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5.9.06

Banville, O mar e Bonnard III

Pierre Bonnard
O banho, 1925


A obra em que supostamente devia estar a trabalhar é uma monografia sobre Bonnard, um projecto modesto em que estou metido há mais tempo do que gostaria. Um pintor extraordinário, na minha opinião, sobre o qual, como há já muito percebi, não tenho nada de original a dizer. Anna costumava chamar-lhe o Noivas-no-Banho, ao mesmo tempo que soltava um gargalhada. Bonnard, Bonn'art, Bon'nargue. Não, não sou capaz de trabalhar, mas apenas de rabiscar umas coisas.
Seja como for, trabalho não é bem a palavra que eu usaria para aquilo que faço. Trabalho é um termo demasiado vasto e demasiado sério. Os operários trabalham. Os adultos trabalham. Para nós, os medíocres, não existe uma palavra suficientemente modesta que seja adequada para descrever o que fazemos e como o fazemos. Não aceito o diletantismo. É o amadorismo que é diletante, ao passo que nós, a classe ou o género de que estou a falar, somos profissionais. Os profissionais de papel de parede como Vuillard e Maurice Denis eram diligentes - e aqui está outra palavra-chave - como o seu amigo Bonnard, embora a diligência só por si não chegue, nunca é suficiente. Nós não somos nem uns baldas nem uns ociosos.(...)

Acabamos as coisas, ao passo que para o verdadeiro trabalhador, como disse o poeta Valéry, suponho que foi ele, o trabalho nunca está concluído, mas tão só suspenso. Existe uma bela vinheta em que se vê Bonnard no Museu do Luxemburgo acompanhado por um amigo, creio que era Vuillard, a quem ele pede para distrair o guarda do museu enquanto saca da caixa de tintas e refaz uma parte de um dos seus trabalhos ali expoxto há vários anos. Os verdadeiros trabalhadores morrem atormentados por um sentimento de frustação. Tanta coisa por fazer e tanta coisa que não chegou a ser feita!


in Banville, John, O Mar, ed. ASA, Junho 2006, pp 29-30

Pierre Bonnard
Nu de cócoras no banho, 1940

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