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15.5.07

O poder de Eva

Ora bem, vamos lá ver se consigo alinhar meia dúzia de palavras (saibam que não há palavra que não volte atrás para corrigir). estou com os copos, ou melhor estou com um jarro de sangria ---feita pela Eva, no Clandestino---, bebida lentamente, com mordidelas às maças, durante umas horas à conversa. Se estivesse em Lisboa, e que saudades que sinto de Lisboa, acabava a noite no Jamaica, mas aqui não há Jamaica e já não tenho 20 anos, nem trinta, entrei nos "entas" e por isso já estou chez moi e daqui a umas horas ponho o meu ar respeitável e levo as crianças à escola. e na verdade nem troco isso por nada. porque elas, as filhas, são mesmo a coisa mais perfeita que fiz e tenho na vida. Enfim, lá estou eu, mas vi O Caimão de Nanni Moretti e depois apeteceu-me mesmo espairecer. que me doeu mais a "história" da vida daquele realizador que a Itália do Berlusconi. Coisas da vida, pois! Talvez quem não conheça a figura se revolte, mas eu já disse aqui que estou longe do "so close", e do "por um fio", e a insanidade democrática e os jogos de manipulação política são tantos que ficamos cada vez mais imunes--- vocês não? Mas sim, Moretti forever, para sempre, cada vez mais depressivo, é certo, mas depois de O quarto do filho, sei que a loucura é catarse. Vão ver, mas digam-me lá se aquela música do Damien Rice pode aparecer ali, na assinatura do divórco, se aquilo não é uma prova de que o Moretti anda mais atento à política do que aos top ten musicais (e ainda bem, mas ele deveria saber que aquele sucesso comercial podia cair mal n'O Caimão). Eu imaginei logo um filho a dizer-lhe: "pai, aquela música do Damien Rice fica bem aqui" e ele a dizer que sim, rendendo-se à suposta ignorância da sua geração--- ou talvez não, talvez ele nos quisesse fazer sorrir e ironizar com a dor que acontece todos os dias.

Não sei nada. O que é óbvio, às vezes funciona bem! Por exemplo, este fim de semana vi o espectáculo "A Música no Coração" do Filipe La Féria, no Politeama e pensei que ele não inovou, ele reproduziu, num palco, um filme. Mas foi tão profissional (e teve orçamento para satisfazer os caprichos de director perfeccionista) no décor, na encenação, no casting, na selecção das traduções, que convenceu. Eu teria comprado o CD com as músicas em português para as filhas decorarem Dezasseis, quase dezassete, que é o que elas andam agora a cantarolar, ou Edelweiss, a canção sobre a flor nacional austríaca--- mas não havia à venda. Eu sei, é parolice, no original é melhor, mas olhem que elas têm sete anos e livrá-las do monopólio Floribella ou Docemania era uma conquista e tanto! (sim, elas sabem de cor "fecha a porta, apaga as luzes, vem sentar-te a meu lado..." --- e eu até me divirto, que uma das minhas diversões aos vinte era cantar isto com sotaque do norte: "feicha a puorta, apaga a luz, bem sentar-te a mueu lado"--- pelo que a gente dá sempre uma no cravo e outra na ferradura).

Enfim, gostava de andar agora na bicicleta voadora do Pavilhão do Conhecimento! Já experimentaram? Não dá nenhuma adrenalina, nunca sentimos que podemos cair. Mas talvez depois de um jarro de sangria eu pudesse cair e balançar-me na rede de protecção. Andei lá para a frente e para trás e nada!

Antes de terminar: vocês nunca continuaram--- mentira, a JP fê-lo ---mas O Livro dos Bons Princípios já reune 50 princípios possíveis de romances. Agora, eu o Afinador de Sinos decidimos pôr um fim no Livro. ou melhor, queremos que sejam vocês a fazê-lo. Eu volto a lembrar-vos do desafio, que muitos nunca vão chegar a ler este último parágrafo! Mas é assim: o que vos propomos desta vez é que sejam vocês a escrever um Bom Princípio para um romance. O Bagaço Amarelo já disse que o fará. Serão publicados os 10 primeiros Princípios enviados por email para mim ou para o Afinador. Passem a palavra e terminem este Livro em glória.

Agora, se não se importam, vou ali ver o tecto do meu quarto balançar. e sentir os meus olhos fecharem à luz de O Sol dos Scorta de Laurent Gaudé, o meu actual livro de cabeceira.

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