Marcia Lorenzato
No vôo de regresso. Encostado à janela, com um ar aterrado, o meu companheiro de viagem das próximas duas horas e meia. A menina pequenina que é minha filha entre os dois. Ela está feliz por viajar, imita os grandes, pega numa revista, desfolha as páginas e vai comentando "olha uma igreja, olha um avião pequenino, posso pintar?". E depois pergunta de repente "o que é uma bomba? na televisão um dia falaram de uma bomba num avião". O homem da janela suspira forte. Respondo "uma bomba é uma coisa que explode, faz um grande barulho e às vezes parte coisas. se calhar era um filme! seria um filme?". "Acho que era!". Ela continua a pintar. Pergunto ao homem "sente-se bem?". mas ele sentia-se muito mal, sentia um enorme pânico sempre que viajava de avião. Começamos a conversar para distrair, ele vai acalmando. Alguma turbulência e nova crise de pânico. Mão no coração, mão no ombro, já estamos quase a chegar.
À noite, em frente à televisão. O terramoto, o maremoto. Milhares de mortos, imagens que nos impressionam. Levo as crianças para o quarto tarde demais. E a pergunta surge "era um filme?".
Não sei.
Como dizer-lhe que às vezes somos pequenos demais. e que, às vezes, somos pequenos demais mesmo para aqueles que amamos.
Lamentamos as desgraças alheias, tememos por nós. Evadimo-nos. Um filme. Amanhã vai ser um filme. Queremos manter a inocência. Os homens não são maus, a natureza não é má. Existem apenas medos que se distraem com conversas e a mão no ombro.
Vamos dormir. serenos.
É... ele há coisas com que não vale a pena a gente preocupar-se!
ResponderEliminarMas preocupamo-nos!
minha cara diva concordo que a natureza não seja má, mas os homens são-no!
ResponderEliminarNuma viagem que fiz uma rapariga sentada ao eu lado estava bastante ansiosa, tinha medo, e algum vinho para o combater. Começou a falar do medo que tinha da aterragem, de o avião se "espatifar"! e eu disse que a única coisa garantida quando nasciamos era a morte, e que pelo menos se fosse no avião morriamos com companhia, e que era mais provavel morrer a atrevessar a estrada... blá, blá. Mandou-me calar que eu era muito mórbido e que não gostava de falar de desgraças quando ia no avião!?!?!?
seja... mas é tão bom sermos pukaninos... e ter.mos não só a inocência de perguntar se é um filme, como uma inocência maior para acreditar na mamã e papa que nos dizem que é mesmo um filme... e dormir tão bem, porque era um filme e porque a mama ou papa tão ali ao lado a proteger... com aqueles braços enormes… a inocência de acreditar que os nossos papas podem tudo… era tão bom… tão bom… tão…
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