“Durante os anos em que vivia em França, prometera a si próprio fazer aquilo que a mãe, que ficara na Argélia, aquilo que ela lhe pedia desde longa data: visitar a sepultura do pai que nunca vira. Ele pensava que a visita não fazia o menor sentido, para si próprio, antes de mais (...), e depois, para a mãe que nunca falava do extinto... (...) Foi então que leu na sepultura a data de nascimento do pai e descobriu ao mesmo tempo que até agora a ignorara. Em seguida, leu as duas datas, «1885-1914» e procedeu a um cálculo mental: vinte e nove anos. Surgiu-lhe de súbito uma ideia que o fez estremecer. Tinha quarenta anos. O homem sepultado sob aquela pedra, e que fora seu pai, era mais jovem do que ele. E a vaga de ternura e piedade que de repente lhe encheu o coração não era o movimento de uma alma que conduz o filho à evocação do pai desaparecido, mas a perturbada compaixão que um homem feito experimenta perante a criança injustamente assassinada (...). Olhava as outras placas do rectângulo e reconhecia nas datas que o solo estava juncado de crianças..."
Albert Camus, O Primeiro Homem
Ed. Livros do Brasil, Lisboa, 1994, pp 29-30-31
Albert Camus, O Primeiro Homem
Ed. Livros do Brasil, Lisboa, 1994, pp 29-30-31
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