Páginas

2.11.07

Bertold Brecht

Brecht tem, sobre a poesia, o mesmo pensamento que tem sobre a arte dramática. Ela é uma ferramenta em defesa da liberdade do homem. Nos seus poemas, o mesmo sentido épico e didático das peças teatrais. Recusa uma poesia alheia aos acontecimentos sociais. Exige que ela intervenha sem perder o seu sentido artístico. E apeteceu-me reler, relembrar. A primeira vez que ouvi a sua poesia foi pela voz de um amigo, o C.. Ele subiu a um banco e, numa casa ainda em construção, - mas já com a lareira acesa, inundou-nos de Brecht. Havia gente de todas as cores políticas e um violinista holandês que não percebia nada do que se dizia mas que o ia acompanhando. Lembrar Brecht é também essa cálida memória dos dezoito anos depois de entrar na universidade, e do primeiro grupo de amigos de Lisboa.

1898-1956
(foto de 1956)

A Excepção e a Regra

Estranhem o que não for estranho.
Tomem por inexplicável o habitual.
Sintam-se perplexos face ao quotidiano.
Procurem um remédio para o abuso
Mas não se esqueçam de que o abuso é sempre a regra.

A Fumaça

A pequena casa entre árvores no lago.
Do telhado sobe fumaça
Sem ela
Quão tristes seriam
Casa, árvores e lago.


A Máscara Do Mal

Na minha parede há uma escultura de madeira japonesa
Máscara de um demónio mau, coberta de esmalte dourado.
Compreensivo observo
As veias dilatadas da fronte, indicando
Como é cansativo ser mal


No Muro Estava Escrito Com Giz:

Eles querem a guerra.
Quem escreveu
Já caiu.


Para Ler De Manhã E À Noite

Aquele que amo
Disse-me
Que precisa de mim.
Por isso
Cuido de mim
Olho meu caminho
E receio ser morta
Por uma só gota de chuva.

1947, EUA


Perguntas De Um Operário Que Lê.

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruida,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Indias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas


Também o Céu

Também o céu às vezes desmorona
E as estrelas caem sobre a terra
Esmagando-a com todos nós.
Isto pode ser amanhã.


Sem comentários:

Enviar um comentário