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5.4.05

Os contrários


Paul Rapp

O livro parece inocente, tem imagens coloridas, apelativas, os desenhos são amorosos. Li-o várias vezes às minhas filhas. Hoje voltei a pegar nele e de repente percebi como, sem querer, exercemos condicionamentos (quase ideológicos) sobre as nossas crianças. Através de uma sucessão de ilustrações legendadas, o que me parecia ser muito pedagógico, tornou-se perigoso. Exemplos daquilo a que Bourdieu chamava "violência simbólica":

A melhor amiga da Marta chama-se Dina. Qual é o nome da menina de pele escura?
O avozinho e a tia Teresa vieram aos anos da Marta. Qual dos dois é o mais magro?
A Marta tomou um duche. Os cabelos estão molhados. O que é que a mamã da Marta deve fazer para lhe secar os cabelos?
A mãe muda a fralda que cheira mal. A Marta está a cheirar água-de-colónia. Ela está a sentir um cheiro bom ou mau?
A mamã prepara os legumes. Alguns comem-se cozidos e outros crus. Como é que tu gostas de comer as batatas?
Com o que é que apanhamos os cabelos? Apanhamos ou não os cabelos, antes de os pentear?
A Marta recebeu no Natal um urso novo mas o que ela prefere está muito usado/O Hugo está a fazer construções...
A Marta é simpática e empresta a boneca à Inês. Porque é que o Hugo é mau? (o Hugo arrancou a boneca à Inês e puxa-lhe os cabelos)


É claro que existem outras ilustrações que são neutras e divertidas e muito úteis. Mas talvez valesse a pena comprar outro livro de "Os Contrários"!!! ...se não se desse o caso da literatura infantil reproduzir sistematicamente este modelo, em termos de perfis, tarefas e papéis sociais, para cada um dos géneros. Não há menina que escape à superestrutura dominante nem rapazinho que não se sinta mal se não gostar de "construções"!
[Os Contrários, Dicionário por imagens dos pequeninos
Ed. Fleurus
]

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