gravidez. Dirigiram-se a um médico ginecologista e correu tudo bem.
Hoje têm uma filha com 11 anos e são uns pais muito "derretidos". Tentaram ter mais filhos mas foram surpreendidos por um problema (posterior) de infertilidade. Talvez lamentem o aborto que foi feito há anos mas não vivem sentimentos de culpa.
Estes são apenas três casos. Nada os une, a não ser a situação de uma gravidez indesejada. Todos, eu incluida, tenderemos a nos emocionar, a empatizar, a julgar, mais ou menos, as pessoas envolvidas. É uma reacção muito humana a que nos leva a projectar a nossa própria vivência, os nossos valores e emoções, nas vivências e estórias dos outros. Mas nenhum de nós tem o direito de tomar decisões em seu nome. O SIM no futuro referendo assegura essa liberdade. e o acesso a um serviço médico de qualidade a Todos.
Em 1996, em viagem pela Irlanda, passei uma noite num bed & breakfast nos arredores de Killarney. Ia com o meu marido e, mal chegámos, percebemos um enorme nervosismo no dono da casa. A recepção dos hóspedes não era uma tarefa a que estivesse habituado. Ofereceu-nos um chá enquanto se desculpava pela ausência da esposa. Ela tinha ido à cidade e já deveria ter chegado, escurecia e estranhamente ela não aparecia, ele até já tinha dado o banho às filhas, e mais isto e mais aquilo, e o senhor parecia tão preocupado que comecámos a imaginar filmes. Saímos para jantar e só no dia seguinte tivemos a honra de a conhecer. Ela tinha preparado um fantástico pequeno-almoço e, para se desculpar - não valeu de nada dizer-lhe que não estávamos nada ofendidos - decidiu contar-nos a razão do seu atraso no dia anterior: tinha ido ao médico porque estava grávida e havia complicações. A senhora tinha 42 anos, duas filhas com 8 e 10 anos, e a gravidez não tinha sido planeada. Em simultâneo, e era isso o que mais a desesperava (e ao marido), os médicos tinham detectado a existência de alguns tumores (benigmos) no útero. Não recordo os detalhes mas o que temiam era uma possível mal-formação do feto, que poderia não ter espaço para se desenvolver normalmente. Não podia interromper a gravidez apesar de o desejar.
Há 20 anos atrás a minha familia vivera esse mesmo drama. No nosso caso, o final foi feliz. Mostrei-lhe uma foto do meu irmão. Ela "agarrou" essa foto com a avidez de quem precisa de engolir esperança. Quando nos despedimos deu-me uma rosa do seu jardim. Estávamos no Verão, a flor secou completamente nesse mesmo dia. Mas guardei-a, inteira, durante anos.
Ela ficou de me escrever quando o bébé nascesse. Não recebi nenhuma carta. Não sei o que aconteceu.
(2)
Andava na faculdade quando a conheci. Ela era muito bonita mas tinha um ar um pouco triste e meio-distante. Vendia uns produtos de beleza que, pelo menos ali, ninguém estava interessado em comprar. Era um aluna interessada, gostava do curso. Tinha um namorado que parecia ser "bonzinho" mas via-se, a milhas, que ela estava farta dele. De vez enquando falávamos e acontecia rirmo-nos imenso. Mas foi só no último ano, quando fizemos um trabalho conjunto para uma cadeira, que nos conhecemos melhor.
Soube então que fizera um aborto e que esse facto mudara uma série de coisas na sua vida. O namorado tinha-a apoiado nessa decisão e foi com ele que se dirigiu a uma abortadeira, algures no Alentejo, onde vivia. Acabou com uma hemorragia tão grande que se assustou, e então contou tudo aos pais. Estes levaram-na ao hospital e ela acabou por ficar bem. Mas, oh mas! O pai deixou de lhe falar, e, sendo o chefe da esquadra local, quis mesmo que ela se afastasse, não fosse alguém vir a saber de qualquer coisa! A mãe continuou a protegê-la mas, envergonhada com a gravidez e aborto da filha, aconselhava-a a nunca deixar fugir aquele namorado que devia ser um santo por ainda querer namorar e casar com ela. Deixaram de lhe dar dinheiro, de lhe comprar roupa, de alimentar qualquer "capricho".
O tempo acabou por nos afastar. Mas sei que mandou o namorado da altura às urtigas, que se casou com outra pessoa, teve filhos e que vive na mesma localidade em que já viviam os pais.
(3)
Os dois são dentistas e ganham muito bem a vida. Gostam de viajar, de barcos à vela e praticam vários desportos. Planeiam bem os seus projectos, incluindo os mais pessoais. Ela tomava a pílula mas, pouco tempo depois de se casarem, devido a uma pequena intervenção cirúrgica, interrompeu a tomada e engravidou. Já tinham a viagem aos EUA, que duraria alguns meses, organizada. Então, com poucas hesitações, decidiram interromper a gravidez. Dirigiram-se a um médico ginecologista e correu tudo bem.
Hoje têm uma filha com 11 anos e são uns pais muito "derretidos". Tentaram ter mais filhos mas foram surpreendidos por um problema (posterior) de infertilidade. Talvez lamentem o aborto que foi feito há anos mas não vivem sentimentos de culpa.
Estes são apenas três casos. Nada os une, a não ser a situação de uma gravidez indesejada. Todos, eu incluida, tenderemos a nos emocionar, a empatizar, a julgar, mais ou menos, as pessoas envolvidas. É uma reacção muito humana a que nos leva a projectar a nossa própria vivência, os nossos valores e emoções, nas vivências e estórias dos outros. Mas nenhum de nós tem o direito de tomar decisões em seu nome. O SIM no futuro referendo assegura essa liberdade. e o acesso a um serviço médico de qualidade a Todos.
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