Francis Bacon
Ontem, dia 27, despertamos a nossa memória colectiva. Evocamos a máquina do horror e celebramos o seu fim. Há 60 anos o campo de concentração Auschwitz-Birkenau foi libertado pelo exército soviético. Lia A Fábrica e recordava-me da entrevista com o Gonçalo M. Tavares. A bestialidade é um mistério. O horror não foi exterminado. Este mundo continua em guerra. Decidi transcrever aqui parte dessa entrevista. Até para me "despedir" do Gonçalo, uma vez que na próxima semana vai ser lançada nova entrevista. Neste fragmento ele levanta algumas questões. Todos os domínios do conhecimento congregados - mas sobretudo a biologia e a genética, poderão decifrar o mistério e libertar-nos?
RF: Vamos falar de algumas das tuas constantes. Escreveste vários livros (Um Homem: Klaus Klum; A Máquina de Joseph Walser; Jerusalém) centrados no tema da guerra e parece que vão sair ainda outros ("livros negros").
GT: Interessa-me perceber o fenómeno.
RF: Um pouco como o personagem do médico Theodor em Jerusalém…, ele especializava-se no horror!
GT: Perceber por que é que é quase natural aparecerem as guerras é algo que me interessa, e é uma estranheza. Parece ser algo cíclico mesmo que, em cada momento, pensemos que não é aceitável. Em cada geração, as pessoas surpreendem-se mas é quase como nos surpreendermos com o nascimento de uma criança. Parece inevitável, natural.
RF: E no pós-guerra, que mudanças podem ocorrer? Nos teus livros ficamos com a impressão de que nada avança, de que tudo se mantém. Pode haver mobilidade – as pessoas são peões, mas a estrutura mantém-se. A guerra não provoca revoluções.
GT: Só o facto de as guerras se irem sucedendo, por maior que seja a evolução tecnológica e intelectual, é já uma demonstração de que não há avanço. Se lermos qualquer tragédia grega centrada numa guerra, percebemos que as causas desses tempos são semelhantes às de hoje.
RF: O Edgar Morin falava muito bem disso, mantêm-se as questões de definição de território.
GT: Há a sensação de que existem dois mundos em desenvolvimento: o mundo material, em que claramente, o homem progride. O homem tem cada vez menos dor e vive de uma forma mais confortável de modo geral. Todo o progresso evolui no sentido de aumentar o tempo de vida com menos dor. Temos pois, de um lado o desenvolvimento da cidade, no seu conjunto. A grande invenção humana não é nenhuma tecnologia, é o conceito de cidade, o conceito de pessoas a viver juntas não se matando umas às outras.
Depois, paralelamente a isto, há o indivíduo sozinho. O que sinto é que se pensarmos no progresso desde há 2000 anos, houve nitidamente uma grande evolução ao nível material mas individualmente – em termos do que é o homem, dos medos que tem, da agressividade – quase que podemos traçar uma linha recta. Platão compreenderia perfeitamente o homem de hoje mas ficaria muito espantado com um frigorífico. E eu acho que este é um dos grandes mistérios.
Depois, paralelamente a isto, há o indivíduo sozinho. O que sinto é que se pensarmos no progresso desde há 2000 anos, houve nitidamente uma grande evolução ao nível material mas individualmente – em termos do que é o homem, dos medos que tem, da agressividade – quase que podemos traçar uma linha recta. Platão compreenderia perfeitamente o homem de hoje mas ficaria muito espantado com um frigorífico. E eu acho que este é um dos grandes mistérios.
RF: Do ponto de vista biológico, neurológico, não progredimos!
GT: Sim e, nesse aspecto, uma das coisas mais familiarmente estranhas, porque muito ameaçadoras e perigosas mas, ao mesmo tempo, mais estimulantes, é realmente a questão de mexer na genética. O que se percebeu até agora é que, por mais que se mexa na parte exterior, material, ou no acesso à cultura e educação, a conflitualidade e a agressividade não desaparecem. Pela primeira vez agora, vai haver uma junção entre a biologia e a genética. Esta possibilidade tanto assusta como entusiasma.
RF: No limite, se se pudesse fazer uma pequena manipulação genética para que não nos matássemos uns aos outros, tu concordarias?
GT: Sim, não me choca. Choca-me mais as pessoas estriparem-se umas às outras. E não percebo as resistências às alterações genéticas porque o homem está sempre a ser alterado – com antibióticos, corações artificiais, etc.. Se alterarem a nossa biologia para as pessoas viverem melhor no seu conjunto, eu concordo.
(Se quiserem continuar a leitura usem os links à direita, "entrevistas on line")
Obrigado pela referência à minha Fábrica.
ResponderEliminarGonçalo Tavares, têm, é aminha opinião, toda a razão quando diz que o homem teve uma grande evolução no plano material mas não cresceu como individuo.
Sempre, que a nível filosófico as ideias deram um passo em frente,Descartes, Kant, Hegel, etc., houve sempre alguém que as subverteu para interesses, muitas das vezes bélicos, que nada tinham a ver com o pensamento do seu criador.
Sobre o Dia da Memória, quero apenas dizer mais uma coisa. A mixórdia de escritos anti-semitas, chauvinistas, racistas, superioridade ariana, andam a circular pela Internet sem que ninguém faça nada para impedir essa circulação. Quando o Carniceiro Alemão, lançou em 1925 essa mixórdia a que deu o nome de "Mein Krampf", ninguém lhe ligou, porque era praticamente impossível dar alguma credibilidade a um louco.
A História, mostrou-nos o contrário.
O que é inquietante é pensar que Hitler, como tb Mussolini, foram eleitos democraticamente. Sobre os textos que circulam por aí, levanta-se a mesma questão: qual é a essência da democracia e quais são os seus limites.
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