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8.1.08

Reformar o SNS


Ninguém tem dúvidas de que o sistema nacional de saúde deve ser reestuturado. Compreendo a lógica de concentração dos melhores recursos técnicos e humanos em grandes hospitais, acompanhada da disseminação de centenas de unidades de saúde familiares (apesar de não saber como operam). Saúdo o actual ministro pela criação de unidades de cuidados continuados e de finalmente dar corpo a uma rede de cuidados paliativos (que simplesmente não existia neste país).

Sei que ultimamente os media acentuam mais os casos de urgências que fecham do que o reforço do sistema de cuidados primários. Sei que a reforma está em curso e que o calendário tem atropelado equilíbrios já de si muito instáveis.

Ouço falar em indicadores: número de cirurgias, frequência de primeiras consultas, redução de gastos e investimentos. A reforma são indíces e metas. Já não passa pelo conceito de gestão hospitalar (esgotou-se o tema no tempo do Ministro Luís Filipe Pereira) e nunca passará, presumo, pela discussão do que deve ser a cultura hospitalar e pela interiorização do conceito de prestação de um serviço de qualidade à população.

A verdade é que, na prática, não existem urgências funcionais e qualitativamente modelares. Os centros de saúde continuam a ser locais caóticos, com filas de espera insanas, seja para marcação de consultas seja no atendimento. As infraestruturas são velhas, gastas e frias. Alguns hospitais estão bem equipados e oferecem valências médicas de elevada qualidade mas há sempre qualquer coisa que falha. Em Santa Maria, por exemplo, realizam-se transplantes de órgãos com sucesso, mas as equipas são tão especializadas que, se um paciente fizer o transplante de um rim, podem demorar horas até perceber que as dores que tem são originadas por um problema de natureza gástrica, e não se faz acompanhamento psicológico, nem ao doente sujeito a transplante, nem ao dador do órgão (normalmente um familiar) (este é mais um caso real).

O paciente não é visto como um ser, na sua totalidade, nem do ponto de vista clínico, nem do ponto de vista psicossocial. O serviço nacional de saúde atende-nos pontualmente e despacha-nos com prazer. Que venha o seguinte! O seguinte! Dado o racio de doentes por médico, mesmo os médicos de família só podem tratar-nos assim, como mais um caso pontual, e que venha o seguinte! O seguinte!


E tudo isto tem muito pouco a ver com as qualidades técnicas e humanas do pessoal médico e de saúde. Há um sistema que os conduz a esse tipo de procedimento. Salvo fantásticas excepções.

De resto, a nossa percepção do serviço nacional de saúde também está condicionada. Sempre que somos bem atendidos, pensamos que foi uma excepção. Existem fantásticas excepções.

Mudar a cultura da saúde em Portugal significa inverter essa percepção. Tem um longo caminho pela frente, Senhor Ministro.


[Cartaz da Colecção de Francisco Madeira Luis, disponível no site da UA]

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