- Avô, conta-me a história do teu avô.
- O que era arrais?
- Aquela em versos!
- As histórias nunca se contam da mesma maneira. É como os sulcos na areia, não há dois iguais. Se acordas bem disposto fazes cócegas na areia, se estás de mau humor, afincas-lhe os dedos.
- Aquela do avô que se chamava Francisco como eu.
- É uma longa história!
- Tenta.
- O que era arrais?
- Aquela em versos!
- As histórias nunca se contam da mesma maneira. É como os sulcos na areia, não há dois iguais. Se acordas bem disposto fazes cócegas na areia, se estás de mau humor, afincas-lhe os dedos.
- Aquela do avô que se chamava Francisco como eu.
- É uma longa história!
- Tenta.
Não que se usassem muito os grandes nomes___ mas vai daí, talvez por ser um homem muito alto e encorpado,
coisa também rara para a época, era uso lhe chamarem de Francisco Xavier. O arrais!
Mestre de barcos de fundo chato, esculpido, bordador das redes com que enchia o barco e que depois lançava às águas. Era rico, muito áspero, rigoroso, um tanto bruto mas generoso. O arrais!
De família dizia-se parco. Uma mulher fraca, doente, Rosa de nome mas pálida de cara, e um único filho a que chamou Abel, na esperança de um dia vir a ter um Caim. (Que não era de brigas ou de mortes. Era de crenças e de lemas. E que um homem deve invejar para ser maior.)
Mas assim não quis a sorte.
- Avô, isso são versos?
- Isto são sulcos na areia!
- Isto são sulcos na areia!
Aos amigos emprestava
em momentos de aflição
e na cobrança ao que dizem
não tinha tinha de cão.
Mas à mulher não esquecia
de dizer com mau humor -
se um dia te vais desta
caso-me logo de novo,
compro pronto outra aliança.
Quis a sorte que o futuro
ocorresse de outro modo.
À cabeça da xávega em dia de tempestade
bate-lhe uma onda no peito.
Que nunca mais foi o mesmo.
A dor não matou ali para ir matar mais à frente.
Fica a Rosa e o Abel
mais as vozes que lhes dizem
que o Francisco Xavier
é credor de muito ouro.
E cadê dos passeantes?
Quis a sorte que o Abel
descobrisse por acaso
no virar de um velho quadro
dez mil reis empoeirados.
Vende a xávega do pai.
Compra terras de lavoura.
Outra história se seguiu
mas essa guardo-a pra mim.
Quis a sorte que o Abel
tivesse um filho Manuel
e esse, meu caro neto,
foi o pai que me serviu.
- Acabou?
- Acabou.
- Faz mais cócegas na areia...
- Acabou.
- Faz mais cócegas na areia...
P.S. : Esta história foi-me contada pelo meu pai, que a ouviu ao pai dele. Eu devo ser trineta do Francisco Xavier, o arrais :))
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