6.3.07

O LIVRO DOS BONS PRINCÍPIOS

XXXVII

Passaram em frente ao Café Palácio que, no seu tempo, pertencia ao senhor Eduardo. Ouviram as ondas ali perto bater contra o esporão, mas tratava-se de outra coisa. Não fora o mar que partira os vidros ou deixara a placa ainda com os néons, uns intactos, outros cortantes, pendurada por um fio, o vento a fazê-la oscilar. Já ninguém se sentava naquele lugar a ver passar os domingueiros do costume, ou o colega da Escola Industrial que casara cedo demais, ou o primo da vizinha. Uma sensação estranha. Não que fossem clientes habituais. Mas se nada tivesse mudado, poderiam sempre pensar que só eles tinham visto mundo, e uma superioridade pequenina poderia aflorar e confortar. Olhariam irritados um para outro e, sem palavras, sairia um resmungo sobre a cidade que parara no tempo e não evoluira. Mas se o Café Palácio fora vandalizado e já nem o senhor Eduardo andava por ali a queixar-se desta juventude que estava perdida, só Deus sabe o que mais teria acontecido na sua ausência. Normalmente eles iam para o Spinus, no andar de cima. Subiram as escadas. Ao chegar lá cima, no espaço "das mesas cá fora", uma corrente de ar frio encolheu-os, fê-los entrar bem para dentro dos casacos e espreitar de olhos cerrados. Um vulto embrulhado numa manta dormitava, encostado a uma das paredes. Quando ouviu passos, voltou-se. E eles puderam reconhecê-lo. É o Zé da Coroa! É o Zé da Coroa! O Zé da Coroa levantou-se num salto. Começou a abanar a cabeça e a dizer palavrões, insultou-os. Ria-se, louco. São vocês!


Todas as semanas saiem novos Princípios: às segundas n'O Afinador de Sinos, às terças aqui. Para ler todos e seleccionar um, abram O LIVRO DOS BONS PRINCÍPIOS.

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