"(...) Regressemos a Portugal, e ao ano de 1572 em que, concluídas as obras de construção da capela-mor do mosteiro dos Jerónimos em Belém, se aproximava o soleníssimo momento da transladação dos restos mortais dos monarcas defuntos para aquele que era indiscutivelmente, muito por vontade e determinação de D. Catarina, o «Panteão dos Reais Corpos» da monarquia portuguesa. Não por acaso, reinando seu neto D. Sebastião, parecia pertencer à rainha o protagonismo dos acontecimentos. No dia 2 de Outubro, D. Catarina partiu de Xabregas em direcção ao convento da Esperança de religiosas franciscanas, mais próximo do mosteiro de Belém do que o austero paço que era agora o lugar da sua evidente reclusão, onde aguardou que se ultimassem os preparativos para as exéquias reais.
Finalmente, o mosteiro estava preparado para que se procedesse às cerimónias. A capela-mor luzia os seus magníficos mármores de cor parda, vermelha verde e branca, os majestosos túmulos, os painéis do retábulo da Paixão de Cristo e da Adoração dos Magos, os cristalinos vitrais venezianos encomendados por D. Catarina.
A igreja encontrava-se totalmente paramentada de negro, e no claustro foram levantados trinta altares com frontais e cortinas de tafetá negro, cada um deles com um crucifixo, duas velas e duas tochas. No Domimgo, 12 de Outubro, pela manhã, o bispo de Viseu, D. Jorge de Ataíde, procedeu à consagração do altar da nova capela-mor, e nessa noite a rainha dormiu nas casas que o duque de Aveiro tinha junto do mosteiro. No dia seguinte, dia 13, a rainha deslocou-se ao mosteiro acompanhada por D. Duarte, duque de Guimarães, o embaixador Juan de Borja e muitos outros senhores de título para observar na sacristia da igreja a preparação dos ossos dos reis D. Manuel, D. Maria e D. João III, retirados dos respectivos sepulcros e depositados dentro de uma tumba, em três pequenos caixões de ferro forrados por dentro e por fora de cetim branco assentado com tachas e fechos dourados.
(...)
Mas nem a solenidade de que a cerimónia fúnebre se revestiu obstou a que fosse marcada, também ela, por mais um episódio que evidenciava a insolúvel distância e frieza que separavam D. Catarina do cardeal D. Henrique. (...) Apercebendo-se o cardeal de que as ossadas de seus pais, os reis D. Manuel e D. Maria, depois de retiradas da tumba, eram conduzidas para serem sepultadas ao lado da Epístola, ou seja, à esquerda do altar, considerado liturgicamente menos nobre do que o lado do Evangelho, situado do lado direito, D. Henrique fez saber a D. Catarina do seu desagrado por essa decisão que coubera à rainha. Para o cardeal, ao rei D. Manuel, seu pai, fundador do mosteiro de Belém, cabia o lugar mais digno e simbolicamente relevante na capela-mor, e por isso era-lhe devido ser sepultado ao lado do Evangelho. Foram e vieram recados. Argumentou D. Catarina que custeara as obras do seu bolso, por amor do rei D. João III, seu marido, e por isso se considerava no direito de para ele - e para si própria - escolher o lado do Evangelho.
Do surdo confronto entre ambos acabou por triunfar a vontade do cardeal, «ficando ela [a rainha] muito desgostosa»... .
(...)
Terminaram as exéquias reais pelas duas da tarde do dia 14 de Outubro."
Finalmente, o mosteiro estava preparado para que se procedesse às cerimónias. A capela-mor luzia os seus magníficos mármores de cor parda, vermelha verde e branca, os majestosos túmulos, os painéis do retábulo da Paixão de Cristo e da Adoração dos Magos, os cristalinos vitrais venezianos encomendados por D. Catarina.
A igreja encontrava-se totalmente paramentada de negro, e no claustro foram levantados trinta altares com frontais e cortinas de tafetá negro, cada um deles com um crucifixo, duas velas e duas tochas. No Domimgo, 12 de Outubro, pela manhã, o bispo de Viseu, D. Jorge de Ataíde, procedeu à consagração do altar da nova capela-mor, e nessa noite a rainha dormiu nas casas que o duque de Aveiro tinha junto do mosteiro. No dia seguinte, dia 13, a rainha deslocou-se ao mosteiro acompanhada por D. Duarte, duque de Guimarães, o embaixador Juan de Borja e muitos outros senhores de título para observar na sacristia da igreja a preparação dos ossos dos reis D. Manuel, D. Maria e D. João III, retirados dos respectivos sepulcros e depositados dentro de uma tumba, em três pequenos caixões de ferro forrados por dentro e por fora de cetim branco assentado com tachas e fechos dourados.
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Mas nem a solenidade de que a cerimónia fúnebre se revestiu obstou a que fosse marcada, também ela, por mais um episódio que evidenciava a insolúvel distância e frieza que separavam D. Catarina do cardeal D. Henrique. (...) Apercebendo-se o cardeal de que as ossadas de seus pais, os reis D. Manuel e D. Maria, depois de retiradas da tumba, eram conduzidas para serem sepultadas ao lado da Epístola, ou seja, à esquerda do altar, considerado liturgicamente menos nobre do que o lado do Evangelho, situado do lado direito, D. Henrique fez saber a D. Catarina do seu desagrado por essa decisão que coubera à rainha. Para o cardeal, ao rei D. Manuel, seu pai, fundador do mosteiro de Belém, cabia o lugar mais digno e simbolicamente relevante na capela-mor, e por isso era-lhe devido ser sepultado ao lado do Evangelho. Foram e vieram recados. Argumentou D. Catarina que custeara as obras do seu bolso, por amor do rei D. João III, seu marido, e por isso se considerava no direito de para ele - e para si própria - escolher o lado do Evangelho.
Do surdo confronto entre ambos acabou por triunfar a vontade do cardeal, «ficando ela [a rainha] muito desgostosa»... .
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Terminaram as exéquias reais pelas duas da tarde do dia 14 de Outubro."
- ou seja, agora mesmo, há 436 anos!
in Buescu, Ana Isabel, Catarina de Áustria Infanta de Tordesilhas - Rainha de Portugal, Edit. A Esfera dos Livros, Novembro de 2007. pp 398-403
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