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18.7.05

Anda um escritor famoso a passear de blog em blog VII


A minha colega Carminho aproximou-se, excitada. Tocou-me no braço com o braço dela naquele gesto que se quer discreto e murmurou – “Olha o escritor que aparece na televisão ao sábado! Está ali ao balcão!”. A Carminho é loira e branca e tinha as faces ruborizadas. Tremia. Foi só por isso que pude perceber que algo se passava, já que o barulho do moinho de café não deixava ouvir frases sussurradas. “O quê?” – perguntei aproximando o meu rosto do dela – “Não olhes agora!” – foi a resposta que, como se sabe, tem sempre o efeito inverso, pelo que me virei de imediato na direcção oposta, a do balcão. O meu olhar cruzou-se com o dele e senti crescer de repente uma bola de ar comprimido dentro do peito. Subiu a temperatura na minha cabeça toda e voltei-me de novo para o moinho do café – “É o escritor da televisão!” – disse para a Carminho tentando controlar o tom de voz embora esteja quase certa de ter sido um esforço vão. - “É o que te estou a tentar dizer há que tempos!” – retorquiu ela rematando com um sonoro “Parva!”, enquanto se afastava lá para dentro para me deixar ser eu a atendê-lo.Lá na pastelaria todas sabiam o fascínio que eu nutria por ele, o escritor de olhar calmo, que tinha um programa na televisão ao sábado, a horas tardias e naquele canal que ninguém vê. Aquele homem muito mais velho e tão diferente dos rapazes suburbanos que me tentavam impressionar em manobras com as motorizadas potentes e me mandavam postais com erros de ortografia.Todas sabiam que eu lhe devorava as palavras sem as entender na sua totalidade, que ficava noite dentro a ouvi-lo falar de coisas simples que ao saírem da sua boca eram grandiosas. Acho mesmo que todas sabiam que, nas minhas fantasias mais secretas, ele era só meu.O que nenhuma sabia era os inúmeros cadernos de linhas comprados no supermercado que eu preenchia com tentativas de poemas e contos. E o desejo inconfessado que ele os lesse. Aproximei-me do balcão à toa. – “Um café” – pediu – “cheio, se faz favor”. Ali tão perto pude sentir o seu cheiro, que se sobrepunha ao do café, do pão fresco, dos pastéis de nata. Fechei os olhos e decorei-o, para ficar para sempre com ele.Por fim, numa tentativa desesperada de o possuir mas sem saber como, murmurei um “Só um momento” e fui lá dentro ao armazém. Peguei numa chávena. Apertei-a entre as minhas mãos. Encostei-a à minha face. Depois fixei-a um pouco com o olhar, concentrei-me e, num movimento lento mas firme, passei a língua toda por ela.Voltei e servi o café. Fiquei a ver quando ele pegou na chávena e a levou à boca. Foi nesse momento que nos beijámos sem nunca nos termos tocado. Porque nem mesmo quando recebi a moeda e lhe fiz o troco consegui aproximar a minha mão da sua a ponto de poder sentir a sua pele. Depois, vi-o afastar-se e sair. Segui-o com os olhos até ele dobrar a esquina.Tive a certeza que nunca mais o veria, mas levei a chávena para casa e guardei-a junto dos meus cadernos de poemas e contos.

Rosarinho

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