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10.1.09
Bilhete de Identidade
Escreve
sou árabe
o número do meu bilhete de identidade é o
cinquenta mil
tenho oito filhos
e o nono chegará... depois do Verão
Ficarás irritado?
Escreve
sou árabe
trabalho com os meus companheiros de infortúnio
numa pedreira
tenho oito filhos
para eles extraio da rocha
a carcaça do pão
a roupa e os cadernos
E não venho mendigar à tua porta
não me curvo
no átrio da tua casa
Ficarás irritado?
Escreve
sou árabe
Tenho um nome vulgar
sofro num país
que ferve raiva
As minhas raízes...
fixadas antes do nascimento do tempo
antes da eclosão dos séculos
antes dos ciprestes e das oliveiras
antes da erva
O meu pai...
da família do arado
e não dos senhores de Nujub
O meu avô, um camponês
sem árvore genealógica
Ensinou-me os movimentos do sol
antes da leitura
A minha casa
uma cabana de guarda
feita de canas e ramos
Estás contente com a minha condição?
Tenho um nome vulgar
Escreve
sou árabe
cabelos... pretos
olhos... castanhos
sinais particulares
na cabeça um keffiah seguro por um cordel
A palma da minha mão, rugosa como a rocha
arranha a mão que aperta
o meu endereço:
sou duma aldeia perdida, sem defesa
e todos os homens estão no campo e na
pedreira...
Ficarás irritado?
Escreve
sou árabe
Tu espoliaste-me das vinhas dos meus antepassados
e da terra que cultivava
com todos os meus filhos
e só nos deixaste
a nós e aos nossos descendentes
este cascalho
o vosso governo
vai também apoderar-se dele
como dizem?
Então
escreve
ao alto da primeira página
Eu não odeio os meus semelhantes
e não ataco ninguém
Mas... se um dia me obrigarem a passar fome
comerei a carne do meu espoliador
Fica atento... fica atento
à minha fome
e à minha cólera!
MAHMUD DARWICH
in Pequena Antologia da Poesia Palestiniana Contemporânea
Selecção e tradução de Albano Martins
Edições ASA, 2004, pp. 25-27
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