Francis Bacon
Ainda a entrevista ao Gonçalo M. Tavares. Um último instar ao apetite. Como sobrevive um livro ao tempo?
RF: Há uma citação do (Paul) Valéry de que gosto muito. "Os livros têm os mesmos inimigos que o homem – o fogo, a humidade, os bichos, o tempo e seu próprio conteúdo".
GT: O conteúdo é fundamental desde o tempo em que os livros eram memorizados. As pessoas sabiam os livros de cor mas, para isso acontecer, o conteúdo tinha que ser interessante. Aí, a associação entre o homem e o livro ainda era mais evidente.
RF: É engraçado, eu associava o conteúdo ao tempo, saber se um conteúdo pode gerar interpretações válidas em diferentes contextos sociais e históricos. É a questão do que é universal ao longo dos tempos.
GT: O que pode ser universal são aqueles conteúdos que não apresentam uma solução e que hoje já geram várias interpretações. Uma das coisas que mais me agrada é perceber que há diferentes interpretações dos vários livros que escrevi. Os livros que são flexíveis e que duram são os livros que nos deixam sempre pensar que podia ser sobre o dia de hoje.
RF: E não são também aqueles que tocam os sentidos? Que falem de medo ou de amor.
GT: Sim, há uma expressão que o Freud utilizava e que gosto muito que é a "estranheza familiar". A estranheza familiar é sentirmos que alguma coisa não está certa mas que, ao mesmo tempo, há uma parte dessa coisa que reconhecemos e que nos é familiar. Sinto-me em casa mas sinto-me ameaçado. Essa sensação pode, eventualmente, ser uma das marcas dos livros que resistem ao tempo. O familiar permite que exista essa ligação porque, se não houver um fio que me ligue, aquilo é outro mundo. Mas, se me é totalmente familiar, já não interessa, já está assimilada.
Esse conceito do estranho familiar é isso: há uma parte que me agarra mas há também outra parte que ainda não entendi. E é essa parte que ainda não entendi, que me permite continuar a olhar para o livro. Como escritor, uma coisa que também adoro é – e os livros saíram há pouco tempo – dizerem-me "já li este livro várias vezes". Prefiro ter releitores que muitos leitores.
Esse conceito do estranho familiar é isso: há uma parte que me agarra mas há também outra parte que ainda não entendi. E é essa parte que ainda não entendi, que me permite continuar a olhar para o livro. Como escritor, uma coisa que também adoro é – e os livros saíram há pouco tempo – dizerem-me "já li este livro várias vezes". Prefiro ter releitores que muitos leitores.
(mais do GT ali ao lado, na coluna da direita)
Gostei de ler e de olhar Bacon.
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