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21.6.07

Extensão da provocação #3


Há autores que se servem do talento que possuem ao serviço da descrição delicada dos diferentes estados de espírito, traços de personalidade, etc. Certamente que não farei parte deste grupo de escritores. Todo este acumulado de pormenores realistas, reputadas audácias de personagens claramente distintas, sempre me surgiram, desculpem-me a confissão, como pura insignificância. Daniel, que é amigo de Hervé que por sua vez suporta algumas manias de Gerard. O fantasma de Paul que encarna no corpo de Virginie, a viagem a Veneza com a minha prima... podíamos passar horas nisto. Mais vale observar os lavagantes a pisarem-se uns aos outros dentro de um aquário (basta ir a uma marisqueira). De resto, frequento muito pouco a espécie humana.
Para alcançar o objectivo, outrora filosófico, a que me proponho, preciso de desbravar caminho. Simplificar. Destruir a camada de pormenores, um por um. Serei talvez auxiliado pelo simples jogo do movimento histórico. O mundo uniformiza-se mesmo debaixo das minhas barbas. Os meios de comunicação progridem; o recheio dos apartamentos enche-se de nova tecnologia. As relações humanas tornam-se progressivamente impossíveis, o que reduz igualmente a quantidade de anedotas com as quais se compõem a vida. E, aos poucos, a figura da morte aparece em todo o seu esplendor. O terceiro milénio aproxima-se sob este presságio.

Michel Houellebecq
in Extensão do Domínio da Luta
Ed. quasi, pp 17


Para Michel Houellebecq, este é o romance da aprendizagem do desgosto. Foi o seu primeiro romance (editado em 1994) e nele já é evidente o seu desencanto com a humanidade e o desespero de viver todos os dias num mundo que promove a massificação do indivíduo. O narrador desta obra, como depois em Partículas Elementares, Plataforma, ou A possibilidade de uma Ilha, é um homem doente de solidão. E, como todos os seres humanos, pode ser cruel. Neste livro em particular, a escrita literária vem representar um espaço privilegiado de manifestação da subjetividade (em "A Possibilidade..." é a escrita humorística que assume esse papel). Como se, na ficção, o indivíduo sozinho pudesse triunfar, concentrado apenas na experiência do existir.


Imagem de Jean Sébastien Monzani, série Still Travelers

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