É a segunda vez que a Gazeta Blogueira me atribui este prémio. Só posso agradecer. muito. Sabe sempre tão bem! Um abraço até ao outro lado do mar!
Páginas
▼
31.3.05
30.3.05
Ao sabor da escrita solta... que me_____ nos provoca com imagens.composições de fotões e de letras. às vezes respondo resmungo namoro as imagens. e vós?
Escrita Solta
Deitado és um tronco. E raramente
surgem árvores na floresta tão alongadas
com tão sensuais nervuras e farta máscula penugem
Com ardor inclino-me sobre
ti e enfeitiçado dobras-te
pelo joelho dos dedos
Carstanova
http://www.carstanova.flashpage.nl/
Estou numa canção. Sim
em total silêncio e abstração
nessa canção que apenas o vento da memória embala.
Escrita Solta, Wilson T
e depois, de há uns tempos para cá
falo comigo pelo caminho
para me entreter
às vezes canto,
cantigas de amor
sansão e dalila, ne me quitte pas
notas sem nexo
mas sobretudo converso
diz-te coisas bonitas
a luz
uma casa de pedra
outras vezes ando de mão dada com ninguém
recordando a mão cingida nos dedos de...
sonho breve, sono leve
diz-te mais coisas bonitas
risos mélicos
portões com ferrugem
loiça frágil
escrita solta
Escrita Solta
quando os olhos se turvam e os dedos esfriam
(quando a mente enruga e os nervos estalam)
e se o ventre fende e se a boca cospe
(e tudo se torce)
então querida
meus olhos tigre
deixas de ser
menos um rosto numerado
(mesmo se o sorriso é igual)
(e se as folhas caem e não as distingues)
Conversa de amigas II
Sent: Tuesday, March 29, 2005 4:24 PM
Subject: Re: Blog
Minha querida, se tivesse o Hello falavamos agora! Vou tratar disso do endereço. A Rita acaba de me telefonar, também gostou do fim de semana! Hoje estive no médico dos olhos por causa do treçolho (é assim que se escreve?), dei um pulo por curiosidade ao instituto franco- português (mas declaro desistir do francês e dedicar-me ao necessário espanhol), depois ginástica, depois Freud, depois internet, emails, faxs: segurança social, comunidades portuguesas, pessoas, ideias, sei lá. E ainda aqui estou, hesitante entre levar as crianças a um concerto gratuito no São Carlos às seis da tarde ou fazer aerodança à mesma hora para liberar energias acumuladas. Ah! E estou com TPM! Como as coisas se passam, tenho a impressão de que anda tudo desintegrado. Dá pra entender, R.?
Subject: Re: Blog
Minha querida, se tivesse o Hello falavamos agora! Vou tratar disso do endereço. A Rita acaba de me telefonar, também gostou do fim de semana! Hoje estive no médico dos olhos por causa do treçolho (é assim que se escreve?), dei um pulo por curiosidade ao instituto franco- português (mas declaro desistir do francês e dedicar-me ao necessário espanhol), depois ginástica, depois Freud, depois internet, emails, faxs: segurança social, comunidades portuguesas, pessoas, ideias, sei lá. E ainda aqui estou, hesitante entre levar as crianças a um concerto gratuito no São Carlos às seis da tarde ou fazer aerodança à mesma hora para liberar energias acumuladas. Ah! E estou com TPM! Como as coisas se passam, tenho a impressão de que anda tudo desintegrado. Dá pra entender, R.?
Sent: Tuesday, March 29, 2005 5:20 PM
Subject: Re: Blog
Bem, eu hoje estou neura! Tenho uma empregada boazinha de alma mas nula na prática, a A. e a S. são uns amores mas estão sempre a chamar por mim e sinto-me culpada por me faltar paciência, tenho que transcrever uma cassete mas só consigo fazê-lo em silêncio, o meu pai veio cá e devia dar-lhe toda a atenção do mundo mas andei de um lado para outro, agora estou a ver os mails e tenho que falar com o meu próximo entrevistado, mais a Cris que quer saber datas certas para Junho, e devia ir ao cabeleireiro (eu e elas) e levar as miúdas a um parque e falar com as mães dos amiguinhos delas por causa da festa de aniversário no domingo, e começar a organizar aquele estudo de que te falei... e quero mesmo é sair daqui e ir ao cinema sozinha ver o Being Júlia. e não o vou fazer. Acho que vou tomar um ansiolítico mas não está com nada irritar-me com estas pequenas mierdas!!!?
Fico a aguardar o tal endereço. Quanto ao Hello, quando criar o blog, vais tê-lo (depois percebes).
Sent: Tuesday, March 29, 2005 7:46 PM
Subject: Re: Blog
Estava no concerto quando o telefone tocou - eras tu. Entre pausas da Suite Nº 1 em Do Maior de Bach, PUM! Um pum da B.!? A seguir, TÓIM! Rebenta a corda do cello. Resultado: mal o P. começou a tossir, toca dali pra fora. Fomos à Fnac, encomendámos livros, espreitámos a Bertrand, subimos escadas rumo ao cabeleireiro de primeira infância dos dois, para minha surpresa fechado e, depois de pisar num cocó, voltamos muito contentes para casa a fazer contas de matemática. Pensei: missão cumprida. Um dia de Lisboa que eles de certeza se lembrarão.
Beijos
PS: Vi-me no blog! (ehehehe) Espero, ainda hoje, mandar-te o que tenho que mandar. Tb estou um pouco neura, de vez em quando irritam-me behaviours quo. Gosto da diferença.
Sent: Tuesday, March 29, 2005 7:57 PM
Subject: Férias
R., acaba de me passar uma ideia pela cabeça. Vou tentar reservar avião para o fim de semana prolongado do 25 de Abril. Destino: Roma. Motivo: não conheço + defesa de tese de mestrado (espero) até lá resolvida + refreshing conjugal. Companhia preferida: vocês dois. Que tal?
PS: no mínimo mais um assunto para juntar aos outros.
Sent: Tuesday, March 29, 2005 8:10 PM
Subject: Re: Blog
R., podes dar o nome ao blog de COR PURA
O endereço será corpura@yahoo.com
Beijos
M.
Sent: Tuesday, March 29, 2005 10:45 PM
Subject: Re: Blog
Porquê cor pura?
O raio solar, a maior expressão de luz branca,...
M.
Sent: Tuesday, March 29, 2005 11:02 PM
Subject: Re: Férias
Proposta aceite. Motivo: vontade pura. Condições: que não me custe os olhos da cara e outros sítios e que a avó esteja disponível nesse fds__________________(uns minutos depois:) a avó está e até ficou contente. Aliciante: a divina Roma que não conhecemos e um par de amigos luso-brazucas!
PS: irritam-te behaviours quo? traduz, please. (subito, presto)
Sent: Tuesday, March 30, 2005 2:24 AM
Subject: Já tens um blog!
MX, já tens um blogue!
Endereço do blog (URL): http://corpura.blogspot.com
Kisses e boa blogagem!
29.3.05
Conversa de amigas
Sent: Monday, March 28, 2005 8:10 PM
Subject: Blog
M., para criar o teu blogue, preciso apenas que me dês uma morada (email). Convém criares uma nova só para esse fim, no hotmail ou whatever. Se quiseres dizer-me um nome para o teu blogue, diz, senão invento um nome que depois mudas. E para assinares os posts, pode ser MX?
Beijinhos muitos
PS: adorei estar com vocês este fim de semana (mas isso vocês já sabem!)
Sent: Monday, March 28, 2005 10:53 PM
Subject: Re: Blog
Querida R., acabo de deitar as crianças depois de me ter esmerado na confecção de um jantar como deve ser. Bifes de lombo, cogumelos salteados, arroz e salada de alface com rúcula, inovando no tempero. O refúgio na cozinha apetece quando a lua está cheia e uma certa nostalgia teima em mim... Tenho pensado nisso do blogue, talvez como forma de me organizar e sistematizar ideias e ritmos. Hesito quanto à forma, conteúdo, nome?? Nem sei bem o que dizer, entre sociologias, estados de alma, literatura e conversas. Deve ser reflexo da minha crise de identidade! Inscreve-me no hello, please, para written falarmos. Foi óptimo estarmos juntos, gostando sempre, mais e mais, de vocês. Take care, amiga.
Sent: Monday, March 29, 2005 13:10 PM
Subject: Re: Re: Blog
Eu decido por ti (sabendo que depois podes mudar tudo) mas dá-me um endereço electrónico.
Ontem tb cozinhei, algo bem português, pescada, batatinhas, cenouras e ovinhos cozinhos, com molho de cebolada. Estivemos os 4 à mesa, o que acontece menos vezes do que devia. A empregada não veio, foi um dia de lides domésticas e cuidados maternais. A A. e a S. deixam-me sempre espantadas e, mais para o fim do dia, cansada! A S. faz tudo o que eu faço, fez a cama dela, arrumou o quarto, regou as plantas, é uma senhorinha. A A. diz Não, e não vale a pena insistir, Não é Não. Por outro lado, persegue-me pela casa, disse-me "Gosto de te ver, mamã", da mesma maneira que no final de um dia em que estive sempre com ela me diz "Tenho saudades tuas". Para tranquilidade minha, este "Tenho saudades", dito de forma romântica, quer dizer "Ainda estou na fase de namorar com a minha mamã".
Já passava da uma e estive uma hora ao telefone com a G.. Falamos de nós na adolescência, recordamos férias à portuguesa em Termas, os namoricos, passamos pela relação que tínhamos com os pais, depois os tempos da universidade, falamos de amigos e de como sentimos falta daqueles que estão longe, e depois, muito existencialistas, chegamos à conclusão de que tivémos um dia chato. mas acho que o que tivémos foi um dia santo!
Beijinhos
Subject: Blog
M., para criar o teu blogue, preciso apenas que me dês uma morada (email). Convém criares uma nova só para esse fim, no hotmail ou whatever. Se quiseres dizer-me um nome para o teu blogue, diz, senão invento um nome que depois mudas. E para assinares os posts, pode ser MX?
Beijinhos muitos
PS: adorei estar com vocês este fim de semana (mas isso vocês já sabem!)
Sent: Monday, March 28, 2005 10:53 PM
Subject: Re: Blog
Querida R., acabo de deitar as crianças depois de me ter esmerado na confecção de um jantar como deve ser. Bifes de lombo, cogumelos salteados, arroz e salada de alface com rúcula, inovando no tempero. O refúgio na cozinha apetece quando a lua está cheia e uma certa nostalgia teima em mim... Tenho pensado nisso do blogue, talvez como forma de me organizar e sistematizar ideias e ritmos. Hesito quanto à forma, conteúdo, nome?? Nem sei bem o que dizer, entre sociologias, estados de alma, literatura e conversas. Deve ser reflexo da minha crise de identidade! Inscreve-me no hello, please, para written falarmos. Foi óptimo estarmos juntos, gostando sempre, mais e mais, de vocês. Take care, amiga.
Sent: Monday, March 29, 2005 13:10 PM
Subject: Re: Re: Blog
Eu decido por ti (sabendo que depois podes mudar tudo) mas dá-me um endereço electrónico.
Ontem tb cozinhei, algo bem português, pescada, batatinhas, cenouras e ovinhos cozinhos, com molho de cebolada. Estivemos os 4 à mesa, o que acontece menos vezes do que devia. A empregada não veio, foi um dia de lides domésticas e cuidados maternais. A A. e a S. deixam-me sempre espantadas e, mais para o fim do dia, cansada! A S. faz tudo o que eu faço, fez a cama dela, arrumou o quarto, regou as plantas, é uma senhorinha. A A. diz Não, e não vale a pena insistir, Não é Não. Por outro lado, persegue-me pela casa, disse-me "Gosto de te ver, mamã", da mesma maneira que no final de um dia em que estive sempre com ela me diz "Tenho saudades tuas". Para tranquilidade minha, este "Tenho saudades", dito de forma romântica, quer dizer "Ainda estou na fase de namorar com a minha mamã".
Já passava da uma e estive uma hora ao telefone com a G.. Falamos de nós na adolescência, recordamos férias à portuguesa em Termas, os namoricos, passamos pela relação que tínhamos com os pais, depois os tempos da universidade, falamos de amigos e de como sentimos falta daqueles que estão longe, e depois, muito existencialistas, chegamos à conclusão de que tivémos um dia chato. mas acho que o que tivémos foi um dia santo!
Beijinhos
Meu estrangeiro e eu
Cá, dábliu, ípsilon... K,w,y... W,k,y... Y,k,w... Só sabia que desconhecia as letras cuja grafia era obrigada a praticar na nova escola primária. O caderno de caligrafia enchia-se de rabiscos hesitantes, acanhados: W,k,y... Y,k,w... K,y,w... Pouco sabia do mundo - e o mundo me vinha assim em pequenos choques, em extraordinários acidentes no interior do alfabeto que eu, então, julgava conhecer de cor e salteado; o mundo me chegava em ondas de novidades poderosas, por vezes vexatórias.
Lia este conto de Marilene Felinto e sorria.
in Até ao Oriente & outros contos para Wenceslau de Moraes
Organização, selecção e prefácio de Rui Zink
Ed. Dom Quixote, 2004
Organização, selecção e prefácio de Rui Zink
Ed. Dom Quixote, 2004
Ali
Por causa de um viajante e explorador chamado bin_tex, ando há já algum tempo à procura deste Ali Farka Touré.
Cá, dábliu, ípsilon..., parece que finalmente o vou encontrar!
28.3.05
Porque ontem foi o dia do Teatro
... e porque esta menina ama o Teatro e porque, como Plasticina, me revejo muitas vezes nas suas vontades e gostos, este post vai todo para ela ... e para o Teatro Meridional do Miguel Seabra.
O problema com a religião
Salman Rushdie
Uma newsletter de Luis Mateus, presidente da associação República e Laicidade, chamava a atenção para este artigo (exclusivo DN/The New York Times Syndicate) de Salman Rushdie. Em 1989, o Ayatollah Khomeini lançou uma fatwa sobre o autor de Versículos Satânicos. Mas, como veremos, o seu problema com a religião ultrapassa essa sua experiência pessoal.
Nunca pensei em mim como um escritor que escreve sobre religião até uma religião ter começado a perseguir-me. A religião era uma parte do meu assunto, claro – para um romancista do sub-continente indiano, como poderia não ser assim?
(...) Agora, passados 16 anos, a religião persegue-nos a todos e, apesar de a maior parte de nós pensar, como eu pensei em tempos, que temos outras preocupações mais importantes, vamos todos ter de enfrentar o desafio. Se falharmos, este assunto em particular pode acabar por tomar conta de nós.
Para aqueles de nós que cresceram na Índia no rescaldo dos motins separatistas de 1946-1947, que se seguiram à criação dos Estados independentes da Índia e do Paquistão, a sombra desse massacre manteve-se como um aviso terrível sobre aquilo que os homens fazem em nome de Deus. E essa violência na Índia tem sido demasiado recorrente - em Meerut, em Assam e mais recentemente em Gujarat. Também a história europeia está cheia de provas dos perigos da religião politizada: as guerras francesas da religião, os amargos problemas irlandeses, o "nacionalismo católico" do ditador espanhol Franco e os exércitos rivais na guerra civil inglesa que iam para a batalha a cantarem ambos os mesmos hinos.
As pessoas sempre se viraram para a religião para obter respostas às duas grandes questões da vida: Donde viemos? E como devemos viver? Mas quanto à questão das origens, todas as religiões estão, simplesmente, erradas. O universo não foi criado em seis dias por uma força suprema que descansou no sétimo dia. Nem foi amassado, até se formar, por um deus do céu com uma batedeira gigante. E quanto à questão social, a verdade nua e crua é que sempre que a religião se senta aos comandos da sociedade o resultado é a tirania. O resultado é a Inquisição ou então os talibãs. Contudo, as religiões continuam a insistir que fornecem um acesso especial às verdades éticas e consequentemente merecem um tratamento e uma protecção especiais. (...)
A emergência do islão radical não precisa de ser descrita aqui, mas o ressurgimento da fé é um assunto mais amplo do que isso.
Nos Estados Unidos actuais é possível para quase toda a gente – mulheres, homossexuais, afro-americanos, judeus – candidatar-se e ser eleito para um cargo elevado. Mas um ateu confesso não teria mais hipóteses que um pregador no deserto. Daí a crescente qualidade santimonial do discurso político americano. Segundo Bob Woodward, o actual Presidente vê-se a si próprio como um "mensageiro" a fazer "a vontade de Deus", e "valores morais" tornou-se a frase código para o fanatismo conservador, anti-homossexual, anti-aborto. Os democratas derrotados também parecem estar a escorregar para este tipo de terreno, talvez em desespero de alguma vez poderem vir a ganhar umas eleições de outro modo.
Segundo Jacques Delors, antigo presidente da Comissão Europeia, "o choque entre aqueles que acreditam e aqueles que não acreditam irá ser um aspecto dominante das relações entre os EUA e a Europa nos próximos anos". Na Europa, as bombas nas estações de comboios de Madrid e o assassínio do realizador holandês Theo Van Gogh são vistos como avisos de que os princípios seculares que estão na base de qualquer democracia humanista precisam de ser defendidos e reforçados.
Mesmo antes de acontecerem estas atrocidades, a decisão francesa de banir os símbolos religiosos tais como os lenços islâmicos teve o apoio de todo o espectro político. As reivindicações islâmicas para aulas separadas e pausas para oração foram também rejeitadas. São poucos os europeus que hoje em dia se consideram, a si próprios, religiosos – apenas 21%, segundo um recente estudo de valores europeus, contra 59% de americanos, segundo o Pew Forum. Na Europa, o Iluminismo representou uma fuga ao poder da religião de impor limites ao pensamento, enquanto na América representou uma fuga para a liberdade religiosa do Novo Mundo – um movimento em direcção à fé, mais do que um afastamento dela.
Muitos europeus vêem agora a combinação americana de religião com nacionalismo como assustadora. A excepção ao secularismo europeu pode ser encontrada na Grã-Bretanha ou pelo menos no Governo do devotadamente cristão, crescentemente autoritário Tony Blair, o qual está agora a tentar pressionar o Parlamento a fazer passar uma lei contra "o incitamento ao ódio religioso", numa tentativa cínica de angariação de votos para apaziguar os defensores dos muçulmanos britânicos, a cujos olhos praticamente qualquer crítica ao Islão é ofensiva. Jornalistas, advogados e uma longa lista de figuras públicas avisaram que essa lei irá limitar dramaticamente a liberdade de expressão e falhará o objectivo – irá aumentar os distúrbios religiosos em vez de os diminuir. O Governo de Blair parece olhar para toda a questão das liberdades civis com desdém: o que importam as liberdades, por muito duramente conquistadas e acalentadas que tenham sido, quando colocadas face às necessidades de um Governo que enfrenta a reeleição? E no entanto a política de apaziguamento de Blair deve ser derrotada. Talvez a Câmara dos Lordes faça aquilo que os comuns não fizeram e mande esta má lei para o lixo.
E, embora isto seja mais improvável, talvez os democratas americanos percebam que na actual América 50/50 eles tenham, possivelmente, mais a ganhar ao se posicionarem contra a Coligação Cristã e seus companheiros de viagem, e ao se recusarem a deixar que a visão do mundo de Mel Gibson modele a orientação social e política americana. Se estas coisas não acontecerem, se a América e a Grã-Bretanha permitirem que a fé religiosa controle e domine o discurso público, então a aliança ocidental ver-se-á colocada sob uma pressão cada vez maior, e esses outros regionalistas, aqueles contra os quais é suposto estarmos a lutar, irão ter grandes motivos de júbilo.
Victor Hugo escreveu que "em todas as terras há um archote, o mestre-escola, e um extintor, o pároco". Precisamos de mais professores e de menos padres nas nossas vidas, porque, como James Joyce disse uma vez "Não há nenhuma heresia ou filosofia que seja tão detestável para a Igreja como o ser humano."
Mas talvez o grande advogado americano Clarence Darrow tenha defendido o argumento secular melhor que todos os outros. "Eu não acredito em Deus", disse ele, "porque também não acredito em fadas."
Nunca pensei em mim como um escritor que escreve sobre religião até uma religião ter começado a perseguir-me. A religião era uma parte do meu assunto, claro – para um romancista do sub-continente indiano, como poderia não ser assim?
(...) Agora, passados 16 anos, a religião persegue-nos a todos e, apesar de a maior parte de nós pensar, como eu pensei em tempos, que temos outras preocupações mais importantes, vamos todos ter de enfrentar o desafio. Se falharmos, este assunto em particular pode acabar por tomar conta de nós.
Para aqueles de nós que cresceram na Índia no rescaldo dos motins separatistas de 1946-1947, que se seguiram à criação dos Estados independentes da Índia e do Paquistão, a sombra desse massacre manteve-se como um aviso terrível sobre aquilo que os homens fazem em nome de Deus. E essa violência na Índia tem sido demasiado recorrente - em Meerut, em Assam e mais recentemente em Gujarat. Também a história europeia está cheia de provas dos perigos da religião politizada: as guerras francesas da religião, os amargos problemas irlandeses, o "nacionalismo católico" do ditador espanhol Franco e os exércitos rivais na guerra civil inglesa que iam para a batalha a cantarem ambos os mesmos hinos.
As pessoas sempre se viraram para a religião para obter respostas às duas grandes questões da vida: Donde viemos? E como devemos viver? Mas quanto à questão das origens, todas as religiões estão, simplesmente, erradas. O universo não foi criado em seis dias por uma força suprema que descansou no sétimo dia. Nem foi amassado, até se formar, por um deus do céu com uma batedeira gigante. E quanto à questão social, a verdade nua e crua é que sempre que a religião se senta aos comandos da sociedade o resultado é a tirania. O resultado é a Inquisição ou então os talibãs. Contudo, as religiões continuam a insistir que fornecem um acesso especial às verdades éticas e consequentemente merecem um tratamento e uma protecção especiais. (...)
A emergência do islão radical não precisa de ser descrita aqui, mas o ressurgimento da fé é um assunto mais amplo do que isso.
Nos Estados Unidos actuais é possível para quase toda a gente – mulheres, homossexuais, afro-americanos, judeus – candidatar-se e ser eleito para um cargo elevado. Mas um ateu confesso não teria mais hipóteses que um pregador no deserto. Daí a crescente qualidade santimonial do discurso político americano. Segundo Bob Woodward, o actual Presidente vê-se a si próprio como um "mensageiro" a fazer "a vontade de Deus", e "valores morais" tornou-se a frase código para o fanatismo conservador, anti-homossexual, anti-aborto. Os democratas derrotados também parecem estar a escorregar para este tipo de terreno, talvez em desespero de alguma vez poderem vir a ganhar umas eleições de outro modo.
Segundo Jacques Delors, antigo presidente da Comissão Europeia, "o choque entre aqueles que acreditam e aqueles que não acreditam irá ser um aspecto dominante das relações entre os EUA e a Europa nos próximos anos". Na Europa, as bombas nas estações de comboios de Madrid e o assassínio do realizador holandês Theo Van Gogh são vistos como avisos de que os princípios seculares que estão na base de qualquer democracia humanista precisam de ser defendidos e reforçados.
Mesmo antes de acontecerem estas atrocidades, a decisão francesa de banir os símbolos religiosos tais como os lenços islâmicos teve o apoio de todo o espectro político. As reivindicações islâmicas para aulas separadas e pausas para oração foram também rejeitadas. São poucos os europeus que hoje em dia se consideram, a si próprios, religiosos – apenas 21%, segundo um recente estudo de valores europeus, contra 59% de americanos, segundo o Pew Forum. Na Europa, o Iluminismo representou uma fuga ao poder da religião de impor limites ao pensamento, enquanto na América representou uma fuga para a liberdade religiosa do Novo Mundo – um movimento em direcção à fé, mais do que um afastamento dela.
Muitos europeus vêem agora a combinação americana de religião com nacionalismo como assustadora. A excepção ao secularismo europeu pode ser encontrada na Grã-Bretanha ou pelo menos no Governo do devotadamente cristão, crescentemente autoritário Tony Blair, o qual está agora a tentar pressionar o Parlamento a fazer passar uma lei contra "o incitamento ao ódio religioso", numa tentativa cínica de angariação de votos para apaziguar os defensores dos muçulmanos britânicos, a cujos olhos praticamente qualquer crítica ao Islão é ofensiva. Jornalistas, advogados e uma longa lista de figuras públicas avisaram que essa lei irá limitar dramaticamente a liberdade de expressão e falhará o objectivo – irá aumentar os distúrbios religiosos em vez de os diminuir. O Governo de Blair parece olhar para toda a questão das liberdades civis com desdém: o que importam as liberdades, por muito duramente conquistadas e acalentadas que tenham sido, quando colocadas face às necessidades de um Governo que enfrenta a reeleição? E no entanto a política de apaziguamento de Blair deve ser derrotada. Talvez a Câmara dos Lordes faça aquilo que os comuns não fizeram e mande esta má lei para o lixo.
E, embora isto seja mais improvável, talvez os democratas americanos percebam que na actual América 50/50 eles tenham, possivelmente, mais a ganhar ao se posicionarem contra a Coligação Cristã e seus companheiros de viagem, e ao se recusarem a deixar que a visão do mundo de Mel Gibson modele a orientação social e política americana. Se estas coisas não acontecerem, se a América e a Grã-Bretanha permitirem que a fé religiosa controle e domine o discurso público, então a aliança ocidental ver-se-á colocada sob uma pressão cada vez maior, e esses outros regionalistas, aqueles contra os quais é suposto estarmos a lutar, irão ter grandes motivos de júbilo.
Victor Hugo escreveu que "em todas as terras há um archote, o mestre-escola, e um extintor, o pároco". Precisamos de mais professores e de menos padres nas nossas vidas, porque, como James Joyce disse uma vez "Não há nenhuma heresia ou filosofia que seja tão detestável para a Igreja como o ser humano."
Mas talvez o grande advogado americano Clarence Darrow tenha defendido o argumento secular melhor que todos os outros. "Eu não acredito em Deus", disse ele, "porque também não acredito em fadas."
26.3.05
Corpo Iluminado
Wolgang Koch (Via Imagens)
I
Dorso
terso
morno
denso
Corpo
nu
Horto
Berço
Torso
tenso
Torre
tu
II
Toda te espantas
de já prever
que sejam tantas
as que vais ser
III
Não sei se nasces do parto
de quantas te precederam
Se da compósita casta
de muitas que há em ti mesma
Se de remotos colapsos
Se de síncopes recentes
Se do constante massacre
de vidas que não viveste
IV
Ora me vejo eu todos e vós uma
ora vos vejo todas e nenhuma
David Mourão-Ferreira
in Corpo Iluminado [1987]
Obra Poética 1948-1988, Ed. Presença, 1996
Dom Quixote de La Mancha
Em 1604, em Valladolid, foi publicada a obra Dom Quixote de La Mancha, escrita por Miguel de Cervantes y Saavedra (1547-1616). Em 1605, o livro foi publicado em Madrid e, nesse mesmo ano, o Santo Ofício autorizou a publicação da obra em Portugal. Cervantes nunca conheceu a fortuna mas ainda conheceu a fama, isto é, o prazer de encontrar um desconhecido que se emociona por o conhecer.
Para celebrar os 400 anos da publicação desta obra, a Academia Castellana y Leonesa de la Poesía, representada por Andrés Quintanilla Buey, Aracelli Saguillo, Jose Antonio Vale Alonso e Armand Mandrique Legido, estão por terras lusas. A relação de proximidade que existe há muitos anos entre esta Academia e o Grupo Poético de Aveiro fizeram com que ontem eu os pudesse ver e ouvir na livraria O Navio de Espelhos. Declamaram poemas inspirados em Dom Quixote. Muitos desses poemas eram da sua autoria uma vez que os quatro são Poetas, e jornalistas e actores... e ternos e curiosos e apaixonados pelo seu projecto. Deixo-vos esta nota porque hoje, sábado, eles ainda vão estar por aqui. Às 15:00 no Museu Marítimo de Ilhavo.
Y allí estaba el poema
tan mínimo, en cuclillas, detrás de la espesura,
llamándome, esperándome, aterido y atónito.
No pájáro, no árbol, no rosa, no inquietante
misterio, no rocío...
Poema.
(...)
Para celebrar os 400 anos da publicação desta obra, a Academia Castellana y Leonesa de la Poesía, representada por Andrés Quintanilla Buey, Aracelli Saguillo, Jose Antonio Vale Alonso e Armand Mandrique Legido, estão por terras lusas. A relação de proximidade que existe há muitos anos entre esta Academia e o Grupo Poético de Aveiro fizeram com que ontem eu os pudesse ver e ouvir na livraria O Navio de Espelhos. Declamaram poemas inspirados em Dom Quixote. Muitos desses poemas eram da sua autoria uma vez que os quatro são Poetas, e jornalistas e actores... e ternos e curiosos e apaixonados pelo seu projecto. Deixo-vos esta nota porque hoje, sábado, eles ainda vão estar por aqui. Às 15:00 no Museu Marítimo de Ilhavo.
Y allí estaba el poema
tan mínimo, en cuclillas, detrás de la espesura,
llamándome, esperándome, aterido y atónito.
No pájáro, no árbol, no rosa, no inquietante
misterio, no rocío...
Poema.
(...)
Andrés Quintanilla Buey
25.3.05
Victim of Love
Precious Thing (Till the next ... somewhere)
Dee Dee Bridgewater
com Ray Charles
Take your ring
Isn't strange you're always leaving things
Never mind I know this room is not a home
I hope I made you feel less alone
Think of me while you roam
Please no strings
But it's more than just another fling
There are things I believe should never be told
But you're the only one I wanna hold
Cause it can get awfully cold
Precious thing
You know our love is such a wonderfull thing
You make me dizzy whispering in my ear...
Soon my love till the next...somewhere
Keep the ring
Ain't it funny, right? I'm always loosing things
But you're like me you've known the road
Would be your home
I hope I made you feel less alone
Think of me as your own
Precious thing
You know our love is such a wonderful thing
You make me dizzy whispering in my ear
Soon my love till the next... somewhere
Say no strings
Oh freedom is still as much as my thing
I know promises can be so hard to keep
The price I paid to learn was a little too steep
But still my love runs deep
Precious thing
You know our love is such a wonderfull thing
You make me dizzy whispering in my ear
Soon my love till the next... somewhere
[Lyrics: R. Bird
Music: P. Papadiamandis]
inscrições inscriptions
I am eu sou the first a primeira and the last conception e a última
concepção.
The lady of Lourdes. A Senhora de Lourdes.
I am eu sou the first a primeira and the last e a última
I am eu sou the honored one a venerada and the scarned one e a
execrada
I am eu sou the whore a puta and the holy one e a santa
I am eu sou the wife a mulher and the virgin e a menina
I am eu sou the mother a mãe and the daughter e a filha
I am eu sou the members o clã of my mother de minha mãe
Eu sou I am the barren one a estéril
and many e muitos are her sons são os seus filhos
I am eu sou she whose wedding aquela cuja boda is great é grande
and I have not taken e não aceitou a husband marido
I am eu sou the bride a noiva and the bridegroom e o noivo
and it is my husband e meu marido who begot me é quem me
gerou
I am eu sou the mother a mãe of my father de meu pai
and the sister e a irmã of my husband de meu marido
and he is e ele é my offspring a minha descendência.
Mário Cesariny
in Cortina
Pena Capital
I am eu sou the honored one a venerada and the scarned one e a
execrada
I am eu sou the whore a puta and the holy one e a santa
I am eu sou the wife a mulher and the virgin e a menina
I am eu sou the mother a mãe and the daughter e a filha
I am eu sou the members o clã of my mother de minha mãe
Eu sou I am the barren one a estéril
and many e muitos are her sons são os seus filhos
I am eu sou she whose wedding aquela cuja boda is great é grande
and I have not taken e não aceitou a husband marido
I am eu sou the bride a noiva and the bridegroom e o noivo
and it is my husband e meu marido who begot me é quem me
gerou
I am eu sou the mother a mãe of my father de meu pai
and the sister e a irmã of my husband de meu marido
and he is e ele é my offspring a minha descendência.
Mário Cesariny
in Cortina
Pena Capital
Páscoa Feliz!
Para não esquecermos o significado original das celebrações da Páscoa, podemos sempre ler o livro do Êxodo, capítulos de 1 a 15. A Páscoa é a comemoração da libertação do povo de Deus de mais de dois séculos de escravidão no Egipto, há cerca de 3300 anos atrás... Não custa nada ler todos os capítulos!
[PS: que me desculpem os crentes mas não resisti a este cartoon!]
[PS: que me desculpem os crentes mas não resisti a este cartoon!]
24.3.05
The living road
Lhasa de Sela
No início, somos muito pequeninos e por isso temos a impressão de que o espaço à nossa volta é amplo e de que todos os movimentos são possíveis. Aos poucos vamos crescendo, e então o nosso corpo começa a tocar as paredes e as mãos começam a empurrá-las, mas ainda nos sentimos felizes. Até que chega o dia em que não suportamos mais estar fechados ali, sentimo-nos condicionados e, às vezes, quase asfixiamos. De forma mágica, esse mesmo espaço começa a expulsar-nos de forma violenta. Ficamos aterrados e pensamos que vamos morrer. Mas afinal, nascemos!
Com palavras diferentes, quase soletradas em português, esta história. Contada pela Lhasa de Cela no espectáculo fantástico a que pude assistir há poucos meses. Já conhecia a música e a voz dela, mas nesse dia fiquei rendida a Tudo. até o silêncio entre duas canções me pareceu necessário.
Con toda a palavra, amigos! E vejam aqui o último álbum.
Com palavras diferentes, quase soletradas em português, esta história. Contada pela Lhasa de Cela no espectáculo fantástico a que pude assistir há poucos meses. Já conhecia a música e a voz dela, mas nesse dia fiquei rendida a Tudo. até o silêncio entre duas canções me pareceu necessário.
Con toda a palavra, amigos! E vejam aqui o último álbum.
Mão Morta . Exposição de fotografias
Pedro Sousa
Na livraria Centésima Página, em Braga, está patente uma exposição de fotografias e textos muito singular. O fotógrafo Pedro Sousa captou os Mão Morta em movimento e Adolfo Luxúria Canibal dissecou os textos que acompanham as imagens. Até 31 de Março, bracarenses & penetras poderão passar por lá e arrepiar-se. De resto, e porque "Já há muito tempo que nesta latrina o ar se tornou irrespirável", talvez tenham tido conhecimento deste Aviso.
AVISO À POPULAÇÃO
[Adolfo Luxúria Canibal]
atenção! atenção! aviso à população! atenção! atenção! aviso à população! esta madrugada deu-se uma fuga do sector dos lazeres. o grupo mão morta abandonou o nicho alternativo que ocupava no mercado do entretenimento. os seus membros, aptos a exercer diferentes ofícios, podem facilmente infiltrar-se noutros sectores da nossa democracia. são considerados perigosos. repito: são considerados perigosos! qualquer informação relativa a estes indivíduos deve ser imediatamente comunicada ao jornalista da sua área. atenção! atenção! aviso à população! atenção! atenção! aviso à população!
The real Cuba
Fidel Castro
Anda por aí a correr um site denominado The real Cuba. Quem já visitou o país (e mesmo quem não teve essa sorte), não fica muito surpreendido. Mas porque em nenhum lugar desse site se lê "documento de propaganda", convém realçar que é mesmo disso que se trata. Os dados e imagens apresentados são aviltantes, mas para que se compreenda a real Cuba, não basta apontar o dedo ao ditador. É preciso também dizer "embargo americano". Porque, conjuntamente com a restrição das liberdades fundamentais, os efeitos do embargo são o que existe de mais gritante em Cuba. Experimentem visitar uma farmácia em Havana...
Já a Venezuela, evocada no final do site, nunca sofrerá um embargo americano!
(fique claro que é só na literatura que aprecio as ditaduras tropicais sul-americanas).
Já a Venezuela, evocada no final do site, nunca sofrerá um embargo americano!
(fique claro que é só na literatura que aprecio as ditaduras tropicais sul-americanas).
23.3.05
Noite
W. Ropp
Rolam trovões na noite escura
Rasga-se a noite em confidências
A minha mão na tua nuca
vai despertando o que não lembras
E é como o vento a passar busca
ao int'rior de muitas tendas
Não que me importe o que se oculta
sob o tecido do que pensas
Conta quem és Ah Continua
a mostrar só como te inventas
Conta sem fim Não 'squeças nunca
que só em tudo te concentras
David Mourão-Ferreira
in Órfico Ofício (Colar de Xerazade) [1972-1978]
Obra Poética 1948-1988, Ed. Presença, 1996
Tarde
Ardem maças na tarde aberta
sobre o pomar do teu passado
Conta quem foste Recomeça
com outros frutos o relato
Sejam romãs É uma festa
ir decifrar-te bago a bago
Conta em que tronco as tuas pernas
viram primeiro a luz de um rapto
Ou projectaram ser a hera
tocando frutos lá no alto
Conta quem foste Nunca 'squeças
que só em frutos te traslado
David Mourão-Ferreira
in Órfico Ofício (Colar de Xerazade) [1972-1978]
Obra Poética 1948-1988, Ed. Presença, 1996
sobre o pomar do teu passado
Conta quem foste Recomeça
com outros frutos o relato
Sejam romãs É uma festa
ir decifrar-te bago a bago
Conta em que tronco as tuas pernas
viram primeiro a luz de um rapto
Ou projectaram ser a hera
tocando frutos lá no alto
Conta quem foste Nunca 'squeças
que só em frutos te traslado
David Mourão-Ferreira
in Órfico Ofício (Colar de Xerazade) [1972-1978]
Obra Poética 1948-1988, Ed. Presença, 1996
Manhã
A nossa noite ontem à tarde
foi a manhã por que esperávamos
David Mourão-Ferreira
in Órfico Ofício (Colar de Xerazade) [1972-1978]
Obra Poética 1948-1988, Ed. Presença, 1996
foi a manhã por que esperávamos
David Mourão-Ferreira
in Órfico Ofício (Colar de Xerazade) [1972-1978]
Obra Poética 1948-1988, Ed. Presença, 1996
I. O Dia da Criação
Lula, Tito Costa e Vinícius de Moraes, durante a Missa do Trabalhador, São Bernardo do Campo, 1º de Maio de 1979 (foto: José Roberto Cecato)
Foi assim que nasceu o mito Lula da Silva. E esta imagem do metalúrgico combatente, do defensor viramundo dos direitos do povo, não deixa de estar presente em qualquer avaliação que se faça do seu Governo, em toda a apreciação que se faça do mínimo gesto, da mais pequena decisão. Em 2002, Lula seria o Apelo, O Que Tinha De Ser, a Copa do Mundo, A Felicidade, como cantaria Vinícius se ainda estivesse ao seu lado.
Agora, há Lamento no Morro mas Sei Lá...A Vida Tem Sempre Razão!
Agora, há Lamento no Morro mas Sei Lá...A Vida Tem Sempre Razão!
II. Eu não tenho nada a ver com isso
O Presidente eleito Lula da Silva fala aos jornalistas acompanhado do senador José Sarney, 2002 (foto de Orlando Brito)
A minha amiga Simone Villas-Boas voltou a mandar notícias do Brasil. Desta vez, salienta um artigo da Revista Isto é, intitulado "Os Fatos da Era Lula".
Deixo-vos o artigo no português do Brasil:
Deixo-vos o artigo no português do Brasil:
- Medida em reais, a carga tributária em 2004 cresceu 11% acima da inflação. Foi o dobro do crescimento econômico do Brasil.
- Os impostos sobre consumo subiram de 34% para 36% do PIB, enquanto os impostos sobre a renda e patrimônio ficaram estáveis em 17%. Resultado: o grosso da carga tributária ficou para os consumidores mais pobres.
- A carga tributária sobre o setor interno da economia saltou de 38,76 % para 40,28% do PIB. Quem não exporta passou a carregar o piano.
- Os impostos diretos passaram a representar 4,6% do consumo mensal das famílias mais do que o gasto em educação.
- Enquanto isso, os gastos com o pagamento de juros da dívida cresceram 8,48% e as despesas com a máquina administrativa federal aumentaram 9,15%.
Acho que ele_______e Jobim, me responderiam: O Que Tinha De Ser!
22.3.05
Égua Água
De égua agarena a garupa
modelada
De água ao fogo já em fase
de fervura
é a voz com que fabula
e se exalta
é a voz que a vida agarra
e que exulta
De égua
a vulva
De água
a lava
modelada
De água ao fogo já em fase
de fervura
é a voz com que fabula
e se exalta
é a voz que a vida agarra
e que exulta
De égua
De água
David Mourão-Ferreira
in Órfico Ofício (Colar de Xerazade) [1972-1978]
Obra Poética 1948-1988, Ed. Presença, 1996
Castigo sem crime
aykanozener
[Fotografia e Texto de Louise. A Louise e a amiga Thelma têm um blog digno de adoração. Mas esta homenagem tem os seus quês inconfessados. Solto apenas um deles: foi a Louise quem me disse "www.blogger.com/start, já está?, o teu código é..., gostas do aspecto do teu blog? Agora só tens que escrever." Eu achava que criar um blog era complicadíssimo!]
Erro judiciário. acontecem muitos. aconteceu-lhe a ela. a prova foi encontrada em sua casa. era demasiado menina para perceber. As investigações começaram.
acabariam quando ela também acabasse.
Na chamada prisão, esteve algum tempo. no início isolou-se na cela. escondeu benzodiazepinas no bolso e os primeiros dias viveu com elas, para contemplar as grades com compreensão.
Teve sorte com a companheira de cela. a capacidade de alienação tomou conta delas. criaram histórias e sustinham o riso. porque ali não era sítio para rir.
Amavam-se mas não eram amantes. Os seus homens acreditavam piamente na sua inocência mas não queriam perder a deles. Fizeram uma primeira visita. depois deixaram-nas a andar nos corredores na hora da visita. Tentaram arranjar uma explicação e chegaram à conclusão que fazer exercício faz bem.
Ela não demorou a sair. o tempo como tantas outras coisas é relativo. ordem de prisão domiciliária.
à companheira de cela chegou ordem de transferência para outras grades que ajudam a morrer mais rápido.
Despediram-se como se nada fosse. Habituadas à alienação, nada ousaram dizer.
Ficou um último olhar que dizia de um lado:
- prepara-te se um dia tiveres que voltar.
Do outro lado,
- que a morte te acarinhe.
Todos os anos é ela que tem que marcar o encontro com os Srs. do erro judiciário.
Percebe que é mais um elemento de uma amostra aleatória em que aquela frase batida "confirma-se a Hipótese 0 com um alfa de o,o5" poderia constar na biografia dela.
Ou se escrevesse um livro o título seria Eu e o Alfa.
O encontro é esta semana. Lá vai ela. Já não é menina. tem medo de ter perdido a capacidade de alienação e entrar mar adentro enquanto o corpo ainda é seu.
No Diário de Aveiro
"Entre os blogues aveirenses há alguns que foram ganhando importância, fidelizando leitores, criando uma comunidade certa de visitantes. Entre estes é possível referir o Bagaço Amarelo, de Ivar Corceiro, Divas & Contrabaixos, de Maria do Rosário Fardilha, e o Farinha Amparo, da Didas. (...) Diário de um Solteirão, de autor anónimo, que assina Solteirão, o Sítio da Covinhas, e A Mão Esquerda o Homem das Cunhas, assinado por AAS." (20/03/2005)
Agradeço à jornalista Soraia Amaro a referência, felicito os meus parceiros da blogosfera aveirense, mas declaro que, ou o sitemeter/blograting mararam desde que mexi na template, ou a minha comunidade de leitores diminuiu. Como dizia alguém, só tenho talentos vagos, mas ainda por cima estou a perdê-los...
Agradeço à jornalista Soraia Amaro a referência, felicito os meus parceiros da blogosfera aveirense, mas declaro que, ou o sitemeter/blograting mararam desde que mexi na template, ou a minha comunidade de leitores diminuiu. Como dizia alguém, só tenho talentos vagos, mas ainda por cima estou a perdê-los...
21.3.05
Dia da Poesia
São de nada
tempestades
ante a falta
que me fazes
David Mourão-Ferreira
in Os Ramos Os Remos [1981-1985]
Obra Poética 1948-1988, Ed. Presença, 1996
tempestades
ante a falta
que me fazes
David Mourão-Ferreira
in Os Ramos Os Remos [1981-1985]
Obra Poética 1948-1988, Ed. Presença, 1996
Contra Divas: Chorar em casamentos
Theo Jennissen
Não chorei no dia do meu casamento. mas chorei no dia em que todas as minhas amigas se casaram. Não sei bem como, mas de repente sou invadida por uma enorme emoção. A constância da reacção fez-me perceber que as lágrimas não nascem das circunstâncias particulares de cada romance. É algo que se forma ali e que pode começar com a minha fixação num pormenor - o cuidado no penteado, o estilo romântico do vestido, o pressentimento de um qualquer nervosismo ou de uma enorme alegria, um olhar sério ou terno. tanto faz.
Devo dizer-vos que escrevo, ainda embalada pelo Sideways. O casamento é, nesse filme, um princípio de script, um pretexto. Mas fixei o momento em que os dois amigos se entreolham, um como noivo, o outro como testemunha. Dada a carga simbólica do rito, testemunhar o casamento de uma amiga, faz com que a coloque no centro de um filme. O meu olhar é maternal e cúmplice. De repente estou a vê-la crescer, invento uma versão da sua história pessoal e talvez chore porque naquele momento ela tem certezas. e por todas as incertezas.
Nesse filme, de Alexandre Payne, as noivas são colos. colos, abrigos, mães, o amor que se quer incondicional. que salva os homens. Os dois protagonistas fecham portas, que afinal já estão fechadas, para abrir outras, que têm de aprender a abrir. Os papeis femininos/masculinos podiam ser trocados (ou não). Eles são quarentões. Chegaram à idade da razão, conhecem a certeza da imperfeição, das nossas terríveis limitações, do tempo que já passou, e ainda o medo de pertencer e de perder, misturados. Mas sempre a esperança de tudo o que a vida nos pode dar, perdidos a sonhar, iludindo o fracasso com sensações de conquista e orgasmos ("mas não percebes a minha luta"). ou mergulhando em ternura.
Escolhas aparentemente diferentes.
No dia do casamento todos parecemos crianças. prometemos responsabilidade, fidelidade, lealdade, amar em todas as circunstâncias. dizemos Sim a tudo. Participando nesse Sim absoluto, no espírito de toda a comunidade está o desejo e a crença de que aqueles dois vão ser felizes. E não imagino o mundo sem esse ideal.
Chorar porque às vezes não vão ser felizes, porque às vezes vão mesmo ser muito infelizes. É patético. É chorar a vida. Por isso esta comoção é insensata.
(desconcerto: se a aliança cair, o padre gaguejar, o noivo pisar a noiva, o altar começar a arder, alguém praguejar, uma solista desafinar..., de volta à realidade, ao que é contingente, posso ter um ataque de riso!?)
(acerto: desejo a todos a memória de um dia feliz de casamento)
(sideways: o mais importante são os dias e anos que se seguem)
Devo dizer-vos que escrevo, ainda embalada pelo Sideways. O casamento é, nesse filme, um princípio de script, um pretexto. Mas fixei o momento em que os dois amigos se entreolham, um como noivo, o outro como testemunha. Dada a carga simbólica do rito, testemunhar o casamento de uma amiga, faz com que a coloque no centro de um filme. O meu olhar é maternal e cúmplice. De repente estou a vê-la crescer, invento uma versão da sua história pessoal e talvez chore porque naquele momento ela tem certezas. e por todas as incertezas.
Nesse filme, de Alexandre Payne, as noivas são colos. colos, abrigos, mães, o amor que se quer incondicional. que salva os homens. Os dois protagonistas fecham portas, que afinal já estão fechadas, para abrir outras, que têm de aprender a abrir. Os papeis femininos/masculinos podiam ser trocados (ou não). Eles são quarentões. Chegaram à idade da razão, conhecem a certeza da imperfeição, das nossas terríveis limitações, do tempo que já passou, e ainda o medo de pertencer e de perder, misturados. Mas sempre a esperança de tudo o que a vida nos pode dar, perdidos a sonhar, iludindo o fracasso com sensações de conquista e orgasmos ("mas não percebes a minha luta"). ou mergulhando em ternura.
Escolhas aparentemente diferentes.
No dia do casamento todos parecemos crianças. prometemos responsabilidade, fidelidade, lealdade, amar em todas as circunstâncias. dizemos Sim a tudo. Participando nesse Sim absoluto, no espírito de toda a comunidade está o desejo e a crença de que aqueles dois vão ser felizes. E não imagino o mundo sem esse ideal.
Chorar porque às vezes não vão ser felizes, porque às vezes vão mesmo ser muito infelizes. É patético. É chorar a vida. Por isso esta comoção é insensata.
(desconcerto: se a aliança cair, o padre gaguejar, o noivo pisar a noiva, o altar começar a arder, alguém praguejar, uma solista desafinar..., de volta à realidade, ao que é contingente, posso ter um ataque de riso!?)
(acerto: desejo a todos a memória de um dia feliz de casamento)
(sideways: o mais importante são os dias e anos que se seguem)
20.3.05
Caça ao Tesouro
Neste Domingo, um passeio. insisto. ao Museu de Aveiro. para descobrir tesouros. Eu encontrei o meu.
Ladeando o Claustro. Estamos no início do século XVII. O obelisco com quatro bicas de onde brotava água vinda de Miraflores (Fonte Nova). O obelisco simbolizando o centro do universo ou Deus, como força criadora do mundo. As bicas, os quatro Rios do Paraíso. As freiras meditavam, oravam ou liam. Simbolicamente este espaço remete para o Jardim do Paraíso.
19.3.05
De sono
De sono cai-te prostada
a cabeça
sem que no corpo mais nada
adormeça.
David Mourão-Ferreira
in O Corpo Iluminado, XIX [1987]
Obra Poética 1948-1988, Ed. Presença, 1996
a cabeça
sem que no corpo mais nada
adormeça.
David Mourão-Ferreira
in O Corpo Iluminado, XIX [1987]
Obra Poética 1948-1988, Ed. Presença, 1996
Contra Divas: Acordar Cedo
Pedro Palma
Acordar cedo =
=deitar cedo
=compromisso inadiável
Se :
‡ deitar cedo
= compromisso inadiável:
sofro muito mas levanto-me.
Se :
= deitar cedo
‡ compromisso inadiável:
levanto-me e sinto-me muito feliz.
Se :
‡ deitar cedo
‡ compromisso inadiável:
fico a dormir.
Se me deitar tarde e as minhas filhas acordarem cedo, levanto-me. são o meu compromisso absoluto para a vida.
Veneração: a quem, todos os dias, se levanta de madrugada.
(serão muitos os madrugadores felizes?)
(sim, este post é absurdo)
Inscrição sobre as ondas
Mal fora iniciada a secreta viagem,
um deus me segredou que eu não iria só.
Por isso a cada vulto os sentidos reagem,
supondo ser a luz que o deus me segredou.
David Mourão-Ferreira
in A Secreta Viagem [1948-1950]
Obra Poética 1948-1988, Ed. Presença, 1996
Ao meu pai.
um deus me segredou que eu não iria só.
Por isso a cada vulto os sentidos reagem,
supondo ser a luz que o deus me segredou.
David Mourão-Ferreira
in A Secreta Viagem [1948-1950]
Obra Poética 1948-1988, Ed. Presença, 1996
Ao meu pai.
Contra Divas: Fazer dieta
Concentrar-me em não comer faz com que tenha mais vontade de comer. normalmente, passam-se horas sem que me apeteça comer. as dietas foram inventadas para quem é paranóico por comida. eu não sou, mas passo a ser.
As dietas mais idiotas: as que seleccionam uma ementa fixa. Exemplo: dieta das sopas. É evidente que o efeito vai ser desejar sofregamente o oposto da sopa, ou seja apos. apos inclui tudo.
E todas as dietas são anti-pedagógicas: proibem. Sem querer, passamos a desejar esses frutos, só porque são proibidos. Fazer dieta é cegar os sentidos, ou tentar enganá-los. É claro que quando existem problemas de saúde, não há nada a fazer, senão cegar. Mas quando se trata de perseguir ideais de beleza, há que ponderar. Em termos de retórica, podiam limitar-se a definir os limites, pela positiva. (mas mesmo assim, quem não gosta de desafiar os limites?)
Na prática, o resultado que conheço é: fazer dieta ‡ emagrecer.
Mas a ineficácia das dietas têm um efeito de médio/longo prazo a considerar: não emagrecer = sentir-se mal consigo próprio, entristecer, perder o apetite, emagrecer.
Parece que não há nada a fazer, as medidas certas perseguem-nos. São as nossas burkas. E está tanto calor! e está tanto calor...
18.3.05
Contra a poesia pura
W. Ropp
Basta de estrelas
e de nuvens
e de pássaros
Falemos antes de gaiolas
que é tempo de conquistar o céu
Na grande confusão
deste medo
deste não querer saber
na falta de coragem de
me perder me afundar
perto de ti tão longe
tão nu
tão evidente
tão pobre como tu
oh diz-me quem sou eu
quem és tu?
António Ramos Rosa
in Vértice, 1949
O Poeta na Rua, Antologia Portátil, Ed. quasi, 2004
17.3.05
Contra Divas: Condução Automóvel
Eu sempre gostei de carrinhos de choque e de montanhas russas, pelo que nada faria prever a minha incapacidade natural para conduzir sem pensar nas pessoas que posso atropelar!
Tirei a carta em Lisboa, ali para os lados da Praça de Espanha, isto é, no meio da confusão. Tive um bom instrutor, benfiquista e muito popular. Com frequência abria a janela do carro e gritava para um conhecido na rua qualquer coisa do género: Oh, o nosso glorioso! Não te vi no jogo, pá! Este domingo é que vai ser dar-lhes! As primeiras vezes assustei-me mas, mesmo sendo do Sporting, simpatizava com ele.
Mais próximo da data do exame de condução, começou a assustar-me com "os engenheiros" e até eu percebi que se estava a fazer a umas luvas! Decidi não ligar às suas insinuações, chumbei. Mas nem eu me passaria a mim própria. Foi um golpe no meu amor-próprio! Cheguei ao pé dos meus amigos com a disposição de uma eterna condenada ao insucesso.
Mais próximo da data do exame de condução, começou a assustar-me com "os engenheiros" e até eu percebi que se estava a fazer a umas luvas! Decidi não ligar às suas insinuações, chumbei. Mas nem eu me passaria a mim própria. Foi um golpe no meu amor-próprio! Cheguei ao pé dos meus amigos com a disposição de uma eterna condenada ao insucesso.
O segundo exame correu bem, além de que só precisei de meter a primeira e segunda mudanças porque apanhei a hora de ponta. Poucos meses depois de ter a carta, tive um acidente. Causa do acidente: excesso de simpatia (perdoem-me o eufemismo mas custa dizer que foi por burrice). Vinha da direita mas decidi deixar passar o sujeito da esquerda, que hesitou, então se não queres vou eu e avançamos os dois ao mesmo tempo. Para não chocarmos enfiei-me num carro que estava estacionado. Os prejuízos ascenderam aos 100 contos, algo pesado para 1986! Ainda hoje consigo ver a chapa encolher como se fosse um acordeão. Decidi que nunca mais pegava num carro.
Quando o meu irmão, dez anos mais novo que eu, me começou a dar boleia, percebi que algo estava errado. Mas arranjei sempre boas razões para não recomeçar a conduzir. Ou porque podia andar a pé, ou porque não havia lugar para estacionar, ou porque o Lauro António também não conduz.
Não sei se é por tudo isto que sou incapaz de reconhecer a marca de um carro. A nossa memória é selectiva e a minha baniu todas as informações relativas a mecânica e a design automóvel. A pior coisa que me poderão dizer é "segue-me, tenho um Audi 123 vtxi". Num país em que o automóvel é acentuadamente percebido e usado como símbolo de status, esta limitação até tem as suas vantagens: desarmo qualquer pretensioso em dois minutos.
Uma vez li que as pessoas não gostam de conduzir porque têm carências afectivas. Não conduzir seria como pedir colo, numa atitude do género: leva-me contigo, toma conta de mim, deixa-me em casa, faz com que não tenha que tomar decisões sobre o caminho a seguir, és tu que decides. Talvez haja alguma verdade em tudo isto mas também é possível não gostar de conduzir e ponto final. como não gostar de ler e ponto final. como não querer casar ou ter filhos e ponto final. ou não?
Lá fui eu tirar umas liçõezinhas extra para aumentar a confiança e agora pego no carro. Mas sinceramente, não gosto. Para mim, conduzir, sobretudo em auto-estrada, é como fazer uma aula de aeróbica. Manter-se entre duas linhas brancas que parecem não ter fim é como olhar para o espelho e flectir 1,2,3 as pernas, levantar e 1,2,3 os braços. É contra-natura. O nosso olhar, os nossos movimentos, foram feitos para cair em tentações, para se distrairem.
Portugal regista um dos maiores índices de sinistralidade da Europa. Uma das causas apontadas é o excesso de velocidade. É um dado que dá provas de uma certa irresponsabilidade mas, se pensarmos melhor, não é essa forma de conduzir uma espécie de escape ao tédio da condução? Começo a achar que o mais certo é os portugueses adorarem carros, mas não gostarem de conduzir..., como eu.
Para os macho-men: não se admitem bocas do género "mulheres ao volante, bla bla bla" neste estabelecimento. O Lauro António é homem, pai de filhos, etc.! :-)
Contra Divas: Culinária
O meu interesse pela culinária é muito antigo. Com 9 ou 10 anos essa matéria já me interessava. O meu sonho era casar cedo, ser mãe aos 15, ser uma dona de casa perfeita, conciliando tudo isso com várias medalhas de oiro em campeonatos de patinagem artística, pelo menos uma vitória num Eurofestival da Canção e uma reportagem jornalística num cenário de guerra.
A arte de bem confeccionar os deliciosos pratos que iriam alimentar os meus vários filhos e comover o meu ideal marido parecia exigir muito treino. Comecei a observar com atenção a minha mãe e a fazer anotações no meu diário kitty (como o da Anne Frank). É claro que tal aspiração não podia deixar de ser recompensada, ofereceram-me "O meu primeiro livro de Receitas". A selecção da primeira receita foi criteriosa: um bolo de mármore!
Fiz efectivamente um bolo de mármore.
Levei alguns anos a recuperar do choque. Quando voltei a tentar acho que já andava na Faculdade.
Levei alguns anos a recuperar do choque. Quando voltei a tentar acho que já andava na Faculdade.
É melhor passar à frente a fase universitária. Havia sempre uma amiga que cozinhava melhor, pelo que não valia a pena esforçar-me. E as cantinas universitárias são indispensáveis à maturidade das nossas papilas gostativas porque nos alargam a paleta dos gostos e paladares.
Já grandinha tive a sorte de ter um daqueles namorados modernos e cheios de iniciativa, que só gostam dos bifes feitos à sua maneira, que cozem as massas al dente, etc.. Limitei-me a aceitá-lo tal como ele era e, sempre fascinada pela culinária, continuava a comprar livros de receitas.
Tenho uma biblioteca preciosa que inclui vários livros, desde antiguidades dos anos 40, como os da Colecção Doméstica de Branca Miraflor, da Livraria Barateira (Casa Editora e de livros novos e usados - Rua Nova da Trindade, 16-A - Telef. 26755 - Lisboa) até aos mega-utilitários Culinarium da Vaqueiro.
A dura realidade chegou anos mais tarde, não com o marido eleito (que é um sujeito cool) mas com os rebentos e as obrigações sociais da praxe. Ter a responsabilidade de alimentar de forma saudável e diversificada duas crianças acabou por não se revelar um problema (uns exasperos aqui e ali, mais nada!). Mas enfeitar, requintar, impressionar, e outros ares, custou! como custou!
O primeiro grande desafio: uma consoada natalícia para sogros, cunhados e apareçam mais! em França...(putain!)
Podia ter optado pelo bacalhau tradicional se não fosse o caso de um deles sofrer de uma alergia rara a peixe..., mas enfim, dadas as circunstâncias tinha uma justificação para comprar um peru recheado com deliciosas ameixas, tudo já confeccionado e da melhor qualidade, à venda nas lojas Picard (pertenciam ao grupo Carrefour, e eu anseio pela sua chegada a Portugal!). Com o prato principal arrumado, podia dedicar-me às sobremesas. Durante semanas estudei o menu. Garanto-vos que podia escrever um livro sobre "Como falhar uma boa sobremesa". Porque sou vossa amiga, deixo-vos uns conselhos:
- quando na receita de mousse de chocolate diz "acrescentar uma colher de café", eles querem dizer café líquido e não em pó: para que os convivas não passem a noite a tirar partículas de café não diluídas da ponta da língua;
- quando tiverem a intenção de servir um sorvete caseiro, tirem-no do congelador com algum tempo de antecedência;
- há pudins que são cozidos em banho-maria no forno, não experimentem cozê-los de outra maneira;
- encomendem as rabanadas;
- peçam ajuda à vossa mãe, tia, prima, a quem quer que seja que compre menos livros mas que saiba como se faz.
Podia ter optado pelo bacalhau tradicional se não fosse o caso de um deles sofrer de uma alergia rara a peixe..., mas enfim, dadas as circunstâncias tinha uma justificação para comprar um peru recheado com deliciosas ameixas, tudo já confeccionado e da melhor qualidade, à venda nas lojas Picard (pertenciam ao grupo Carrefour, e eu anseio pela sua chegada a Portugal!). Com o prato principal arrumado, podia dedicar-me às sobremesas. Durante semanas estudei o menu. Garanto-vos que podia escrever um livro sobre "Como falhar uma boa sobremesa". Porque sou vossa amiga, deixo-vos uns conselhos:
- quando na receita de mousse de chocolate diz "acrescentar uma colher de café", eles querem dizer café líquido e não em pó: para que os convivas não passem a noite a tirar partículas de café não diluídas da ponta da língua;
- quando tiverem a intenção de servir um sorvete caseiro, tirem-no do congelador com algum tempo de antecedência;
- há pudins que são cozidos em banho-maria no forno, não experimentem cozê-los de outra maneira;
- encomendem as rabanadas;
- peçam ajuda à vossa mãe, tia, prima, a quem quer que seja que compre menos livros mas que saiba como se faz.
Crença: houve um salto geracional em termos genéticos, eu não herdei os genes culinariuns da minha mãe. mas as minhas filhas vão ser fantásticas.
Conselhos indispensáveis às boas donas de casa
Para que as moscas não poisem na carne - O melhor preservativo até hoje conhecido é colocar junto à carne um pedaço de cebola.
Contra o mau cheiro da carne - Lança-se em uma panela com água a carne que se quer purificar. Escuma-se quando ferver, e depois dessa operação feita, deita-se na panela um carvão aceso, bem compacto, e sem fumo. Deixa-se dentro dois ou três minutos e extinguir-se-ha o mau cheiro do caldo ou da carne.
Como se conhece a carne boa - Para escolher a carne de vaca, carrega-se-lhe com o dedo polegar, e se a marca desaparecer em seguida, é sinal de que a carne procede de rez nova e de boa qualidade.
Contra o mau cheiro da carne - Lança-se em uma panela com água a carne que se quer purificar. Escuma-se quando ferver, e depois dessa operação feita, deita-se na panela um carvão aceso, bem compacto, e sem fumo. Deixa-se dentro dois ou três minutos e extinguir-se-ha o mau cheiro do caldo ou da carne.
Como se conhece a carne boa - Para escolher a carne de vaca, carrega-se-lhe com o dedo polegar, e se a marca desaparecer em seguida, é sinal de que a carne procede de rez nova e de boa qualidade.
in Miraflor, Branca, Colecção Doméstica - nº 1, 150 Maneiras de Cosinhar Carne, Livraria Barateira, 1940
16.3.05
Contra Divas
Quando as minhas filhas gémeas nasceram percebi de imediato que teria de seguir alguns princípios de oiro: aceitar que cada indivíduo tem o seu próprio ritmo de desenvolvimento, que todos temos maior ou menor apetência natural para certas actividades e que o momento certo de cada um não tem que corresponder à média. Para além dos benefícios em termos pedagógicos, esta atitude serviu para me tranquilizar em várias ocasiões. Por exemplo, não me inquietei com o facto de uma das minhas filhas ter começado a gatinhar na mesma altura em que a irmã já dava os primeiros passos! (elas tinham 11 meses!)
Outra vantagem adicional deste método foi aceitar melhor aquela parte de mim que parece não querer crescer e perdoar-me pela falta de jeito para actividades absolutamente normais e acessíveis ao comum dos mortais. Na lista constam: culinária, condução automóvel, mecanismos electrónicos, acordar cedo e a horas, andar de Metro em hora de ponta, fixar nomes de jogadores de futebol e resultados de jogos, obedecer a chefias incompetentes ou prepotentes, não rir em funerais, não chorar em casamentos, não ir contra qualquer coisa pelo menos uma vez por semana, fazer dieta, acertar numa bola de ténis, and so on. Eu diria que ando a tentar há anos mas que os progressos estão bastante aquém das expectativas.
Outra vantagem adicional deste método foi aceitar melhor aquela parte de mim que parece não querer crescer e perdoar-me pela falta de jeito para actividades absolutamente normais e acessíveis ao comum dos mortais. Na lista constam: culinária, condução automóvel, mecanismos electrónicos, acordar cedo e a horas, andar de Metro em hora de ponta, fixar nomes de jogadores de futebol e resultados de jogos, obedecer a chefias incompetentes ou prepotentes, não rir em funerais, não chorar em casamentos, não ir contra qualquer coisa pelo menos uma vez por semana, fazer dieta, acertar numa bola de ténis, and so on. Eu diria que ando a tentar há anos mas que os progressos estão bastante aquém das expectativas.
(pausa. cada um destes itens dava um post. eureka, descobri uma maneira de arrasar a Divas. há pessoas que adoptaram este nickname, em vez de mrf. a verdade vem sempre ao de cima! dito e feito)
Comecemos pela Culinária...
Psssst, Alentejo!
Os PhotoSapiens têm uma exposição a decorrer no Palácio D. Manuel, em Évora. Este grupo é composto pelos fotógrafos Pedro Sousa (meu caro amigo), Mário Cabrita Gil, Inês Lourinho, Alberto Picco, Roberto Santandreu, Sandra Borges, Patrícia Mendes Leal, Vasco Azevedo e João Canas.
Até dia 3 de Abril, para deleite vosso.
15.3.05
Amor
O meu primeiro contacto com as chamadas outras pessoas foi o contacto com os jardineiros, eu observava-os sempre que podia e todo o tempo que me era possível. Mas eu não me dava por satisfeito, logo desde o início, com o magnífico colorido das plantas, tinha eu dito a Gambetti, queria sempre saber também de onde vinha esse colorido, de que modo se originava e como é que se chamava exactamente.
[in Bernhard, Thomas, Extinção, Assírio & Alvim, 2004, pp 141]
Ociosidade
Os meus pais, para apresentar ainda um antagonismo existente entre eles e o meu tio Georg, detestavam a chamada ociosidade, porque não sabiam que uma pessoa intelectual não conhece a ociosidade, não pode sequer permitir-se a ociosidade, que uma pessoa intelectual vive precisamente com extrema intensidade e com o máximo interesse quando, por assim dizer, se entrega à ociosidade, porque eles nunca souberam fazer nada da sua verdadeira ociosidade, porque na sua ociosidade não se passava nada, com efeito, absolutamente nada, porque eles na verdade e na realidade não eram capazes de pensar, quanto mais dar curso a um processo intelectual. Para a pessoa intelectual a chamada ociosidade nem sequer é possível. A ociosidade dos meus pais era, contudo, uma verdadeira ociosidade, pois neles nada se passava quando eles nada faziam. Pelo contrário, a pessoa intelectual exerce a maior actividade quando, por assim dizer, nada faz. Mas não é possível fazer compreender isso aos verdadeiros ociosos, como os meus pais e em geral todos os meus.
[in Bernhard, Thomas, Extinção, Assírio & Alvim, 2004, pp 51-52]
É claro que dedico este post à equipa do Amor e Ócio (com a quase certeza de que a Maria Heli deve conhecer T. Bernhard). E parabéns pelo programa na Rádio!
14.3.05
Skhizen ou o Sétimo Céu
Skhizein, o elevador de Ivar Corceiro
O Ivar Corceiro realizou este filme, Shkízein, o elevador e desafiou-nos a escrever um texto interpretativo. O desafio ainda está de pé. Faça o download do filme no Bagaço Amarelo, inspire-se e envie o seu texto com a sua morada para bagacoamarelo@gmail.com. Se o texto for publicado, receberá ainda um exemplar gratuito em DVD. Não se esqueça de saborear cada uma destas fases.
Saliento que o filme já foi apurado para o 2º Festival Audiovisual Black & White, a realizar na cidade do Porto de 13 a 16 de Abril de 2005, e será exibido na noite de 15 de Abril. Depois da Didas, da Tounalua e do Batatas, foi a minha vez de imaginar uma história a partir das imagens do filme.
Skhizem, o elevador ou o Sétimo Céu
Foi no depósito que o deixei. Murmurou qualquer coisa antes de cair. Uma palavra, um queixume, um pedido simples. Talvez tenha dito fim. ou folha. ou vai. Caiu. Podia ter aberto as duas portas para que fosse aspirado, seria menos suspeito. Mas deixei-o lá e assim tive a impressão de abandonar uma cripta.
Desde que a Terra parou, interrompendo sem aviso o movimento de rotação, toda a matéria energética compacta definha e morre. Todo o ser vivo em contacto com o solo apodrece. Restam as folhas caducas que escapam aos poços de gravidade.
Meti-me no elevador com a determinação de quem sabe o que representa. Sou o último Sapiens xn, pensei. O sinal metálico assustou-me mas controlei o espanto. Para além dos espasmos do derradeiro companheiro, há semanas que só ouço o uivo do vento. "Controla a respiração". A máscara. "Senta-te e põe a máscara. Que o ar não te pressinta". Os elementos Ar e Água revoltaram-se e agora controlam a Terra.
Como será o sétimo céu?
Primeiro nível. As caducas seguem o seu rumo e as portas fecham-se antes da tromba de água. O rio estava tenso, a ameaça era óbvia. Perdi o rio da minha infância mas não me permito chorar.
Nem agora que cheguei a este cemitério de árvores desconhecidas. Correntes de ar percorrem sem dó todas as alas. Era a minha floresta, o meu reduto de verde.
Terceiro nível. "Eles compreenderam". Os elementos desafiam-me mostrando-me a casa onde vivi. Olha o tecto que te abrigou, vê o teu jardim-deserto! Cerro os olhos. "Não respires".
Nova paragem. Os postes de alta tensão estão saturados de energia. O cimento não quebra, só o bio. Mas uma explosão é iminente. Indiferentes as portas fecham-se e estranhamente sou salvo pela frieza do automatismo.
Os corpos minerais desintegram-se, mas aquele tanchão de pedra resiste seguro pelo arape farpado. O ar pica-se nas arestas e a ruína subsiste.
Sexto nível, tão próximo do sétimo céu. Os cúmulos desapareceram, uma luz chama-me. Estou quase lá. Ponho um pé de fora e compreendo. Não existe sétimo céu. mas no sexto há paz.
De repente, avisto-a à direita. Arranco a máscara. Grito: "Perversos!". Reenviaram-me para a cripta.
Desde que a Terra parou, interrompendo sem aviso o movimento de rotação, toda a matéria energética compacta definha e morre. Todo o ser vivo em contacto com o solo apodrece. Restam as folhas caducas que escapam aos poços de gravidade.
Meti-me no elevador com a determinação de quem sabe o que representa. Sou o último Sapiens xn, pensei. O sinal metálico assustou-me mas controlei o espanto. Para além dos espasmos do derradeiro companheiro, há semanas que só ouço o uivo do vento. "Controla a respiração". A máscara. "Senta-te e põe a máscara. Que o ar não te pressinta". Os elementos Ar e Água revoltaram-se e agora controlam a Terra.
Como será o sétimo céu?
Primeiro nível. As caducas seguem o seu rumo e as portas fecham-se antes da tromba de água. O rio estava tenso, a ameaça era óbvia. Perdi o rio da minha infância mas não me permito chorar.
Nem agora que cheguei a este cemitério de árvores desconhecidas. Correntes de ar percorrem sem dó todas as alas. Era a minha floresta, o meu reduto de verde.
Terceiro nível. "Eles compreenderam". Os elementos desafiam-me mostrando-me a casa onde vivi. Olha o tecto que te abrigou, vê o teu jardim-deserto! Cerro os olhos. "Não respires".
Nova paragem. Os postes de alta tensão estão saturados de energia. O cimento não quebra, só o bio. Mas uma explosão é iminente. Indiferentes as portas fecham-se e estranhamente sou salvo pela frieza do automatismo.
Os corpos minerais desintegram-se, mas aquele tanchão de pedra resiste seguro pelo arape farpado. O ar pica-se nas arestas e a ruína subsiste.
Sexto nível, tão próximo do sétimo céu. Os cúmulos desapareceram, uma luz chama-me. Estou quase lá. Ponho um pé de fora e compreendo. Não existe sétimo céu. mas no sexto há paz.
De repente, avisto-a à direita. Arranco a máscara. Grito: "Perversos!". Reenviaram-me para a cripta.
Gosto da tua maneira de pensar
Oh pr'a mim a contar uma piada futebolística (Pedro, estou a imaginar-te em Bruxelas, a pensar: esta é mesmo o estilo dela!?)
Arsene Wenger, Alex Ferguson e José Mourinho morreram num acidente de aviação e foram ter com Deus.
Deus voltou-se para Wenger e perguntou-lhe o que era mais importante para ele. Respondeu Wenger :
- A Terra é o mais importante e devemos proteger o ambiente.
Deus disse :
- Gosto da tua maneira de pensar, vem sentar-te ao meu lado esquerdo.
Deus perguntou depois a Ferguson o que ele mais admirava.
Ferguson respondeu que admirava muito as pessoas e as suas escolhas pessoais, sendo isso o mais importante.
Respondeu Deus :
- Gosto da tua maneira de pensar, vem sentar-te ao meu lado direito.
Deus virou-se então para Mourinho, que o fitava insistentemente. Deus perguntou :
- O que se passa Mourinho ?
Ao que Mourinho respondeu :
- Deus, acho que estás sentado na minha cadeira...
Deus voltou-se para Wenger e perguntou-lhe o que era mais importante para ele. Respondeu Wenger :
- A Terra é o mais importante e devemos proteger o ambiente.
Deus disse :
- Gosto da tua maneira de pensar, vem sentar-te ao meu lado esquerdo.
Deus perguntou depois a Ferguson o que ele mais admirava.
Ferguson respondeu que admirava muito as pessoas e as suas escolhas pessoais, sendo isso o mais importante.
Respondeu Deus :
- Gosto da tua maneira de pensar, vem sentar-te ao meu lado direito.
Deus virou-se então para Mourinho, que o fitava insistentemente. Deus perguntou :
- O que se passa Mourinho ?
Ao que Mourinho respondeu :
- Deus, acho que estás sentado na minha cadeira...
13.3.05
De Brasília III
Enildo Amaral
Não me surpreende que os brasilienses tenham feito desta ponte um novo local de visita. Diz Enildo Amaral: A ponte foi inaugurada há menos de dois anos e gerou uma série de polémicas quanto ao seu custo elevado, mas o facto é que ficou bonita e virou ponto turístico da cidade.
Tenho que enviar ao E.A. uma foto da Ponte Vasco da Gama, outro assombro de engenharia, que também gerou polémica, mas de que nos orgulhamos.
À noite, a beleza estética da ponte é posta em evidência pela iluminação (foto seguinte). Obrigada pela partilha, é um privilégio ter um fotógrafo amigo do outro lado do mar! Sinto-me a cantar um fado tropical.
Nichos
Porque gosto tanto de navegar na blogosfera, o que tem este espaço de tão peculiar? Vem-me logo à ideia a facilidade com que acedemos a nichos de pensamento. Não fosse isso, como poderia embarcar no Expresso do Oriente, ouvir uma Voz no Deserto, beber da Fonte de Horácio, ter um Dicionário Pessoal, conhecer a Grande Fauna, mergulhar em Ondas durante todo o ano, ou suportar Extensas Madrugadas? É um Bazar de ideias que me alimenta e certamente me enriquece.
Mas acima de tudo, e incluindo aqui todos os que injustamente não referi, gosto do respeito pela diferença e dos sorrisos interiores que pululam neste globo virtual.
Mas acima de tudo, e incluindo aqui todos os que injustamente não referi, gosto do respeito pela diferença e dos sorrisos interiores que pululam neste globo virtual.
Your penis name ou Porno III
A blogosfera foi invadida por um teste(?) absolutamente idiota e eu, de uma forma absolutamente idiota, decidi deixar passar o intruso. Fiquei a saber qual é o nome do meu pénis! Helas! Big Lebowski! Porque tinha que arranjar um problema, inseri depois o meu nome de casada: e o meu pénis passou a chamar-se Bavarian Beefstick! Eu disse que era idiota... Alguém me explica... tudo, o teste, eu ter um pénis, ele mudar de identidade?
Your Penis Name is: Big Lebowski |
12.3.05
Pornografia II
Foi num daqueles dias em que estranhamos ter forças para acabar o dia. Mas todas as missões foram cumpridas nesse universo que se estende entre afectos e obrigações. Um sorriso e finalmente o corpo estendido no sofá. A mão pega no comando et voilá! Estou no CineClassics e começo a perceber que a programação da noite são filmes pornográficos franceses dos anos 20. Estou perante uma sequência de filmes mudos, cada um com uma duração média de 10/15 minutos. A primeira reacção é de riso, riso puro. A comicidade dos personagens, dos seus movimentos sincopados, quase bruscos. E depois o deleite, qual última cena do Cinema Paraíso (falta-me apenas a memória de um Alfredo para me comover).
Os guiões são variados, desde a visita combinada do fidalgo a casa da burguesa, algures em Paris, ao atelier do escultor na Grécia antiga, passando por uma troca de doces sevícias entre anjos, num cenário celestial.
Reparo nas "actrizes". Temos dois tipos: a típica starlet da Grande Époque, magra, longas pernas, cabelo curto, a imagem da sofisticação; e a moça roliça, de pele clara, provinciana e voluptuosa. Imagino as fontes de recrutamento: jovens aspirantes a actrizes e prostitutas de rua.
Não defino uma tipologia masculina: há homens de todas as idades - desde jovens rapazes a velhos de longas barbas brancas; e de todas as compleições físicas - pequenos, robustos, elegantes, quase efeminados, muito musculados, decrépitos.
Um filme de 1925 e um filme actual, ambos pornográficos. Quais os denominadores comuns? A exposição crua da nudez e do acto sexual e o uso de fetiches, há uma manipulação perversa dos adereços. E pouco mais.
Do ponto de vista plástico, os primeiros são um conjunto de "quadros", a perspectiva é de conjunto; os actuais são um conjunto de zoomings. A tecnologia e a insaciedade evoluiram.
O mais espantoso é o que se passa ao nível do jogo amoroso. Os homens são frequentemente bissexuais pelo que as famosas ménage à trois são vividas verdadeiramente a três. Nos filmes passados na cidade, o burguês (vestido a rigor, com colete, casaca e chapéu) pode, antes de se envolver com a amiga que visita, ter relações com um dos seus empregados (como reflexo da estrutura de classes, o que detém uma posição social mais elevada "domina" o da classe mais baixa).
A mulher é um ser que se venera. Mesmo tratando-se de um filme pornográfico, frequentemente ela é colocada numa posição superior, como um ícone que se adora: no alto da escadaria, em cima de um banco ou de outro objecto que sirva o efeito de a elevar.
Nestes filmes sentimos uma espécie de a-moralidade, são elogios ao prazer, tout-court.
Nos filmes actuais (dirigidos ao público hetero) não existe interacção entre homens e a mulher é "dominada". Existe sempre a ideia de transgressão ou de abuso ou de engano/engate "malandro", como uma vingança. Maio de 68, a pílula, e todas as revoluções parecem não ter acontecido.
Em qualquer época, estes filmes são atravessados pelas sombras negras da nossa mentalidade colectiva. Mas comparativamente ao que se passava há um século atrás, fiquei com a impressão de que o cinema pornográfico actual, mais do que perverso, é reaccionário. O uso da pornografia para defesa do "amor livre" caducou. Houve uma regressão e estes filmes cristalizaram uma moralidade rasca num non-sense em que não se repara. O teor das imagens arregala olhos que logo se fecham.
Os guiões são variados, desde a visita combinada do fidalgo a casa da burguesa, algures em Paris, ao atelier do escultor na Grécia antiga, passando por uma troca de doces sevícias entre anjos, num cenário celestial.
Reparo nas "actrizes". Temos dois tipos: a típica starlet da Grande Époque, magra, longas pernas, cabelo curto, a imagem da sofisticação; e a moça roliça, de pele clara, provinciana e voluptuosa. Imagino as fontes de recrutamento: jovens aspirantes a actrizes e prostitutas de rua.
Não defino uma tipologia masculina: há homens de todas as idades - desde jovens rapazes a velhos de longas barbas brancas; e de todas as compleições físicas - pequenos, robustos, elegantes, quase efeminados, muito musculados, decrépitos.
Um filme de 1925 e um filme actual, ambos pornográficos. Quais os denominadores comuns? A exposição crua da nudez e do acto sexual e o uso de fetiches, há uma manipulação perversa dos adereços. E pouco mais.
Do ponto de vista plástico, os primeiros são um conjunto de "quadros", a perspectiva é de conjunto; os actuais são um conjunto de zoomings. A tecnologia e a insaciedade evoluiram.
O mais espantoso é o que se passa ao nível do jogo amoroso. Os homens são frequentemente bissexuais pelo que as famosas ménage à trois são vividas verdadeiramente a três. Nos filmes passados na cidade, o burguês (vestido a rigor, com colete, casaca e chapéu) pode, antes de se envolver com a amiga que visita, ter relações com um dos seus empregados (como reflexo da estrutura de classes, o que detém uma posição social mais elevada "domina" o da classe mais baixa).
A mulher é um ser que se venera. Mesmo tratando-se de um filme pornográfico, frequentemente ela é colocada numa posição superior, como um ícone que se adora: no alto da escadaria, em cima de um banco ou de outro objecto que sirva o efeito de a elevar.
Nestes filmes sentimos uma espécie de a-moralidade, são elogios ao prazer, tout-court.
Nos filmes actuais (dirigidos ao público hetero) não existe interacção entre homens e a mulher é "dominada". Existe sempre a ideia de transgressão ou de abuso ou de engano/engate "malandro", como uma vingança. Maio de 68, a pílula, e todas as revoluções parecem não ter acontecido.
Em qualquer época, estes filmes são atravessados pelas sombras negras da nossa mentalidade colectiva. Mas comparativamente ao que se passava há um século atrás, fiquei com a impressão de que o cinema pornográfico actual, mais do que perverso, é reaccionário. O uso da pornografia para defesa do "amor livre" caducou. Houve uma regressão e estes filmes cristalizaram uma moralidade rasca num non-sense em que não se repara. O teor das imagens arregala olhos que logo se fecham.
(A pornografia existe desde a aurora dos tempos e não acredito que alguma vez se faça noite. A procura destes produtos não cessa de aumentar. Há pedaços de várias gerações a alimentar-se com isto. Combater a pornografia é quixotesco e não vejo interesse nisso. Mas as discussões sobre essa matéria reduzem-se ao argumento de que "é mau", "degradante para a imagem das mulheres"!?)
11.3.05
When did I stop dreaming?
10.3.05
Pornografia I
Ovidie
É sempre arriscado falar de pornografia, sobretudo quando é uma mulher que o faz e ainda mais se não o faz de forma anónima. Mas ontem apanhei na TV5 uma entrevista à Ovidie e por isso não resisto. A Ovidie é actriz e realizadora de filmes porno, o que, por si só, não constitui uma grande qualidade nem justifica uma grande conversa. Mas esta Ovidie é uma jovem com 25 anos, formada em filosofia, e que se assume como marxista e feminista. Fala com orgulho do que faz, mas a sua postura tipo é estar contra. Contra a sociedade moralista. Contra a sociedade machista. Contra "o feminismo de consumidoras". Contra uma revolução fundada sobre uma falsa moral. E, sobretudo, contra uma pornografia de exploração. Escreveu um livro que se chama Porno Manifesto onde descreve a vivência no meio em que trabalha. Como boa marxista, coloca de um lado as operárias (e operários) do sexo e, do outro, os produtores de filmes, os capitalistas.
As contradições ou ilusões desta intello de filmes X são muitas, e apercebemo-nos logo disso quando se convenceu de que tinha criado outra ordem estética e social na pornografia, realizando ela própria dois ou três filmes.
Mas a sua singularidade fê-la chegar ao grande público e é uma fazedora de opiniões. Para o cidadão médio, a pornografia passou a ter um rosto e uma voz e uma consciência. Tem o mérito de ter posto a França a discutir os direitos dos trabalhadores da indústria porno. Continua a exercer o seu métier mas recusa algumas práticas comuns no cinema porno, pelo risco de transmissão de doenças (nomeadamente o vírus HIV). Ela também participa activamente em campanhas institucionais favoráveis ao uso de preservativos.
Quando uma Ovidie é apresentada no horário nobre da televisão, já não é possível fazer de conta que não existe uma indústria porno bastante lucrativa, nem esquecer que, se assim é, é porque existe mercado. E todos são forçados a assumir uma posição. Desde os inocentes concordo/não concordo à regulação objectiva de uma actividade.
Fiquei com a impressão de que, como país, não aguentaríamos uma Ovidie. E, sem querer, percebi que também eu estava contra tudo. Contra a sociedade moralista. Contra a sociedade machista. Contra uma revolução fundada sobre uma falsa moral. E, sobretudo, contra uma pornografia de exploração.
(Não sei se perceberam, mas retirei a cláusula das "feministas consumidoras". Por não saber bem o que isso é. E porque a Ovidie não é uma boa feminista, apesar de ser muito mais do que uma "feminista" boa.)